Governo federal lançará plano anticrime após crise na Bahia
O Programa Nacional de Enfrentamento a Organizações Criminosas (Enfoc) terá cinco eixos principais
Brasília|Do R7
O governo federal vai lançar, na segunda-feira (2), um plano que prevê quase R$ 900 milhões para o combate a organizações criminosas. Nas últimas semanas, a crise na segurança pública da Bahia, onde operações policiais deixaram mais de 60 mortos só em setembro, e os vídeos que mostram o domínio das facções no Rio de Janeiro elevaram a pressão sobre o Ministério da Justiça e Segurança Pública, que tem Flávio Dino (PSB) à frente.
O Programa Nacional de Enfrentamento a Organizações Criminosas (Enfoc) terá cinco eixos principais: integração institucional e informacional; eficiência dos órgãos policiais; portos, aeroportos, fronteiras e divisas; eficiência da justiça criminal; e cooperação entre União, Estados e municípios e com órgãos estrangeiros.
A portaria de criação do programa dará 60 dias para detalhar metas, investimentos e estratégias. O plano é elaborado pela pasta desde março, mas foi acelerado para responder à escalada da crise das últimas semanas.
Nesta semana, integrantes do ministério foram à Bahia e o governador Jerônimo Rodrigues (PT) encontrou-se com Dino. O estado do Nordeste vê, nos últimos anos, o avanço da disputa das facções associado à alta da letalidade policial — a PM baiana mata mais do que a fluminense. O antecessor de Rodrigues por quase oito anos foi Rui Costa (PT), hoje ministro da Casa Civil do governo Lula.
A segurança é a área temática do governo federal, com a pior avaliação entre os eleitores, segundo pesquisa do Instituto Atlas feita de 20 a 25 de setembro. Embora o setor seja de competência prioritariamente dos estados, especialistas defendem articulação e investimentos por parte da União para dar conta da crise.
Neste mês, outro problema enfrentado por Dino foi a morte de Heloísa, de 3 anos. Ela foi baleada por um agente da Polícia Rodoviária Federal, na Baixada Fluminense. Apesar das críticas, Dino pode deixar a pasta rumo ao Supremo Tribunal Federal (STF). Ele é apontado como um dos favoritos para ocupar a vaga da ministra Rosa Weber, que se aposenta por completar 75 anos.
O que prevê o plano?
O eixo “Integração institucional e informacional”, inclui criar um Centro Nacional de Enfrentamento das Organizações Criminosas, que funcionará em Brasília para integrar as redes de informações produzidas pelas autoridades locais e federais. A ideia é melhorar o compartilhamento de informação entre as esferas de atuação, para aumentar a efetividade das operações policiais.
A medida se articula com o eixo “cooperação entre os entes” que prevê melhorar o diálogo entre municípios, estados, União, e também a cooperação internacional. No âmbito local, por exemplo, a cooperação visa acelerar a obtenção de materiais (como imagens de câmeras de segurança) que auxiliem investigações ou fiscalizações.
“Um dos problemas é exatamente a fragmentação informacional. Cada Estado tem sua informação e não compartilha. Às vezes, dentro do próprio Estado, a Polícia Militar tem uma informação e a Civil, outra. Não conversam”, disse ao Estadão Tadeu Alencar, secretário nacional de Segurança Pública, que lidera o programa.
No eixo da eficiência dos órgãos policiais, o Enfoc quer aumentar a capacidade das polícias e das corregedorias, com o objetivo de monitorar a ação policial e coibir a captura de agentes de segurança pelo crime organizado.
Monitorar portos será outro foco. A avaliação da pasta é de que os terminais marítimos ainda têm fiscalização deficiente no que diz respeito ao tráfico de drogas. O porto de Santos, por exemplo, funciona como um dos principais canais de escoamento de drogas pelo Primeiro Comando da Capital (PCC) para o exterior.
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Há negociação com o Ministério de Portos e Aeroportos para definir medidas de mais controle. O governo pretende, por exemplo, usar equipamentos de alta tecnologia para detectar drogas entre as cargas.
“Há um grau de controle de patrulhamento nos aeroportos, mas nos portos não. O que apreendemos de drogas nos aeroportos são quilos. Nos portos são toneladas. É um terreno absolutamente permeável à ação criminosa devido a sua vastidão, pela falta de controle, de investimento em tecnologia e em equipamentos que no mundo todo são implantados nos portos para ver o que está entrando e saindo do país”, disse Alencar.
O governo quer ainda propor a cooperação entre o Judiciário e o Ministério Público para aumentar a punição aos criminosos que fazem parte de facções e as investigações desses grupos. O governo também inclui proposta de alteração da legislação penal por meio do Congresso para evitar que haja “brechas” que favoreçam a impunidade desses grupos.
Além da punição dos criminosos, o governo quer fortalecer as unidades de recuperação de ativos das polícias civis que atuam na apreensão de bens do crime organizado, como aviões e veículos.
A medida é uma das estratégias para desidratar o poderio econômico da criminalidade e identificar os canais para lavagem de dinheiro usados para camuflar a origem ilícita do dinheiro. A desidratação financeira do crime organizado também era uma das principais bandeiras de Sergio Moro quando esteve à frente da pasta da Justiça e Segurança — hoje ele é senador pelo Podemos do Paraná.
Atualmente, o governo federal coordena a Operação Paz, que ocorre em 12 estados com o objetivo de reduzir a violência. Além de Rio e Bahia, a operação ocorre em Amazonas, Roraima, Pará, Amapá, Maranhão, Tocantins, Goiás, Ceará, Rio Grande do Norte e Pernambuco. A iniciativa tem como objetivo ampliar o efetivo policial em cidades com altos índices de criminalidade na tentativa de coibir a violência e impulsionar as investigações.
A pasta utiliza R$ 150 milhões para pagamento de diárias aos agentes para atuarem nesses municípios. A estimativa é de que cerca de 3,4 mil policiais estejam envolvidos nas operações, que durarão até 31 de dezembro.
“Na medida em que se apertou o cerco em estados como Rio e São Paulo há alguns anos, as organizações criminosas se expandiram para o Norte e o Nordeste, para todo o país. Não tem nenhum território hoje que possa dizer que está imune à ação de grupos organizados”, afirmou Alencar. “O problema da Bahia, do Rio, de Pernambuco, de qualquer Estado, não é individual desses Estados, é um problema nacional, aliás global.”