Marcos Pontes admite que corte em orçamento atrapalhou gestão; veja entrevista
Ministro da Ciência e Tecnologia, que deve se candidatar à Câmara, faz balanço e fala sobre polêmica que envolve o ministro Paulo Guedes
Brasília|Plínio Aguiar e Sarah Teófilo, do R7, em Brasília
Visto como um ministro apagado, Marcos Pontes, chefe do Ministério da Ciência e Tecnologia, encerra nesta quinta-feira (31) o trabalho à frente da pasta. Ele está entre os ministros que deixam o governo federal para disputar um cargo eletivo nas eleições de outubro — vai tentar uma vaga na Câmara dos Deputados pelo estado de São Paulo. Integrante do governo do presidente Jair Bolsonaro desde o início, em entrevista exclusiva ao R7ele rebate críticas, comenta polêmica envolvendo o ministro da Economia, Paulo Guedes, e admite que o corte no orçamento da pasta atrapalhou a gestão.
"De um modo, atrapalhou; de um modo fez com que a dificuldade criasse soluções. Então, eu tive, sim, problema de orçamento, sem dúvida nenhuma. Quando a gente fala de orçamento para ciência e tecnologia, esse recurso não é gasto, é investimento; dá retorno rápido, garantido e importante. Todos os países desenvolvidos têm em suas estruturas a ciência. Baseado nisso, quando chegamos aqui era um problema seriíssimo a questão de orçamento. Hoje, saio do ministério tranquilo, porque temos recursos para os nossos programas, mas pode ser melhor”, afirmou.
Pontes garante que se dedicou, ao longo dos últimos três anos, a reajustar e resolver o problema de orçamento do ministério – problema este que ele garante ter equacionado. O ministro conta que assim que assumiu, em 2019, havia um déficit para bolsas do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) em R$ 330 milhões, e que na prática ele tinha recurso para pagar essas bolsas até agosto daquele ano. “Aí o pessoal sugeriu para reduzir o número de bolsas. Não vou reduzir, eu faço o aperto onde for, mas bolsa não vou cortar e vou proteger o orçamento das unidades vinculadas o máximo possível”, afirmou.
Na época, o CNPq publicou uma nota, em agosto, dizendo que novas indicações de bolsas estavam suspensas diante do cenário orçamentário, e que o orçamento do órgão não seria recomposto. Houve ampla manifestação da sociedade científica e, em outubro, o ministro prometeu a recomposição do valor para cumprir com o pagamento de bolsas até o fim de 2019. A promessa se cumpriu no fim de outubro.
“A gente resolveu nos 47 do segundo tempo”, lembra Pontes. “Veio a Economia e conseguimos colocar o orçamento necessário para ir até o fim de 2019 sem cortar nenhuma bolsa e sem atrasar um dia. Eu arrisquei bastante, mas conseguimos. Não cortamos nenhuma bolsa do CNPq”, garantiu.
Esse não foi o último episódio que envolveu um entrave entre Pontes e Guedes. Em outubro do ano passado ocorreu o pior deles. Na época, o Ministério de Ciência e Tecnologia sofreu um corte orçamentário de R$ 690 milhões, o equivalente a 90% do que a pasta tinha. O astronauta foi publicamente criticar a decisão, dizendo ter havido “falta de consideração”. “Os cortes de recursos sobre o pequeno orçamento de ciência do Brasil são equivocados e ilógicos”, afirmou.
Dias depois, Guedes se reuniu com deputados federais para falar sobre os cortes, e não poupou críticas duras ao colega de governo. O ministro da Economia chamou Pontes de “burro” em uma reunião que tinha, inclusive, deputado de oposição. O R7 mostrou, então, que Guedes estava irritado com as queixas sobre cortes no orçamento da pasta, ressaltando que Pontes não sabe gerir recursos. No encontro, Guedes se referiu ao colega de Esplanada a todo momento como "astronauta", sem chamá-lo pelo nome.
Antes do episódio, Pontes chegou a dizer que havia cogitado deixar o governo com os cortes. Hoje, saindo do governo, ele nega. “Não, nunca cogitei sair do ministério. É a minha função brigar por orçamento. A Economia pode até falar alguma coisa, mas não vou deixar de pedir”, afirmou.
Sobre a briga com Guedes, ele tenta jogar para escanteio. “Eu sou piloto de testes. Imagina se eu prestar atenção em distrações que aparecem ao longo do voo? Então, por natureza, aprendi ao longo da minha carreira, que não é pequena, como gerenciar isso. Se chama inteligência emocional também. Se estou pilotando um avião, fazendo um teste, o meu foco deve ser ali”, disse.
