PEC que muda a composição do CNMP pode ser votada nesta terça
Texto eleva número de membros e de indicados pelo Congresso; proposta aumenta interferência política, dizem entidades
Brasília|Lucas Nanini, do R7, em Brasília
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 5/21, que muda regras para a composição do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), pode ser votada nesta terça-feira (19) pela Câmara dos Deputados. A sessão está prevista para começar às 15h. A análise do projeto pela Casa foi agendada para a última quinta-feira (14), mas acabou adiada pelo presidente Arthur Lira (PP-AL) por falta de consenso entre os parlamentares.
O CNMP é a instituição responsável pela fiscalização administrativa, financeira e disciplinar do Ministério Público Federal (MPF). O texto em discussão na Câmara é um substitutivo elaborado pelo deputado Paulo Magalhães (PSD-BA) à proposta original do deputado Paulo Teixeira (PT-SP). Se aprovada no plenário, a matéria segue para o Senado.
Para a aprovação de uma PEC na Câmara são necessários pelo menos 308 votos no plenário, em dois turnos. A proposta em trâmite na Casa foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) em maio último.
Pela proposta em análise na Câmara, o número de conselheiros do CNMP passaria de 14 para 17. O Congresso Nacional teria direito a escolher cinco nomes (hoje são dois). A PEC também determina que a MP crie, em um prazo de 120 dias, um código de ética com a finalidade de combater abusos e desvios por parte de seus membros. Caso o prazo não seja cumprido, o Congresso Nacional deverá elaborar o código por meio de lei ordinária.
O autor da proposta defende a ideia de que é preciso alterar a composição do CNMP para "coibir abusos de promotores e procuradores e impunidade dentro do Ministério Público". "A PEC 5 quer separar o joio do trigo: o bom MP tem que ser fortalecido, e aqueles integrantes que não cumprem a constituição devem ser afastados."
Para o presidente da Câmara, Arthur Lira, a proposta procura dar paridade e igualdade entre representantes da sociedade civil e do Ministério Público no CNMP. "Precisa ter um corregedor do Ministério Público que se passe em uma votação do Congresso Nacional, como passam os ministros do Supremo, do STJ, o procurador-geral da República, embaixadores. É normal", disse.
Críticas
A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) publicou, no último dia 11, uma nota técnica em que repudia o relatório da PEC. Para o colegiado, a aprovação do texto como está possibilitará interferência política na atuação do conselho, já que o Congresso Nacional terá direito a escolher mais representantes no conselho.
Na semana passada, a ANPR, o Conselho Nacional de Procuradores-Gerais do Ministério Público dos Estados e da União (CNPG), a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), a Associação Nacional dos Procuradores e das Procuradoras do Trabalho (ANPT), a Associação do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (AMPDFT) e a Associação Nacional do Ministério Público Militar (ANMPM) emitiram uma nota conjunta criticando pontos da PEC, como o modo de escolha do corregedor nacional, a proporcionalidade na composição do conselho e a “quebra de simetria com o CNJ [Conselho Nacional de Justiça]”.
As entidades afirmam que o texto fragiliza a independência e a autonomia institucionais, “pressupostos absolutamente necessários ao exercício da missão constitucional do Ministério Público”. De acordo com a nota, a aprovação desses tópicos conduziria “ao enfraquecimento da autonomia institucional e das prerrogativas dos membros do Ministério Público, comprometendo sobremaneira, consequentemente, a defesa da ordem jurídica, da democracia e do interesse público”.
A entidade Transparência Brasil emitiu uma nota nesta segunda-feira (18) em que manifesta “preocupação com a possibilidade de aprovação” da PEC. Para o órgão, o novo texto “traz inúmeras ameaças à independência do MP, em particular nas investigações de políticos”.
O ex-juiz e ex-ministro da Justiça Sergio Moro também criticou a PEC. Ele publicou um vídeo nas redes sociais nesta segunda-feira (18) em que diz que o promotor precisa de independência para fazer seu trabalho com autonomia, sem medo de sofrer retaliações.
