Guerra no mercado literário: projeto que limita descontos em livros divide opiniões
Projeto estipula máximo de 10% de descontos durante o primeiro ano de lançamento das obras; editoras e leitores comentam cenário
Brasília|Edis Henrique Peres, do R7, em Brasília
O projeto de lei que pretende limitar os descontos no preço de livros encontrou uma polêmica no mercado literário. A medida estipula o máximo de 10% de desconto durante todo o primeiro ano de lançamento de uma obra, com o intuito de coibir “o abuso de poder econômico” e descontos agressivos aplicados por grandes empresas.
Chamado de Lei do Preço de Capa, ou Lei Cortez, o PL 49/2015 foi aprovado no Senado no Dia Nacional do Livro, em 29 de outubro, e agora segue para análise na Câmara dos Deputados.
Veja Mais
A iniciativa é defendida por diversas entidades, como a CBL (Câmara Brasileira de Livro), ABDL (Associação Brasileira de Difusão do Livro), e a Abrelivros (Associação Brasileira de Livros e Conteúdos Educacionais), por exemplo.
No entanto, na avaliação dos leitores, a medida vem contra um aspecto fundamental: o incentivo e aumento da leitura no país.
O youtuber do canal Soco Foguete, Rafael Soler, pondera: “Todas as leis que visam combater monopólios são muito bem-vindas, a meu ver. Porém, o texto atual do PL 49/2015, ao tentar criar um mecanismo para termos uma competição mais leal no mercado, prejudica, pelo menos a curto prazo, diretamente o leitor”.
Para ele, é necessário pensar em outras estratégias. “Em um país no qual o interesse pela leitura já é baixíssimo, qualquer movimento que possa impactar diretamente esse público parece pouco prudente se não for feito com cautela”, avalia.
E-books
O projeto de lei também pode ter impacto no valor do preço da obra digital, os e-books. Os preços dos livros, impressos e digitais, serão fiscalizados e, caso descumpridos, os livreiros podem receber multas, com o valor revertido em iniciativas de incentivo à leitura.
Questionada sobre o PL, a CBL disse ao R7 que defende a aprovação como uma medida fundamental para promover a livre concorrência e um mercado editorial saudável.
Em nota, a entidade explica que a proposta é para cada editora definir o preço do livro que serve como referência para os descontos aplicados pelo comércio, plataformas e demais pontos de venda.
“Um mercado editorial equilibrado é aquele em que todos os atores competem em condições justas, permitindo que editoras de todos os portes, pequenas e médias livrarias, e plataformas on-line – essenciais para a diversidade e o acesso aos livros – coexistam e ofereçam uma ampla variedade de títulos e preços aos leitores”, diz.
A câmara reforça que diversos países adotam mecanismos para evitar uma concorrência desleal no mercado editorial. “Como França, Coréia do Sul, Alemanha e Argentina, entre outros”, comunica.
Sobre o impacto aos leitores, a CBL diz que apenas 6% do catálogo disponível nas livrarias são lançamentos, “todos os demais livros terão descontos a serem definidos livremente pelos varejistas”.
Manutenção do preço
Para Raquel Menezes, membro da diretoria do SNEL, a livre concorrência é o aspecto mais importante da medida.
“E para ter livre concorrência é indispensável ter equidade de condições e essa lei regulamenta os descontos de modo que seja possível isso. Uma livraria pequena, de rua, seja da cidade de RJ, SP ou MG, vai ter a mesma possibilidade de desconto que uma grande rede”, disse.
Segundo ela, a lei coloca todos na mesma condição para “entrar no jogo”.
“A manutenção do preço do livro beneficia a população, porque garante a bibliodiversidade. A gente também acredita que o número de livros comprados vai ser maior. O que a gente quer é reforçar o direito à leitura, e para a gente garantir isso, é preciso fazer a manutenção de um mercado saudável para os leitores, livreiros, autores e ilustradores”, pontua.