O ministro afirmou que na época rebateu Guedes sobre as críticas de que seu ministério tinha execução baixa. “E mostrei que a execução era 99,87%, quase 100%. Ele disse: ‘Pô, não sei, deve ter sido assessor que passou informação errada’. E sobre chamá-lo de burro, eu até dei risada, ninguém nunca me chamou de burro antes, a minha vida é um pouco diferente disso”, afirmou.
Pontes ainda disse que é preciso entender que “cada pessoa passa por momentos emocionais diferentes”. “Ele estava ali talvez num momento, numa emoção diferente, que talvez saia alguma coisa que a gente não quer falar, mas acaba falando. Não tem problema. O meu papel não é discutir, responder, qualquer coisa, o meu papel é fazer com que a ciência e tecnologia funcionem no Brasil e é isso que a gente fez”, pontuou.
Assista, abaixo, a entrevista exclusiva com o ministro Marcos Pontes:
Confira os principais trechos da entrevista:
Sobre a demissão de Ricardo Galvão [ex-diretor do Inpe, Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, exonerado após Bolsonaro questionar dados de desmatamento], foi um dos primeiros episódios que a gente viu de interferência em área técnica. Como o senhor lidou com essas interferências do presidente em decisões técnicas à frente do ministério?
No meu ministério nunca houve interferência do presidente diretamente. O que ele sempre fala: ‘O ministério é seu, você toma as decisões lá dentro’, e é o que eu tenho feito. Nunca tive problema em relação a isso. No caso específico do Galvão, a decisão foi minha. E foi minha por uma razão simples: eu perdi a confiança. Por mais boa vontade que ele tivesse com o Inpe, eu não posso ter um diretor que vai falar direto com o presidente, principalmente discutir com o presidente na imprensa.
Ele deveria vir conversar comigo, para juntos vermos qual é o problema e, se quiser falar com o presidente, vai junto comigo. Isso não é adequado em qualquer administração: um diretor passar por cima do ministro. Essa foi a razão da exoneração dele. Mas tudo ocorreu normal, ele entendeu muito bem, percebeu o que tinha acontecido. Eu gosto de ter uma gestão harmônica, o meu tipo de liderança é mais harmônico, gosto de ver as partes se encaixando, a minha equipe é muito próxima a mim.
E como o senhor lidou com os cortes de orçamento? Vimos o episódio do corte de R$ 690 milhões. Isso atrapalhou a gestão do senhor aqui?
De um modo atrapalhou; de um modo fez com que a dificuldade cria soluções. Então, eu tive sim problema de orçamento, sem dúvida nenhuma. Quando a gente fala de orçamento para o ministério esse recurso não é gasto, é investimento, dá retorno rápido, garantido e importante. Todos os países desenvolvidos têm em suas estruturas a ciência. Baseado nisso, quando chegamos aqui era um problema seriíssimo. Hoje, saio do ministério tranquilo, porque temos recursos para os nossos programas, mas pode ser melhor.
Tínhamos déficit para bolsas de R$ 330 milhões no CNPQ. Na prática, eu tinha recurso para pagar essas bolsas até agosto de 2019. Esse orçamento foi votado em 2018. Aí o pessoal sugeriu para reduzir o número de bolsas. Não vou reduzir, eu faço o aperto onde for, mas bolsa não vou cortar e vou proteger o orçamento das unidades vinculadas o máximo possível. O orçamento vem caindo desde 2013, e chegou no mínimo em 2021 e começou a aumentar de novo.
A gente resolveu nos 47 do segundo tempo. Veio a Economia e conseguimos colocar o orçamento necessário para ir até o final de 2019 sem cortar nenhuma bolsa e sem atrasar um dia. Eu arrisquei bastante, mas conseguimos. Não cortamos nenhuma bolsa do CNPQ.
Nesse período em que estava enfrentando dificuldade de orçamento, o senhor cogitou sair do ministério. Teve alguma atitude mais brusca nesse sentido?
Não, nunca cogitei sair do ministério. É a minha função brigar por orçamento. A Economia pode até falar alguma coisa, mas não vou deixar de pedir.
Mas no episódio dos R$ 690 milhões o senhor disse à imprensa que cogitou sair.
Esse aperto de orçamento, por um lado é ruim, mas por outro me forçou a criar alternativas. Orçamento, pessoal, infraestrutura, legislação e coordenação. O que eu fiz: fui obrigado a montar todo um sistema, como se construísse um avião de caça dentro de um hangar sem saber se ia ter combustível para poder voar.
