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Governo não tem política específica para pacientes com 'Covid longa'

Ministério da Saúde ainda não tem programa para acompanhar pacientes que se curaram da Covid-19, mas continuam com sintomas

Brasília|Sarah Teófilo, do R7, em Brasília

Prédio do Ministério da Saúde, em Brasília
Prédio do Ministério da Saúde, em Brasília Prédio do Ministério da Saúde, em Brasília

Passados 21 meses desde que o governo brasileiro brasileiro reconheceu o estado de calamidade pública em decorrência da pandemia de Covid-19, pouco se discutiu e decidiu sobre políticas para cuidar de pessoas que, mesmo curadas, carregam sintomas e sequelas. Ainda não se sabe quantos brasileiros sofrem do quadro, chamado por pesquisadores de "sintomas persistentes da Covid-19" ou "Covid longa" e pelo Ministério da Saúde de "condições pós-Covid".

A secretária extraordinária de Enfrentamento à Covid-19 do Ministério da Saúde, Rosana Leite de Melo, afirma que a intenção do governo federal é utilizar programas já existentes, estimulando os Centros Especializados em Reabilitação (CERs). "Não tem que diferenciar. Esse paciente está com complicação, mas não transmite a doença. Ele pode ser atendido com os outros", detalha. A ideia, segundo ela, é usar os CERs já existentes e estimular a criação de novos.

Até o momento, entretanto, o governo não sabe quantos centros existem no Brasil para avaliar se é preciso ampliar a estrutura. O mapeamento foi iniciado, mas ainda não foi concluído. De acordo com Rosana Leite, onde não há centros, haverá estímulo para que unidades sejam abertas e atendam não só pacientes com condições pós-Covid. "Temos que lembrar que ainda hoje, tirando a Covid, as doenças que mais causam problema são o AVC (Acidente Vascular Cerebral) e os acidentes de trânsito, que também precisam de reabilitação", explica a secretária.

Nesse momento, segundo ela, a pasta não entende que há necessidade de uma política específica para acompanhar pacientes com condições pós-Covid, pontuando que o tratamento para essas pessoas é o mesmo de outras complicações já acompanhadas no SUS (Sistema Único de Saúde). Ela ressalta que além dos CERs, o SUS possui um programa de atenção domiciliar que atende casos de sistemas pós-Covid.

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"Quando começou o debate, achávamos que deveria ter uma (política) específica. Mas foi se mostrando que não. O que é melhor, começar algo do zero ou incentivar o que você já tem, usando esses casos de sucessos para multiplicar? É muito melhor a gente fazer isso, porque as complicações pós-Covid são as mesmas de outas doenças, não é nada novo", justifica.

Demanda

Sobre investimento em política de tratamento para sequelas da Covid, a secretária diz que, por hora, não será preciso, apesar de o Brasil já ter registrado 21,3 milhões de diagnóstico de coronavírus, segundo dados do Ministério da Saúde. Rosana Leite ressalta que, até então, estados e municípios não informaram sobre aumento de demanda que justifique o investimento. A secretária garante que, na verdade, houve redução do atendimento nesses centros durante a pandemia, por diversos motivos, como as orientações para que as pessoas ficassem em casa.

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O governo não tem, até hoje, o controle de quantos casos de condições pós-Covid existem no país. Uma nota técnica orientando sobre a codificação desses casos no SUS foi publicada apenas no fim do mês passado, como publicado pelo R7 no último dia 4 de dezembro. A secretária afirma que já solicitou aos estados e municípios informações sobre demanda nos centros de reabilitação, em especial agora, com o avanço da vacinação e o retorno das pessoas às ruas. "Mas ainda não chegou essa demanda ao Ministério da Saúde. Muito pelo contrário: a gente ainda não identificou aumento", afirma Rosana Leite.

A informação do Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde), entretanto, é diferente. O grupo aponta que as secretarias da Saúde dos estados "têm destacado grande preocupação com a ausência de previsão de procedimentos no SUS voltados para as condições do que aqui tem se chamado mais comumente de 'pós-covid'."

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"Tais preocupações têm sido manifestadas ao ente federal durante as assembleias ordinárias do Conass, que destacam a importância de discussão sobre as demandas do pós-Covid, o que deve ocorrer a partir do levantamento de evidências dessa condição, o que permitiria melhor entendimento da necessidade que será posta", detalha o conselho, em nota enviada ao R7. Segundo o grupo, algumas ações concentradas foram formalmente solicitadas ao Ministério da Saúde, em conjunto com o Conasems (Conselho Nacional das Secretarias Municipais de Saúde), como o aumento do financiamento do SUS.

"O Conass entende que a 'Long Covid' (Covid longa) é uma condição que afeta todo o sistema de saúde em seus diferentes níveis de atenção, e que é premente a adoção de ações concretas coordenadas por parte do ente federal, com discussão tripartite, para o aprimoramento de políticas voltadas para este fim", detalha o órgão.

A secretária Rosana Melo garante que o Ministério da Saúde está discutindo com estados e municípios a atuação dos centros de reabilitação. De acordo com ela, os outros entes são os responsáveis por ajudar o governo federal com o mapeamento das necessidades, e ressalta que eles não estão apresentando informações que comprovem o aumento de demanda nesses casos.

