Entenda como acordo Mercosul e União Europeia gera tensão entre Brasil e França
Apesar do esforço em avançar com o pacto, países sul-americanos encontram resistência de nações como França e Polônia
Brasília|Giovana Cardoso, do R7, em Brasília
A negociação para um acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia se estende por 25 anos. O debate tem se intensificado nos últimos meses com tratativas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para que o entendimento seja fechado. Apesar do esforço em avançar com o pacto, países sul-americanos encontram resistência de nações como França e Polônia, que demostraram insatisfação com os termos sugeridos.
A crise com o Carrefour teve como pano de fundo exatamente o descontentamento dos franceses com a negociação. Para especialistas ouvidos pelo R7, o acordo pode beneficiar o setor do agronegócio, principalmente o brasileiro, por aumentar as cotas de exportação para União Europeia. Entretanto, agricultores europeus temem perder mercado.
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Uma pesquisa divulgada pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) em dezembro do ano passado indicou que o acordo poderia gerar ao Brasil um crescimento de 0,46% no PIB entre 2024 e 2040 – o equivalente a US$ 9,3 bilhões a preços constantes de 2023. Entre os países participantes, o Brasil poderia ter ganhos maiores que os da União Europeia e demais nações do Mercosul.
“O acordo aumentaria os investimentos no Brasil em 1,49%, na comparação com o cenário sem a parceria. Nesse sentido, a exemplo do PIB, o Brasil também teria vantagens substancialmente maiores do que a União Europeia (0,12%) e os demais países do Mercosul (0,41%)”, apontou o instituto.
O especialista em comércio exterior Welber Barral explica que o acordo envolve não só uma área de livre comércio, mas, também investimentos em diferentes setores. Uma declaração conjunta assinada por 79 entidades da União Europeia e do Mercosul aponta a importância do avanço das negociações, indicando, ainda, a contribuição para o crescimento econômico e a criação de empregos.
Em relação ao agronegócio, o analista aponta que, no geral, não haverá livre comércio de produtos agrícolas, mas sim um aumento na quantidade de produtos que poderá ser exportado. “Vai haver um aumento de cotas para exportação, cotas sem tarifas para União Europeia. Isso é bem importante, porque, claro, o Mercosul é muito competitivo na produção de grãos e de outros produtos agrícolas”, disse.
Em meio as negociações, agricultores franceses fizeram mobilizações contra o acordo, que prevê reduzir ou até mesmo zerar gradualmente as tarifas alfandegarias. Barral explica, ainda, que a França é o país mais agrícola da Europa, então é “natural que exista uma resistência dos agricultores franceses, que são pouco competitivos comparados com os produtores do Mercosul”.
Com o acordo e a redução das tarifas, os produtos agropecuários brasileiros vão entrar na Europa com mais competitivos, o que gera desconforto entre os europeus. O economista e doutor em relações internacionais Igor Lucena, aponta um problema político e estrutural na própria França.
“Os agricultores franceses enfrentam baixa produtividade, são excessivamente tributados — um problema do próprio governo francês — e dependem muito de subsídios para sustentar a produção de carne. Com a ratificação do acordo, há o temor de que percam uma grande fatia do mercado para os produtos agropecuários latino-americanos, mais competitivos e eficientes”, completou.
O que a Europa ganha
Ainda de acordo com a pesquisa do Ipea, o acordo comercial poderia aumentar as importações, com um ganho de 0,16% em 2040. As exportações também tem a tendência de crescimento, mas não maior que as importações, fechando 2040 com ganho de 0,12%. A União Europeia espera que o acordo impulsione as exportações de produtos europeus que atualmente enfrentam tarifas altas em países do Mercosul.
Na terça-feira (26), o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, disse esperar um resultado positivo com o acordo, afirmando, ainda, ser “ganha-ganha”.
“Estamos muito otimistas. Esse será um acordo ganha-ganha, importante para a União Europeia, Mercosul e para o Brasil. Ele trará um impulso estratégico para o multilateralismo e para a inserção competitiva do Brasil no mercado global”, disse Alckmin.
Desafios e oportunidades
O especialista em relações internacionais Guilherme Frizzera aponta que ao longo das negociações sobre o acordo, os blocos enfrentam desafios na tentativa de harmonizar os interesses. O Mercosul aposta no setor agrícola, enquanto a União Europeia busca continuar com uma política protecionista em áreas mais vulneráveis.
“Enquanto o Mercosul busca ampliar o acesso ao mercado europeu para produtos agrícolas e commodities – áreas onde os países sul-americanos têm vantagens competitivas –, a União Europeia tenta proteger seus setores mais sensíveis, como agricultura, ao mesmo tempo, em que busca expandir mercados para sua indústria, especialmente os setores automotivo, farmacêutico e químico”, disse.
Frizzera disse, ainda, que o acordo traz oportunidades para o agro brasileiro ter acesso preferencial ao mercado europeu, um dos mais ricos e exigentes do mundo. “A União Europeia é conhecida por suas altas tarifas sobre produtos agrícolas, como carne bovina, açúcar e etanol, além de cotas restritivas de importação. Com o acordo, essas barreiras seriam gradualmente reduzidas, permitindo que o Brasil aumente suas exportações, especialmente de produtos nos quais possui alta competitividade”, completa.
Além das oportunidades para o setor do agronegócio, o Brasil também poderia se beneficiar com o fortalecimento do comércio internacional. O especialista afirma que o acordo ajudaria na diversificação de mercados e na dependência de grandes parceiros, como a China.
Carrefour e Brasil
Lucena entende que devido à perda de legitimidade no governo de Emmanuel Macron, o governante francês tentou instrumentalizar empresas francesas para criar um movimento contrário ao acordo. A ideia era que as empresas criticassem e boicotassem os produtos agropecuários do Mercosul, com o objetivo de impedir os votos necessários no Parlamento Europeu e na Comissão para a ratificação do acordo.
Entretanto, a ideia não teve grande adesão. Apenas empresas como Carrefour e Intermarché aderiram à iniciativa. Na última semana, empresas frigorificas brasileiras fizeram um boicote ao grupo francês de varejo Carrefour após o presidente da empresa afirmar, nas redes sociais, que o mercado não usaria mais carne dos países do Mercosul nas redes da França.
Com a repercussão negativa, o grupo se retratou e pediu desculpas, elogiando a carne brasileira. Segundo o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a assinatura do acordo pode ocorrer ainda este ano. Na ocasião, o petista destacou que os franceses “não apitam em mais nada” e que a decisão cabe a Comissão Europeia.
“Eu quero que o agronegócio continue crescendo e causava raiva num deputado francês, que hoje achincalhou os produtos brasileiros. Porque nós vamos fazer o acordo do Mercosul. Nem tanto pela questão do dinheiro, mas porque estou há 22 anos nisso. E se os franceses não quiserem o acordo, eles não apitam em mais nada. Quem apita é a Comissão Europeia e a [presidente] Ursula von der Leyen tem procuração para fazer o acordo. E eu preciso assinar o acordo esse ano ainda, tirar isso da minha pauta”, disse Lula.
A fala do presidente foi uma resposta ao deputado francês Vincent Trébuchet que chegou a dizer que pratos da população francesa “não são latas de lixo” ao se referir a qualidade e questões sanitárias da carne brasileira. Na terça-feira (26), a Assembleia Nacional da França votou contra a assinatura do acordo.