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R7 Brasília

CPI: entenda os supostos crimes do presidente Jair Bolsonaro

Foram retiradas sugestões de indiciamento por genocídio e por homicídio, mas mantida a de crime contra a humanidade

Brasília|Emerson Fonseca Fraga, Isabella Macedo e Sarah Teófilo, do R7, em Brasília

O nome do presidente da República encabeça a lista elaborada por Renan Calheiros
O nome do presidente da República encabeça a lista elaborada por Renan Calheiros

O relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19 sugere o indiciamento do presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), por diversos crimes (veja a relação abaixo), entre eles charlatanismo, epidemia com resultado morte e crime contra a humanidade, o que possibilita o envio do documento ao Tribunal Penal Internacional. A comissão apurou, ao longo de quase seis meses de trabalho, ações e omissões do governo federal no âmbito da pandemia.

A minuta do relatório também previa imputação dos crimes de homicídio qualificado e genocídio. As duas tipificações, no entanto, foram retiradas após reunião do grupo majoritário da CPI (apelidado G7), composto de senadores de oposição e independentes do governo. Os parlamentares justificaram que foi retirado o crime de genocídio contra as populações indígenas, mas que foi mantido o crime contra a humanidade nas modalidades extermínio, perseguição de um grupo ou coletividade e outros atos desumanos de caráter semelhante.

Humberto Costa (PT-PE) explicou que os senadores entenderam que não caberia genocídio no relatório, mas que essa não seria a palavra final. "Vamos demandar uma investigação mais aprofundada sobre genocídio", disse.

Agora, o relatório será enviado prioritariamente ao Ministério Público Federal (MPF) para que o documento seja utilizado para aprofundar as investigações e, se for o caso, indiciar pessoas pelo cometimento de crimes. Veja a versão final do relatório.


O presidente Jair Bolsonaro já tinha se manifestado sobre os indiciamentos quando foi vazada a minuta do relatório final. Veja:

Saiba quais são os crimes, os motivos pelos quais o documento indica o cometimento de cada um deles por parte do presidente da República e quais as penas previstas:


 Epidemia: o crime de epidemia é cometido quando o indivíduo é responsável por “causar epidemia, mediante a propagação de germes patogênicos”, segundo o artigo 267 do Código Penal. A pena, quando o resultado é morte, como é o caso, é de reclusão de 20 a 30 anos. No caso de ser considerado culposo, isto é, fruto de imperícia, imprudência ou negligência, a pena é de detenção de dois a quatro anos.

O crime de epidemia ficou caracterizado pelo atraso na compra e obtenção de vacinas, escassez inicial de imunizantes no primeiro semestre deste ano, contaminação descontrolada por desobediência das medidas de restrição e vacinação lenta. O texto explica que o presidente da República, com isso, contribuiu para o descontrole da pandemia.


A qualificação do resultado morte, apontam Renan e sua equipe, caracterizou-se porque há causalidade material entre a conduta de Bolsonaro e os impactos no combate à pandemia ao incitar a população a não se vacinar, a compra tardia de vacinas e a falta de campanhas educativas e preventivas para o enfrentamento da pandemia.

“Dessa forma, ainda que se leve em conta a ocorrência da pandemia como uma causação da natureza, e que inevitavelmente contaminaria milhões e ceifaria a vida de milhares de indivíduos, os atos praticados e aqueles que se deixaram de praticar, notadamente pelo primeiro escalão do Ministério da Saúde e pelo chefe do Executivo Federal, interferiram no curso causal da epidemia, a qual não teria se propagado tal como efetivamente se propagou”.

 Infração de medida sanitária preventiva: o crime é cometido na situação de a pessoa “infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa”. A pena é detenção de um mês a um ano e multa. Há a possibilidade de aumento em um terço “se o agente é funcionário da saúde pública ou exerce a profissão de médico, farmacêutico, dentista ou enfermeiro”. A previsão é do artigo 268 do Código Penal.

Para exemplificar o cometimento do crime, Renan destaca que Bolsonaro, “em repetidas ocasiões, negou-se a utilizar máscara de proteção individual quando se encontrou com apoiadores e subordinados” com intenção e consciência de que, ao não usar máscara, também induzia a população a não a usar.

 Charlatanismo: o crime é tipificado no artigo 283 do Código Penal, que estabelece sua definição como “inculcar ou anunciar cura por meio secreto ou infalível”. A pena é a detenção de três meses a um ano e multa.

