Especialistas veem atuação reativa e não estruturante na operação que prendeu 81 no RJ
Desdobramentos da ação envolvem disputas políticas entre o governo Lula e a gestão estadual, de Cláudio Castro
Brasília|Luiza Marinho* e Ana Isabel Mansur, do R7, em Brasília
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Especialistas ouvidos pelo R7 avaliam que a megaoperação no Rio de Janeiro que deixou ao menos 64 mortos é resultado de uma política de segurança baseada em atos e operações militares desarticuladas, que não atacam as causas estruturais do crime organizado.
A ação policial dessa terça-feira (28) nos Complexos do Alemão e da Penha, na zona norte do Rio, foi a maior operação da história do estado. Entre os mortos, estão pessoas inocentes e agentes de segurança pública.
Além das consequências da ação, os desdobramentos da operação envolvem disputas políticas entre o governo de Luiz Inácio Lula da Silva e a gestão estadual, de Cláudio Castro (PL) (leia mais abaixo).
‘Estratégia falida’
Para o advogado criminalista e especialista em segurança pública Jaime Fusco, a operação escancara a repetição de uma estratégia falida, que prioriza o confronto direto e ignora as raízes do problema.
“Estamos há anos acreditando numa política de ‘enxugar gelo’, com megaoperações que nada mudam na lógica de dominação territorial pelo crime organizado”, ressalta.
“Com a crescente violência, o que se vê é uma política de enxuga sangue, que não traz qualquer resultado positivo à população fluminense”, acrescenta o especialista.
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Fusco defende que o equilíbrio entre repressão e proteção nas favelas só será possível com uma reforma estrutural da política de segurança pública, ancorada em soberania nacional e inteligência estratégica.
Para ele, o combate ao crime não pode ser tratado como uma guerra interna, mas como reflexo de um fenômeno global.
“O Brasil não fabrica as armas que matam nosso povo. Em 2022, segundo o Atlas da Violência, foram mais de 37 mil mortes violentas. A prioridade deve ser bloquear o fluxo dessas armas, e não ampliar o uso da força dentro das comunidades”, observa.
Legalidade e proporcionalidade
O advogado criminalista Berlinque Cantelmo reforça que a dimensão e a letalidade da operação levantam dúvidas sobre sua legalidade e proporcionalidade.
Para ele, o Estado tem o dever constitucional de empregar a força de modo estritamente necessário, observando o devido processo legal e as garantias fundamentais.
“O principal desafio é compatibilizar a eficácia da repressão ao crime com o respeito aos direitos humanos. Quando o número de mortos supera em larga escala o de prisões ou apreensões significativas, a operação corre o risco de se converter em um ato de guerra interna, o que é incompatível com o Estado Democrático de Direito”, explica.
Cantelmo salienta que a ausência de mapeamento detalhado de alvos e riscos, somada ao uso de mandados genéricos ou coletivos, pode transformar uma ação legítima em uma intervenção desproporcional.
“O controle externo da atividade policial é indispensável. Ministério Público e Defensoria precisam atuar de forma autônoma, fiscalizando excessos e assegurando transparência”, esclarece.
“A letalidade não pode ser tratada como indicador de eficiência, sob pena de inverter a finalidade constitucional da polícia, que é proteger vidas — não eliminá-las”, conclui Cantelmo.
Briga política
Após o início da ação, o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, criticou o presidente Lula, cobrou o governo federal e afirmou que o RJ “está sozinho” e sem ajuda do Executivo. Apesar disso, informou “não ter pedido forças federais desta vez”.
“Tivemos pedidos negados três vezes: para emprestar o blindado, tinha que ter GLO [Garantia da Lei e da Ordem]. E o presidente [Lula] é contra a GLO. Cada dia, uma razão para não estar colaborando”, criticou.
As missões de GLO são realizadas exclusivamente por ordem do presidente da República quando as forças tradicionais de segurança pública não são mais capazes de manter a ordem.
A GLO concede provisoriamente aos militares autorização para atuar com poder de polícia até o restabelecimento da normalidade.
Horas depois, em coletiva de imprensa, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, rebateu o governador. “Não recebi nenhum pedido do governador do Rio de Janeiro, enquanto ministro da Justiça e Segurança Pública, para esta operação. Nem ontem, nem hoje, absolutamente nada”, respondeu.
Lewandowski também afirmou que a GLO é uma “operação complexa” e está prevista na Constituição de 1988 e em outros aparatos legais.
“Estabelece regras bastante rígidas para que aconteça. Um dos requisitos, uma das pré-condições, é que os governadores reconheçam a falência dos órgãos de segurança pública e transfiram as operações para o governo federal, mais especificamente para as Forças Armadas. É um procedimento complexo e demanda uma série de condições e requisitos para que possa realmente ser operada”, explicou o ministro.
Entenda a megaoperação
A Operação Contenção, que mobiliza 2.500 policiais civis e militares, busca capturar lideranças criminosas do Rio de Janeiro e de outros estados, além de impedir a expansão territorial da maior facção do estado. Os dois complexos abrigam 26 comunidades.
O agente Marcos Vinícius, da 53ª DP (Mesquita), conhecido como Máskara, e o agente Rodrigo, da 39ª DP (Pavuna), foram atingidos por disparos de arma de fogo e não resistiram aos ferimentos. Além deles, nove agentes de segurança e três inocentes foram baleados.
A ação, que também conta com promotores do Ministério Público Estadual, foi iniciada a partir de mais de um ano de investigação e mandados de busca e apreensão e de prisão obtidos pela DRE (Delegacia de Repressão a Entorpecentes).
Participam da Operação Contenção policiais militares do Comando de Operações Especiais e das unidades operacionais da PM da capital e região metropolitana.
A Polícia Civil mobilizou agentes de todas as delegacias especializadas, distritais, da Core (Coordenação de Operações e Recursos Especiais), do Departamento de Combate à Lavagem de Dinheiro e da Subsecretaria de Inteligência.
O Grupamento de Recapturas da Seap (Secretaria de Administração Penitenciária) também atua na operação, identificando os foragidos do sistema prisional beneficiados com a “saidinha” que não voltaram para a prisão.
*Sob supervisão de Leonardo Meireles
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