Lula quer ouvir ministros sobre mulher mantida em trabalho análogo à escravidão em SC
Sônia de Jesus foi resgatada durante operação no ano passado, mas voltou para residência de desembargador do TJ-SC
Brasília|Plínio Aguiar, do R7, em Brasília
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou nesta quarta-feira (17) que vai acionar os ministros do governo para “saber o que, de fato, está acontecendo” com o caso de Sônia Maria de Jesus, de 50 anos. A mulher foi resgatada da casa de um desembargador do Tribunal de Justiça de Santa Catarina em uma operação contra o trabalho análogo à escravidão, mas depois retornou à residência dos investigados por decisões do STF (Supremo Tribunal Federal) e do STJ (Superior Tribunal de Justiça).
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“Eu estava vendo no início da abertura aqui o depoimento que a nossa companheira contou de uma menina que trabalhava de empregada doméstica durante 41 anos, e em uma denúncia anônima essa pessoa foi parar na Justiça. Era o chamado trabalho escravo análogo. O que eu acho muito grave. Não sou advogado, é apenas um palpite. Como é que pode haver uma decisão para que essa pessoa que estava há 41 anos em uma casa voltasse para a mesma casa? Em nome do quê? Em nome do quê? Em defesa do quê?”, disse Lula.
“Eu não quero criminalizar e julgar. Mas a casa que ela trabalhava era de um desembargador. Então, não tem sentido. Eu só quero dizer para você que eu me interessei pelo caso e que vou consultar alguns ministros para saber o que de fato está acontecendo. Se a sociedade para de deixar de acreditar nas instituições, nós sabemos o que pode acontecer nesse país”, completou.
Entenda o caso
Sônia Maria de Jesus foi resgatada da casa do desembargador Jorge Luiz de Borba, em Florianópolis (SC), em 2023. O funcionário público e a mulher, Ana Cristina Gayotto de Borba, são investigados por submeter a mulher em condição análoga à escravidão por 40 anos.
Dois meses depois do resgate, o ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça) Mauro Campbell Marques determinou que os investigados pudessem reencontrar Sônia e, ainda, permitiu que a mulher voltasse para a residência, o que aconteceu.
A Defensoria Pública da União recorreu ao Supremo Tribunal Federal para impedir que os investigados reencontrassem Sônia até o final da investigação. O ministro André Mendonça, porém, negou o pedido.
Sônia é uma mulher surda e tampouco teve acesso à saúde.
Sensibilidade aguçada
As declarações foram dadas por Lula durante o encerramento da 5ª Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, realizada em Brasília.
Em determinado momento da cerimônia, Lula confessou que a primeira-dama, Janja da Silva, o alertou para tomar “cuidado” com “cada palavra” de seu discurso, uma vez que “essa gente tem a sensibilidade aguçada”.
“Então eu decidi ler [o discurso] para não falar nenhuma palavra que possa me causar problema. E também se eu falar alguma palavra, vocês sabem que nesse assunto vocês são os especialistas. Vocês sabem que eu sou analfabeto e preciso aprender muito com vocês para a gente aprender a cuidar de vocês com carinho e respeito que é necessário”, disse Lula.
No evento, foi distribuído, inclusive, um folheto com o título “Combate ao Capacitismo”, com orientações para o respeito à diversidade humana.
O documento cita palavras e frases que não devem ser usadas, como se fazer de surdo, parece que é cego, entre outras, uma vez que são preconceituosas.
Pessoa com Deficiência
No evento desta quarta, o governo federal anunciou a criação do Sistema Nacional de Cadastro da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista.
O sistema pretende facilitar a emissão padronizada da carteira de identificação da pessoa com o espectro autista. O conjunto é normatizado pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania e operacionalizado com órgãos de execução da política nos estados e municípios.
Além disso, o governo anunciou a abertura de uma consulta pública referente ao quarto relatório nacional sobre o cumprimento da Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas com Deficiência.
Com a medida, a sociedade vai ter um mês para enviar questionamentos, observações, sugestões ou críticas. A versão final será apresentada em setembro.
O sistema se soma às demais iniciativas apresentadas pelo governo no Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, que reúne 100 ações e conta com R$ 6,5 bilhões de investimentos em ações para a comunidade.