O relatório é breve ao definir o charlatanismo imputado a Bolsonaro. Segundo o texto, ao longo da pandemia, Bolsonaro defendeu o chamado “tratamento precoce” sem qualquer evidência científica que comprovasse sua eficácia. “Ocorre que, nessa obstinada campanha, o presidente da República ultrapassou os limites legais. Há registro de que ele tenha alardeado que, com o uso da cloroquina no início dos sintomas, haveria 100% de cura”, aponta o relator.

 Incitação ao crime: está previsto pelo artigo 286 do Código Penal e consiste em “incitar, publicamente, a prática de crime”. A pena é a detenção de três a seis meses ou multa.

A sugestão de indiciar Bolsonaro se dá por seu estímulo a aglomerações, a não usar máscara e não tomar a vacina. “A conduta de incitação ao crime deve ser proferida em lugar público ou ser dirigida ao público, como feito pelo presidente da República. “Ao estimular a população a se aglomerar, a não usar máscara e a não se vacinar (conduta reiterada em inúmeras manifestações públicas, nas ruas e nas redes sociais), o Presidente da República incitou as pessoas a infringirem determinação do poder público destinada a impedir a propagação de doença contagiosa”, afirma Renan Calheiros.

 Falsificação de documento particular: Segundo o artigo 298 do Código Penal, o crime se dá quando o indivíduo for responsável por “falsificar, no todo ou em parte, documento particular ou alterar documento particular verdadeiro”. A pena é de reclusão de um a cinco anos e multa.

A imputação a Bolsonaro desse crime se dá pelo caso em que o presidente divulgou um documento falsificado por um auditor do Tribunal de Contas da União (TCU). Em junho, Bolsonaro pôs em dúvida o número de óbitos em decorrência da Covid-19 no país. Para fundamentar seu argumento, o presidente afirmou que se tratava de um relatório do Tribunal de Contas. Contudo, o TCU afirmou não ter conhecimento de tal documento. Pouco depois, foi descoberto que o auditor Alexandre Figueiredo Costa Silva Marques foi o responsável pelo documento extraoficial, que foi divulgado nas redes sociais de Bolsonaro.

Em depoimento à CPI, o auditor informou que havia encaminhado o documento a seu pai, relatando que se tratava de uma análise feita por ele. O documento não tinha nenhuma identificação visual do TCU. Ainda de acordo com Silva Marques, seu pai foi quem teria encaminhado o arquivo a Bolsonaro, que o divulgou como sendo do TCU. “Não há dúvidas de que o presidente Bolsonaro falsificou parte da análise feita pelo auditor Alexandre, incluindo no documento o timbre do Tribunal de Contas da União. Ele próprio confessou sua conduta ilícita, devendo, portanto, ser responsabilizado”, diz o relatório de Renan Calheiros. Após ser desmentido pelo tribunal, Bolsonaro acabou voltando atrás na fala.

 Emprego irregular de verbas ou rendas públicas: De acordo com o artigo 315 do Código Penal, o crime consiste em “dar às verbas ou rendas públicas aplicação diversa da estabelecida em lei”. A pena é de detenção de um a três meses ou multa.

O texto explica que, no início da pandemia, houve procura por medicamentos ineficazes contra a Covid-19, mas a Organização Mundial da Saúde (OMS), já em junho do ano passado, recomendou que esses remédios, como cloroquina e ivermectina, não fossem utilizados. Ainda assim, o presidente da República continuou incentivando o uso dos medicamentos, e deu ordem para que o laboratório do Exército incrementasse a produção de cloroquina. Com isso, o Fundo Nacional de Saúde gastou R$ 1,8 milhão com a compra de medicamentos como cloroquina. Em 2020, o número saltou para R$ 30,6 milhões.

 Prevaricação: É o crime praticado quando o indivíduo é responsável por “retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal”, de acordo com o artigo 319 do Código Penal. A pena é de detenção de três meses a um ano e multa.

A sugestão de indiciamento de Bolsonaro por prevaricação se refere ao caso Covaxin. O Ministério da Saúde assinou um contrato de R$ 1,6 bilhão para compra de 20 milhões de doses da vacina indiana produzida pelo laboratório Bharat Biotech, por intermédio da empresa brasileira Precisa Medicamentos. O servidor do ministério Luis Ricardo Miranda e seu irmão, o deputado Luis Claudio Miranda (DEM-DF), se reuniram com o presidente da República para denunciar suspeitas que envolviam a aquisição da vacina.