“Tem uma proposta na Câmara dos Deputados que, se for aprovada, vai permitir que políticos interfiram no trabalho do Ministério Público, ou seja, na atividade daquele promotor”, afirmou. “Você acha que o promotor vai ter condições de realizar seu trabalho sem medo de sofrer retaliações ou punições quando ele, por exemplo, investigar uma pessoa poderosa que tenha influência política?”, questionou o ex-juiz.
O promotor Clayton Germano, do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), disse que a proposta foi apelidade de "PEC da Vingança", já que ela pretende acabar com a atuação do MP no combate à corrupção.
"A PEC representa o fim do Ministério Público: acaba com a independência dos membros do MP, acaba com a autonomia, deixando-os sujeitos às pressões e perseguições políticas. É a PEC da vingança: os políticos estão querendo aprová-la para impedir que o Ministério Público continue seu trabalho de combate à criminalidade e à corrupção", alegou o promotor.
Clayton Germano foi um dos promotores responsáveis pelas investigações da operação Caixa de Pandora, em 2009, que revelaram o Mensalão do DEM, suposto esquema de corrupção montado no Governo do Distrito Federal que incluía o pagamento de propina a parlamentares da Câmara Legislativa do DF.
Durante as investigações, José Roberto Arruda tornou-se o primeiro governador do país a ser preso no exercício do cargo. Arruda já foi condenado por improbidade administrativa, corrupção de testemunha e falsidade ideológica, mas recorre das sentenças em liberdade.
Apoio
Para o professor de direito constitucional da PUC de São Paulo Pedro Serrano, a proposta é um avanço no debate sobre a questão do controle externo do MP, já que hoje "há uma confusão entre a figura do fiscalizado e do fiscal". "A PEC vai atuar no sentido de evitar e coibir abusos de poder e comportamentos inadequados dos membros instituição."
O jurista afirma que o Ministério Público continuará tendo maioria entre os membros do conselho. "Porque o correto, a meu ver, seria inclusive ter sociedades e entidades da sociedade civil realizando esse controle, o controle realmente externo", diz.
A jurista Carol Proner, do coletivo de advogados Prerrogativas, também lembrou que o MP continuará com maioria entre os membros do conselho e que o corregedor segue sendo de carreira, indicado entre os componentes do próprio MP.
“Os dados mostram que, só neste ano, dos 21 processos administrativos disciplinares, só três foram julgados, dois foram arquivados e um foi absolvido. É um conselho que não pune seus membros, e que, quando pune, pune com penas abrandadas, suspensão advertência e censura”, afirmou.
“Por outro lado, é preciso mais do que nunca haver um código de ética, assim como existe em outras profissões, assim como existe no próprio Poder Legislativo”, declarou.
A PEC
Uma das principais mudanças propostas é que o número de conselheiros que fazem parte do órgão passe de 14 para 17. O texto determina que Câmara e Senado poderão indicar cinco pessoas para fazer parte do CNMP, sendo uma delas em consonância com o Supremo Tribunal Federal (STF). Hoje, as duas casas do Congresso Nacional só têm direito a indicar dois representantes. O mandato dos membros continuará a ser de dois anos, com possibilidade de uma reeleição. Cada indicado passará por sabatina no Senado.
Pela proposta, as demais vagas do conselho serão compostas da seguinte maneira: procurador-geral da República (que é o presidente do CNMP), três indicados pelo Ministério Público da União (MPU) — hoje, o órgão escolhe quatro nomes —, três indicados pelos ministérios públicos estaduais, dois indicados pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e dois indicados pelo Poder Judiciário — um do STF e um do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
A alteração imposta pela PEC vai reduzir o poder do Ministério Público na indicação dos representantes do CNMP. Pelo texto atual, o conselho conta com oito integrantes escolhidos pelo Ministério Público e seis integrantes indicados por outros órgãos. Com as mudanças, o MP só vai indicar sete dos 15 nomes.
Outra novidade da PEC é que um dos nomes escolhidos pela Câmara e pelo Senado acumulará as funções de vice-presidente e corregedor do CNMP à de conselheiro indicado pelo Congresso Nacional. Pelas regras atuais, o cargo de vice-presidente do conselho não existe, e o corregedor é escolhido em votação no plenário do órgão.
Colaborou Yuri Achcar, da Record TV