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Debates eleitorais estão sendo usados para abastecer redes sociais, avaliam especialistas

De acordo com cientistas políticos, o objetivo de informar o eleitor sobre as propostas está sendo desvirtuado por candidatos

Brasília|Rute Moraes, do R7, em Brasília

Antes de levar a cadeirada, Marçal chamou Datena de "criminoso", "assediador sexual", "estuprador" e "Jack" Foto: Reprodução/YouTube/Montagem R7 - 18/09/2024

“O filhote da ditadura está aqui se queixando”, disse o então candidato presidenciável Leonel Brizola (PDT) ao oponente Paulo Maluf (PDS), durante o primeiro debate eleitoral a ser transmitido pela televisão brasileira depois da ditadura militar, em 1989. Com as reações da plateia favoráveis a Maluf, o pedetista estendeu a ofensa à população ali presente: “Olha como está de malufista aqui dentro. Tudo malufista filhotes da ditadura. Todos engordaram na ditadura”. A fala de Brizola foi interrompida pela apresentadora Marília Gabriela, que chamou o intervalo para acalmar os ânimos.

De forma atemporal, a discussão entre Brizola e Maluf demonstra como o debate eleitoral no Brasil sempre foi palco para–além dos debates de ideias–brigas e ofensas pessoais. Os debates que ocorrem nas eleições municipais de 2024, por exemplo, trazem na bagagem diversos aspectos semelhantes ao primeiro a ser televisionado.

Na corrida pela prefeitura de SP (São Paulo), por exemplo, além dos ânimos exaltados, houve uma agressão: o candidato José Luiz Datena (PSDB) atingiu, com uma cadeirada, o candidato Pablo Marçal (PRTB) no domingo (15).

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Antes de levar a cadeirada, Marçal chamou Datena de “criminoso”, “assediador sexual”, “estuprador” e “Jack” [gíria de penitenciárias do Brasil que também significa estuprador]. Ao longo dos debates promovidos, até o momento, para a Prefeitura de SP, os postulantes demonstram um apreço maior aos ataques pessoais. A exceção ficou para o evento que aconteceu na sexta-feira (20).


Com a presença de Ricardo Nunes (MDB), Guilherme Boulos (PSOL), Marçal, Datena, Tabata Amaral (PSB) e Marina Helena (Novo), o debate promovido pelo SBT se mostrou bem mais calmo e voltado para discussões sobre a administração pública. Marçal, geralmente agressivo, não usou apelidos ou termos fortes para se dirigir aos adversários.

O público não viu essa exaltação só em São Paulo. Na disputa pela Prefeitura de Teresina, capital do Piauí, o atual prefeito da cidade e candidato à reeleição, Dr. Pessoa (PRD), agrediu o adversário Francinaldo Leão (PSOL) com uma cabeçada.


Datena agride Marçal com uma cadeira durante debate Reprodução/YouTube Bandeirantes - 15/09/2024

Já na corrida pela Prefeitura de Fortaleza, capital do Ceará, o candidato George Lima (Solidariedade) disse para seu oponente André Fernandes (PL): “Chupa aqui para ver se sai leite”, alegando que o candidato do Partido Liberal havia lhe agredido verbalmente.

Para especialistas ouvidos pelo R7, a diferença entre os debates das décadas anteriores para os atuais é que, os que ocorrem agora, se tornaram um material para abastecer as redes sociais. Isso explicaria o excesso de ofensas e de agressões. Após a cadeirada em Marçal, por exemplo, o recorte do momento foi rapidamente para as redes sociais, gerando milhões de impressões e engajamento.


“As redes sociais têm um papel muito importante”, avaliou o cientista político Leonardo Leite ao R7. “O debate se tornou um material que fica abastecendo, durante dias, as redes sociais. Basta ver a questão da cadeirada, como isso virou uma coisa que contaminou nas redes sociais, apesar de viralizar. Foi algo que veio do debate, não foi gerado nas redes. Embora alguns candidatos, talvez, a minoria, se esforce para trazer propostas, com um discurso mais técnico, no geral, o debate tem perdido muito espaço para as redes sociais.”

Proposta do debate ‘desvirtuada’

Para Leite, o debate serve para os candidatos apresentarem suas propostas de políticas públicas que devem, em tese, resolver os problemas da cidade. A ocasião ainda serve para os postulantes fazerem marketing, se vendendo como um produto. Além disso, é a possibilidade do confronto direto com os oponentes, ao escrutínio da grande parte dos eleitores.

“O candidato é produzido hoje com uma série de técnicas avançadas de marketing”, contou. “Então, é um palco, uma vitrine para que os candidatos se apresentem. É um espaço democrático para que os políticos, tantos novos quantos antigos, se apresentem à população.”

O embate pessoal, porém, “empobrece muito a democracia”, pois não leva a qualquer resolução de problemas reais, avaliou o cientista político. “O debate também é um palco de luta, de disputa”, destacou. “Mas, infelizmente, acaba indo para o lado pessoal e a coisa fica meio caricata. E isso é ruim para a democracia, pois se torna muito superficial. O eleitor não sabe o que o candidato está pensando, o que ele fará se for eleito.”

Para o especialista, isso ocorre, muitas vezes, em virtude do “despreparo absoluto” dos candidatos. Ele explicou que alguns não “têm a mínima noção” de orçamento, gestão e de políticas públicas. “Os candidatos, no geral, são escolhidos por partidos, que fazem alianças, lançam, e, às vezes, a pessoa está ali com algum motivo oculto ou conveniência”, declarou. “Então, a pessoa não está preparada, não tem vocação, às vezes.”

Outro fator que contribui com tais comportamentos dos candidatos é o despreparo dos próprios eleitores. O cientista político explicou que um problema grave no país é o “baixíssimo nível educacional do eleitor. O eleitor não tem um senso crítico e aquela característica de fiscalizar,” relatou.

Rócio Barreto, cientista político, considera que as provocações e intimidações nos debates são “usadas para tentar enfraquecer os oponentes diante da opinião pública”. Ele ainda avaliou que, no debate, os candidatos contam com o mesmo tempo para fala, igualando eles no momento, tendo em vista que alguns sequer têm tempo de TV na propaganda eleitoral.

“Não é que não exista violência, discussões e provocações em outros debates”, relatou. “O que vem acontecendo, desde 1989, é que a instantaneidade das informações é explosiva. Se acontece algo em Dubai, há cinco minutos, o mundo todo estará sabendo em menos de cinco minutos. A facilidade que as pessoas têm de replicar vídeos, áudios e falsificar algumas coisas, como a questão dos memes, é muito rápida. Essa é a única diferença.”

O cientista político ponderou, contudo, que, em algumas situações, o caminho da discussão e agressão não agrade o eleitor. “O Marçal subiu no índice de voto, mas, depois dos demais debates, da cadeirada, ele começou a regredir porque as pessoas começaram a enxergar no Datena uma atitude natural de uma pessoa que tem a honra ofendida e tenta resolver”, explicou.

Duas pesquisas da Quaest, uma feita antes e outra depois da cadeirada, demonstraram que o candidato do PRTB caiu 3% depois do episódio. Em 11 de setembro, Marçal tinha 23% das intenções de voto. Já na quinta-feira (18), apareceu com 20%. Por fim, a dupla de especialistas avaliou que, em virtude das brigas e agressões nos debates, o eleitor terá que se informar por meio da propaganda eleitoral de TV, pelas redes sociais ou por meio de veículos de imprensa confiáveis.

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