"Não adianta a gente desenhar uma política que não vai ser operacionalizada. Então, a gente sempre discute com eles. No começo, falava que tinha muita prevalência do pós-Covid. Mas não é isso que a gente está observando, não é essa conta que eles estão nos mostrando, de que houve um aumento exorbitante", justifica.

A importância de uma política

Em um cenário pandêmico, com tantas pessoas acometidas pelo Covid-19, especialistas apontam para a necessidade de uma política específica para atendimento dos pacientes acometidos de sintomas pós-Covid, apesar do entendimento da Secretaria Extraordinária de Enfrentamento à Covid-19 do Ministério da Saúde.

Médica pesquisadora imunológica no laboratório de imunologia do Instituto de Coração, da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo) e membro do Observatório Covid-19 BR, Verônica Coelho ressalta que a Covid longa exige da medicina e da Saúde uma assistência global e integral, para que se entenda o que está acontecendo com o paciente, que manifesta uma série de sintomas. "É preciso que a pessoa faça o atendimento global. Vários grupos no mundo têm se organizado e exigido isso", explica.

Para ela, no Brasil, ainda há uma falta de olhar integrado para essas pessoas, além de pesquisas sobre o mecanismo imunológico. "A gente levanta que talvez várias dessas manifestações possam estar associadas a alterações imunológicas, então, isso tem que ser investigado até para a gente tratar melhor essas pessoas", diz.

Verônica ressalta que é importante ter dados para iniciar estratégias. "É grave, e governos e políticas públicas ainda não estão com esse olhar. Olham a redução de morte, aumento da vacinação, mas a pandemia não acabou. E a consequência da Covid longa será algo muito importante. Já é."

Médica de Saúde da Família e Coordenadora de Saúde da Associação Vida e Justiça de Apoio e em Defesa dos Direitos das Vítimas da Covid-19, Rosangela Dornelles afirma que as ações voltadas às pessoas que carregam sintomas persistentes da Covid-19 são urgentes. De acordo com ela, é preciso pensar em uma política nacional de financiamento, ampliando os recursos na estrutura do SUS, com mais profissionais que consigam dar conta da demanda. No caso da fisioterapia, por exemplo, ela afirma que é preciso ampliar a capacitação e a quantidade de equipamentos.

"Tem uma negligência em relação a tudo isso, aos sintomas persistentes. Da mesma forma como houve negligência na pandemia, sem testes, sem restrição, com aglomeração, agora em relação às sequelas é a mesma situação. É cada um por si, sem uma discussão nacional", reclama a médica.

Na avaliação do presidente do CNS (Conselho Nacional de Saúde), Fernando Pigatto, "o governo continua tratando as questões de Saúde pública com descaso". "Primeiro foi o processo de negar a ciência, a pandemia, de negar a vacina, de investir na imunidade de rebanho. Da mesma forma agora. O governo não está prevendo recursos suficiente para tratar os sintomas pós-Covid, e isso em um país com 22 milhões de pessoas que tiveram a doença."

Coordenador do projeto pós-Covid da faculdade de medicina da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), o médico Arnaldo Santos Leite afirma que o momento é de sobrecarga do SUS, com casos represados durante a pandemia (como cirurgias eletivas, que foram suspensas) e a necessidade de cuidar de pacientes que desenvolvem o quadro da Covid longa.

O professor pontua que se observa até o momento são iniciativas de prefeituras, de forma individualizada, sem uma política pública nacional. De acordo com ele, a demanda vai ser enorme na atenção primária, que é a porta de entrada, mas também é necessário ampliar a atenção secundária. "Esses pacientes vão demandar consulta com pneumologista, neurologista, precisamos reforçar o sistema de referência", diz, ressaltando a necessidade de uma organização no âmbito do SUS.

A secretária extraordinária do Ministério da Saúde Rosana de Melo explica que, como os sintomas da Covid longa envolvem diferentes áreas do corpo humano, é demandada uma reabilitação também em diversas áreas, como pulmonar, neurológica e ortopédica. Ela frisa que a intenção do governo não é abrir centros específicos para esse tipo de atendimento, e que outras doenças também têm as mesmas complicações.

Diretora da Rede Sarah de Hospitais de Reabilitação, que possui um programa de reabilitação para pacientes com condições pós-Covid desde junho do ano passado, Lúcia Willadino Braga explica que, atualmente, 30% das admissões de toda a rede já são de pacientes com esses sintomas persistentes. A incidência, segundo ela, é muito alta em pessoas que ficam com sequelas neurológica. Lúcia defende o investimento em centros de reabilitação. "É necessário tratamento, porque a recuperação espontânea é lenta", explica.

Mapeamento

De acordo com a secretária Rosana de Melo, o ministério está fazendo o mapeamento qualitativo, de prevalência, e estimulando estados e municípios que já têm Centros Especializados em Reabilitação a ampliarem os serviços, se for o caso. "Estamos acompanhando, mas a política vai ser nesse sentido, de estimular os locais que não têm esses centros, para que passem a ter, e incentivar os outros a ampliarem", afirma.

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