Agora, para poder resolver o problema, eu criei mais duas fontes: o orçamento da União, que é o normal, e eu criei uma secretaria de estruturas financeiras e projetos, que desenvolve a cultura de projetos e permite conectar recursos privados para projetos do ministério. Isso foi feito ao longo desses três anos. E sempre tem o disclaimer [ressalva]: o orçamento ainda pode melhorar.
Nesse episódio do ano passado, do orçamento, o ministro da Economia, Paulo Guedes, teve uma reunião com deputados e disse que o senhor é burro, que o senhor não sabe gerir recursos. Como o senhor encontrou clima para continuar no governo depois disso?
Eu sou piloto de testes, imagina se eu prestar atenção em distrações que aparecem ao longo do voo? Então, por natureza, aprendi ao longo na minha carreira, que não é pequena, em como gerenciar isso. Se chama inteligência emocional também. Se estou pilotando um avião, fazendo um teste, o meu foco deve ser ali.
Eu acho que foi o Guedes mesmo, tinha dito que tinha execução muito baixa. Eu falei como assim, a execução nossa sempre foi alta. E mostrei que a execução era 99,87%, quase 100%. 'Não sei, deve ter sido assessor que passou informação errada'. E sobre chamar de burro, eu até dei risada, ninguém nunca me chamou de burro antes, a minha vida é um pouco diferente disso.
Mas tem que entender que cada pessoa passa por momentos emocionais diferentes. Ele estava ali talvez num momento, numa emoção diferente, que talvez saia alguma coisa que a gente não quer falar, mas acaba falando. Não tem problema. O meu papel não é discutir, responder, qualquer coisa, o meu papel é fazer com que a ciência e tecnologia funcionem no Brasil e é isso que a gente fez.
Eu peguei um ministério basicamente destroçado. Destroçado, não, esparso, não tinha coesão, não tinha visão, não tinha missão, prioridades bem estabelecidas. Então, eu vim aos poucos construindo essa gestão. Hoje em dia tenho um ministério coeso, com missão, com prioridades. Nós resolvemos problemas de décadas e até de centenas de anos. Por exemplo, 13 anos o Brasil enrolando o Cern (Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear) para poder tomar uma decisão de se unir. Aí eu fui lá, conversei, disse que queremos ficar, depois conversei com o conselho diretor de lá. Aprovaram por unanimidade, assinei recentemente o Brasil como membro do Cern. Treze anos de espera para a comunidade científica. Resolvido.
E agora tem a vacina também, né?
O Brasil nunca teve nenhuma vacina. Quando cheguei no ministério eu achava que o Brasil era um grande produtor de vacina, tinha essa ilusão. Mas a gente só produz vacina de febre aftosa. E produção tem que ser desde o conceito de vacina, passando por testes pré-clínicos com animais e humanos, dentro das melhores práticas, e chegar no produto final, e depois esse produto é escalado pela indústria e depois é aplicado. O Brasil sempre importou para ser aplicado direto ou fez contrato de transferência de tecnologia, mas nunca fez essa tecnologia inteira. Agora, a gente vai ter vacina para dengue, zika, chikungunya, outras pandemias. A vacina contra a Covid-19 100% nacional: nove meses para ter os testes completos – 1, 2 e 3. Vai ser interessante porque vai ser a primeira vacina 100% brasileira.
Bolsonaro vai ser vacinado com essa vacina?
Eu gostaria muito. Tenho falado com ele várias vezes, toda vez que eu tenho chance, até ele fala ‘pô, Marcos, você é muito chato’. Ele é meu amigo. Eu vejo isso na necessidade de proteção da saúde. Ele não é novinho.
O senhor acha que seria bom para ele eleitoralmente?
Pode até ser, nesse ponto de vista, mas eu vejo mais pelo lado da saúde.
Uma palavra recorrente em críticas ao governo é “negacionismo”. Quando a vacina saiu, vimos declarações do presidente de que não havia motivo para pressa da vacina. Como foi permanecer em um governo que em diversos momentos negou a ciência?
No meu caso, aqui não teve interferência nenhuma. Porque todas as vezes que eu precisei do governo, a Economia e o presidente compareceram para me ajudar. Por exemplo, quando começou a pandemia, eu falei que precisava lançar pesquisas, desde novos ventiladores pulmonares a testes diagnósticos no Brasil. Vou precisar de recurso, e com meu orçamento, não tinha condição. Fui lá, conversei com o presidente, com o Guedes, e me liberaram R$ 1 bilhão em 2020 para trabalhar com isso. Muita coisa foi feita e nunca interferiram.
