Discussão sobre distribuição de impostos com reforma tributária acirra discursos separatistas
Na última semana, Romeu Zema, governador de Minas Gerais, sugeriu uma união de Sul e Sudeste por mais 'protagonismo'
Brasília|Hellen Leite, do R7, em Brasília
A discussão da reforma tributária no Congresso aqueceu o debate político e acirrou discursos separatistas de governadores e parlamentares. Os estados e o DF disputam a forma final do Conselho Federativo — que será responsável pela distribuição do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) — e também do modelo de divisão de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR).
Na última semana, o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), disse que os governadores do Sul e do Sudeste querem mais "protagonismo" na política e na economia e devem agir em bloco para evitar perdas econômicas em comparação às outras regiões. O grupo também pensa, segundo o governador, no possível lançamento de um candidato à Presidência nas eleições de 2026.
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"Ficou claro nessa reforma tributária que já começamos a mostrar nosso peso. Eles queriam colocar o Conselho Federativo com um voto por estado. Nós falamos: 'Não, senhor'. Nós queremos proporcional à população. Porque sete estados em 27 — aprovaríamos o quê? Nada. O Norte e o Nordeste é que mandariam. Aí nós falamos que não. Pode ter o conselho, mas proporcional. Se temos 56% da população, nós queremos ter peso equivalente", afirmou Zema.
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Inicialmente, todos os estados e o DF teriam o mesmo peso nas decisões do Conselho Federativo. No entanto, por pressão das bancadas do Sul e do Sudeste, o relator na Câmara, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), mudou o texto.
O critério para as decisões passou a obedecer a dois princípios: o número de estados e o peso populacional. Com isso, as medidas só serão aprovadas se o voto da maioria dos representantes corresponder a mais de 60% da população do país.
Segundo o especialista em direito tributário Luis Claudio Yukio, a defesa dos interesses dos estados feita pelos governadores é legítima. Contudo, ele considera o discurso separatista perigoso. "Teremos que ter uma solução nacional com a participação dos estados", afirma. A Constituição Federal não permite a independência de estados ou a separação do país.
Yukio constata, ainda, que a formação inconsistente do grupo de trabalho que discutiu o texto da reforma tributária na Câmara dos Deputados pode ter ajudado a acirrar o debate entre os estados. Antes mesmo de a primeira reunião do grupo acontecer na Casa, em fevereiro, parlamentares questionavam a composição do colegiado, constituído por 12 deputados — nenhum dos estados do Sul do país.
"Os deputados que participaram do grupo de trabalho que levou o texto final para a aprovação eram mais destinados ao Norte e ao Nordeste, com pouca participação do Sul e do Sudeste. Então, a partir do momento em que é criado um grupo de trabalho sem a participação igualitária das regiões, começa a ter discrepâncias e começa a dar vazão ao discurso do Sul e do Sudeste contra o Norte e o Nordeste. Isso é perigoso porque acaba tendendo a atender aos anseios de uma regionalidade em detrimento de um interesse comum", diz o especialista.
Para Mariana Ferreira, também especialista em direito tributário, mesmo com a reforma, a guerra fiscal entre os estados está longe de acabar. "Atualmente, por conta do nosso pacto federativo, todos os entes possuem autonomia e competências para instituir impostos, contribuições e taxas. Não existe uma uniformização, e essa é a grande proposta da reforma tributária", analisa.
"No entanto, é uma grande ilusão pensar que a reforma tributária vai acabar com a guerra fiscal, isso só seria possível se o nosso pacto federativo fosse revisto. O que pode acontecer é a redução de algumas distorções, isso podemos conseguir com a uniformização de impostos", opina.
Para ela, o debate ainda precisa esclarecer como vai ser o tratamento aos contribuintes de diferentes regiões. "Não tem como tratar os contribuintes dos estados do Norte do mesmo jeito que você trata os dos estados do Sul. São regiões diferentes, ciclos produtivos diferentes. Então não tem como colocar todo mundo na mesma caixa e achar que todos são iguais, porque não são", completa.
Relator no Senado é do Amazonas
O relator da proposta no Senado, Eduardo Braga (MDB-AM), já deu sinais de que deve rever o funcionamento do Conselho Federativo. "Não será 'nós contra eles', mas também não vamos aceitar que eles estejam contra nós, para nos deixar na pobreza, à míngua, morrendo de fome, tendo um país rico e um país pobre", disse.
Braga defendeu, em vez da proposta que prevê que as decisões tenham aval do grupo de estados com 60% da população, o aumento para 80% desse percentual, o que incluiria estados de outras regiões no peso decisório.
"Para ter poder de veto, tem de ter a representação de 80% da população brasileira. Aí ninguém vai poder excluir o Nordeste, excluir o Norte, excluir as pequenas cidades. Se é para incluir a população, vamos incluir a população de verdade. Senão, vamos ter o critério da paridade puro e simples", argumentou o senador.
Quanto ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional, ainda não há definições sobre as regras de repasse aos estados e ao DF. Esses detalhes devem ser aprofundados em uma lei complementar que pode ser discutida após a aprovação da proposta de emenda à Constituição (PEC) da reforma tributária. No entanto, o texto traz a previsão de aportes federais que devem ficar entre R$ 40 bilhões e R$ 75 bilhões.
Gestores municipais e estaduais terão acesso a esses recursos durante a mudança do sistema de impostos. O objetivo é desafogar as contas públicas e corrigir distorções. O fundo também poderá ser usado para financiar projetos para o crescimento social e econômico, segundo o relatório.