Na ocasião, segundo eles, Bolsonaro disse que iria passar as suspeitas à Polícia Federal, mas isso não foi feito. Ele disse, ainda, que a questão parecia ser "rolo" do líder do governo, Ricardo Barros (PP-PR), segundo o deputado Luis Miranda. O presidente justificou publicamente que passou as informações ao ex-ministro Pazuello, mas ele foi demitido no dia seguinte, e nunca quis comentar o conteúdo da reunião, alegando que o encontro foi privado.

 Crime contra a humanidade (nas modalidades extermínio, perseguição de um grupo ou coletividade e outros atos desumanos de caráter semelhante): Previstos pelo item 1 do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, os crimes contra a humanidade podem ter pena de até 30 anos.

O texto afirma que o presidente da República cometeu o referido crime no caso da Prevent Senior por ter divulgado um estudo que utilizou cloroquina em pacientes com Covid-19 nas unidades de saúde da operadora. Conforme apurado pela comissão, o estudo foi fraudado, com omissão de óbitos para sinalizar que o remédio teria efeito positivo nos pacientes.

Nesse tipo de crime também entra o tratamento das populações indígenas. "Há muitas evidências que apontam para um ataque sistemático dirigido, em especial por parte do Presidente da República e dos ex-ministros da Saúde e da Cidadania, contra a população indígena, por meio de uma política de Estado de adoção de medidas concretas e de omissões deliberadas que resultaram no número de contaminações e de mortos entre as populações indígenas proporcionalmente superior ao que atingiu as populações urbanas", pontuou.

Conforme o texto, Bolsonaro é o "responsável máximo por atos e omissões intencionais que submeteram os indígenas a condições de vida, tais como a privação do acesso a alimentos ou medicamentos, com vista a causar a destruição dessa parte da população, que configuram atos de extermínio, além de privação intencional e grave de direitos fundamentais em violação do direito internacional, por motivos relacionados com a identidade do grupo ou da coletividade em causa, que configura atos de perseguição".

 Crime de responsabilidade (nas modalidades de violação de direito social e incompatibilidade com dignidade, honra e decoro do cargo): Segundo o art. 7º, item 9, da Lei dos Crimes de Responsabilidade, configura ação criminosa “violar patentemente qualquer direito ou garantia individual constante do art. 141 e bem assim os direitos sociais assegurados no artigo 157 da Constituição”. Já segundo o art. 9º, item 7, da mesma lei, também configura crime de responsabilidade “proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo”. A pena, nesses casos, é o impeachment, que é o impedimento para o exercício do cargo, além de poder haver a condenação em “inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis”, conforme art. 52, Parágrafo único, da Constituição.

Conforme defendido pelo relatório, o presidente Bolsonaro cometeu crime de responsabilidade ao ter inúmeras "condutas que incrementaram as consequências nefastas da Covid-19 em nossa população". O texto cita que o artigo 6º da Constituição da República prevê que a Saúde é um dos direitos sociais, sendo direito de todos e dever do estado "garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

Conforme o relatório, o presidente mostrou-se descomprometido com o efetivo combate à pandemia, quando deveria zelar pela "preservação da vida e integridade física de milhares de brasileiros".

"A minimização constante da gravidade da Covid-19, a criação de mecanismos ineficazes de controle e tratamento da doença, com ênfase em protocolo de tratamento precoce sem o aval das autoridades sanitárias, o déficit de coordenação política, a falta de campanhas educativas sobre a importância de medidas não farmacológicas, o comportamento pessoal contra essas medidas, e, por fim, a omissão e o atraso na aquisição de vacinas e a contratação de cobertura populacional baixa do consórcio da OMS foram algumas das condutas do Chefe do Poder Executivo Federal que incontestavelmente atentaram contra a saúde pública e a probidade administrativa", pontuou.

No caso da incompatibilidade com dignidade, honra e decoro do cargo, a justificativa do cometimento do crime é a mesma já citada. Como o presidente não se comportou de forma a cuidar dos direitos sociais da população em meio à pandemia, ele teria agido de forma incompatível com o decoro do cargo.

Veja a análise do advogado e cientista político Nauê de Azevedo sobre a sugestão de indiciamento de crime contra a humanidade e crime de responsabilidade:

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