Para o comandante da editora Skull, Fernando Luiz, no entanto, os benefícios não alcançarão nem as pequenas editoras, nem os leitores. Para ele, a solução é reduzir os custos da produção do livro.
Quer fazer o preço baixar e as vendas melhorarem? Busque custos melhores. O mercado gráfico e livreiro precisa de um apoio governamental para que os custos da produção baixem. Fixar preço não é a resposta
Luiz explica que o mercado tem um alto custo de produção.
“Livro é caro para fazer o arquivo, para imprimir. E não existe uma discussão para baratear o preço do papel, por exemplo, ou para uma produção nacional de insumos. Só pensam no preço final, e sim, está caro. Estão olhando o fim da corda, e devem olhar o início. Mas ficou caro pelo alto custo da produção”, diz.
Para ele, fixar o preço durante um ano pode aumentar a pirataria dos livros, principalmente os digitais. “Haja visto que não há controle de segurança. E 365 dias depois (o livro) não vai ter vendas expressivas já com desconto”, observa.
Atualmente, a Editora Skull vende livros consignados para livrarias e plataformas digitais com margens de até 50% de desconto.
“As lojas revendem aos leitores e tem 50% para usar. Seu lucro pode ser repassado ao leitor com promoções periódicas de 10/15 ou 20%”, observa.
Fernando diz que plataformas on-line conseguem usar bem os descontos e apresentam alta rotatividade. “A livraria, óbvio, tem custos fixos, mas promoções regulares fazem a roda girar. Impeça isso e muitas livrarias vão fechar”, defende.
Luta histórica
Já na avaliação do editor da Patuá, Eduardo Lacerda, a lei é positiva e representa uma “luta histórica das pessoas que trabalham com livros”, como editores e donos de pequenas livrarias que não podem oferecer descontos muito altos.
“São pessoas que estudam o tema há muitos anos e conhecem como leis parecidas funcionam em outros países do mundo. São pessoas que dependem do livro, de sua produção, divulgação, circulação e venda e, por isso, estão interessadas em aumentar o número de leitores em nosso país, nunca em reduzir”, defende.
Para ele, a Lei do Preço Fixo pode “criar um ambiente mais saudável, de concorrência justa”. Lacerda cita que algumas empresas conseguem oferecer descontos agressivos e desleais, prática que já é “impedida pelas leis antidumping que existem em todo o mundo”.
Precisamos lembrar que o descaso com o livro é histórico e que não existem caminhos fáceis para resolver o problema. Estímulo à leitura, criação de bibliotecas e livrarias e valorização são urgentes. Já o preço do livro é sempre colocado como um fator para que as pessoas não leiam ou não comprem livros, mas esse não é o principal problema
Eduardo analisa, porém, que para uma pessoa sem renda “um livro é caro”, mas ao mesmo tempo, “enquanto o mercado editorial faturou R$ 4 bilhões no último ano, entre janeiro e agosto de 2024 os brasileiros gastaram R$ 20 bilhões por mês em apostas online”.
Para ele, o projeto de lei pode ajudar que mais pessoas sejam estimuladas a criar livrarias, pois a concorrência será mais justa.
“Se as plataformas online ou uma rede de livrarias limitarem seus descontos (eles ainda poderão oferecer outras vantagens, como frete gratuito e uma entrega mais rápida, brindes etc) um pequeno empresário de cidades ou bairros mais afastados terá um ambiente mais justo para criar uma livraria em sua cidade”, defende.
Lacerda, apesar disso, acrescenta que esse é um trabalho a ser feito a longo prazo. Ele cita pesquisas como Retratos da Leitura para lembrar que os brasileiros leem, em média, menos de dois livros por ano (excluindo os livros didáticos).
Além disso, 84% da população adulta do país não comprou nenhum livro no último ano.
“A maior parte das cidades brasileiras não têm livrarias (mesmo São Paulo tem livrarias apenas nos bairros ricos ou em shoppings, são raras as livrarias nas regiões mais periféricas). E o nosso número de bibliotecas também é baixíssimo”, finaliza.