Esboço das regiões administrativas do DF já constava no plano de construção de Brasília
Mesmo que não tenham saído do papel, projetos orientaram parte das áreas já chamadas de 'cidades-satélites', segundo especialistas
Brasília|Luiz Calcagno, do R7, em Brasília
Embora o principal objetivo fosse erguer uma estrutura capaz de abrigar os prédios necessários para transferir a capital do país do Rio de Janeiro para um planalto desabitado no centro do país, o desenho das regiões administrativas do Distrito Federal já constava no plano de construção de Brasília, que completa 63 anos nesta sexta-feira (21).
O traçado das quadras que compõem o Plano Piloto, área nobre da capital, se repete nas regiões que já foram chamadas de "cidades-satélites". E a lógica da cidade planejada por Lucio Costa que conta com edifícios imponentes de Oscar Niemeyer está presente nos desenhos setorizados não apenas das localidades mais antigas — das novas também, segundo especialistas.
Sem tanto verdee com menos amplitude, os endereços residenciais se encaixam em quadriláteros que orbitam áreas comerciais, setores hospitalares e escolas públicas distribuídas pela vizinhança, exatamente como a nova capital.
A paisagem ocupada, representada em croquis como o que abre esta reportagem, ajudou um grupo de pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB) a reconhecer a lógica da estrutura de Brasília nas regiões administrativas.
Os desenhos foram retirados da documentação da Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil (Novacap) — disponíveis no Arquivo Público do Distrito Federal e do Arquivo Nacional do Brasil, no Rio de Janeiro — e de documentos da Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação do Distrito Federal (Seduh).
Coordenadora do estudo, a professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da UnB, Maria Fernanda Derntl, mostra duas faces diferentes dessa programação (veja a entrevista no vídeo acima).
De um lado, os croquis e documentos comparados com as imagens de regiões como Ceilândia e Taguatinga, por exemplo, mostram que a ocupação do DF foi pensada. De outro, revelam que apesar do modelo do Plano Piloto nas "ex-cidades-satélites", o planejamento foi feito com menos qualidade. "É o mesmo ideário urbanístico aplicado com grande desigualdade", explica a pesquisadora.
Além disso, não houve tempo hábil para que o planejamento das regiões administrativas fosse executado de acordo com os planos, porque a pressão populacional ainda nos anos de construção da nova capital exigiram que o governo federal apressasse a construção dessas localidades.
Parte do estudo foi publicado em um artigo intitulado "Brasília e suas unidades rurais: planos e projetos para o território do Distrito Federal entre fins da década de 1950 e o início da década de 1960".
Fora do plano
Ficaram de fora do plano original, por exemplo, as Unidades Socioeconômicas Rurais (User). O plano era a construção de cinco comunidades agrárias ao redor de Brasília que abasteceram toda a região com alimentos. Uma dessas unidades ficaria próximo de Taguatinga e já tinha um traçado mais desenvolvido que a própria cidade. No entanto, o desenho foi debruçado sobre a área onde ficariam as pequenas fazendas (veja a galeria abaixo).
"Taguatinga começou a ser construída muito antes do que se pensava, e tinha um traçado muito mais improvisado [que o da User local]. As unidades rurais já eram bem mais detalhadas. Mas não se adaptaram à realidade da construção e ocupação do território", explica Maria Fernanda Derntl. Mesmo nesses casos, a lógica da construção da cidade acompanhou a setorização prevista para Brasília, ressalta a pesquisadora.
O problema do abastecimento
Matérias de jornais e revistas como a Cruzeiro, do fim da década de 1950, citavam as unidades rurais como a garantia que a nova capital nunca enfrentaria problemas de abastecimento. "O desenho das unidades rurais, nós encontramos no Arquivo Nacional. Havia um convênio do Conselho Coordenador de Abastecimento, que prestava assessoria para a Novacap para desenhar o plano de abastecimento de Brasília", conta a especialista. Mesmo nesses casos, o traçado lembra o de Brasília.
Cada unidade contaria com armazéns, usinas de laticínios e demarcação de terras para cultivo, além de escolas, bibliotecas, hospitais, hotéis, administrações regionais e até residências públicas destinada aos técnicos responsáveis por cada região. Para a pesquisadora, embora não tenham saído do papel, os planos orientaram parte da ocupação do território do DF.
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Havia ainda uma rede hospitalar pensada com base no Hospital de Base, apoiado pelos hospitais distritais e os rurais, que não saíram do papel, e os hospitais das satélites, que seriam as unidades de saúde de menor complexidade, papel que acabou executado pelos centros de saúde.