Não ficou com medo de pegar mal para o senhor ao continuar em um governo que estava negando a vacina?
Não. Na verdade, se for olhar, eu divido muito a parte pessoal da parte institucional. Na parte institucional, se você olhar, o Ministério da Saúde comprou sei lá quantas vacinas, tiveram recurso o tempo todo. Institucionalmente, o governo cumpriu a sua função sem qualquer problema. A opinião pessoal do presidente, eu não tenho que dar palpite, cada um tem a sua opinião, mas eu acho que ele cumpriu a função que ele tinha que cumprir como presidente.
Eu procuro sempre trazer as informações da comunidade científica. E a comunidade científica me vê aqui como um ministério que trabalha focado na ciência. Eu não me meto em polêmica justamente para manter o foco do ministério funcionando. Eu não gosto de gastar muito tempo com distrações lá de fora. Foco na coisa. Às vezes o pessoal fala ‘ministro é meio apagado, não aparece’. Faço isso porque eu quero mesmo. Quero focar nas coisas que eu tenho que fazer no ministério. Quem tem que aparecer não sou eu, é o ministério que tem que aparecer.
Muita gente diz que o senhor é apagado, que não conseguiu fazer muita coisa no ministério. O que o senhor acha?
Eu acho uma bobagem, porque a gente fez muita coisa aqui no ministério. É porque muitas vezes as pessoas não têm paciência de olhar os fatos, as informações.
O governo vive um momento de crise, com a demissão de Milton Ribeiro. Vai ser possível manter o discurso anticorrupção?
Sem dúvida. O que está provado? Até agora, nada. A gente saiu das notícias de corrupção de forma geral. Agora, a questão do Milton, por exemplo: o Milton é um cara que eu tenho grande estima, muito sério, então pediu para sair, e acredito que foi uma decisão dele para dar espaço para que sejam feitas as investigações. Eu acredito nele. Aredito que as investigações vão ser importantes para provar que ele não teve nenhuma participação com isso.
Repete o discurso do presidente de que colocaria a cara no fogo pelo Milton?
Não gosto de ser extremista em nada que eu falo. Mas eu acredito no Milton, tem uma vida ilibada. Se você olhar a vida dele para trás, tem nada que possa demonstrar qualquer dúvida de que ele tenha um comportamento ilegal. Eu diria que a probabilidade de ele ter alguma coisa ilegal é extremamente baixa, praticamente nada.
O que fica para a próxima gestão, que o senhor não conseguiu fazer?
Tem um ponto importantíssimo que é a questão de pessoal. Orçamento está equacionado. Infraestrutura, a gente investiu agora R$ 100 milhões. Mas, pessoal, a gente não tem concurso público. Sem concurso para pesquisador, vão ficando velhos, aposentando, morrendo, e os centros de pesquisas que precisam de 100 pesquisadores, têm 50, e 25 podem aposentar. Problema seríssimo que precisa fazer funcionar. Como deputado eu também consigo trabalhar nisso para achar soluções.
Outra coisa em relação às pesquisas são as bolsas. Bolsa CNPQ, como eu falei, sempre foi minha prioridade, não deixei cortar nada, não deixei faltar, pagar sempre no momento correto, apesar de toda a dificuldade. A média é de 70 mil bolsas no CNPQ e 100 mil Capes. Para o tamanho do Brasil, esse número é pequeno ainda. Precisamos aumentar muito o número de bolsas.
As nossas bolsas estão defasadas em valor, não foram corrigidas há uns oito anos. Precisa dessa correção. Pedi para fazer um estudo aqui do CNPQ e com a Capes para aumentar o número de bolsas e o valor das bolsas de uma forma que seja viável dentro dos orçamentos. Isso é essencial. No Legislativo a gente pode tentar melhorar esse valor.
O senhor tentou, ou nem tentou porque sabia que não tinha orçamento?
Sabia que não tinha orçamento. Quando entrou agora o FNDCT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) surge uma oportunidade, por isso já pedi um estudo.
Quando o senhor fala de pouco orçamento, não faltou uma prioridade do governo com a pasta?
Não. Se você lembrar bem, esse é o orçamento que vem distribuído entre todos os ministérios. Cada ministério tem a sua perspectiva sobre a importância do orçamento. Teve ainda uma pandemia no meio do caminho. Tem que entender a prioridade na vida das pessoas. Lógico que ciência e tecnologia reduz custos, ajuda a salvar vidas. Mas no emergencial, a gente tem que atender as pessoas.