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Especialistas questionam atuação de juntas médicas como forma de suposta proteção a planos de saúde

A alegação é de que faltam transparência e isonomia; enquanto isso, pacientes ficam sem tratamento, e cresce o número de judicializações

Brasília|Bruna Lima, do R7, em Brasília


Alegação é de que faltam transparência e isonomia
Alegação é de que faltam transparência e isonomia

O papel das juntas médicas na avaliação de procedimentos demandados por um médico mas negados pelo plano de saúde tem sido alvo de questionamentos por parte de sociedades médicas e beneficiários. A alegação é de que as operadoras usam o mecanismo em benefício próprio, priorizando o lucro em detrimento da saúde dos pacientes e pondo em xeque a autonomia dos médicos para escolher os tratamentos. A questão é vista como um problema de saúde pública e tem motivado cada vez mais judicializações por parte de clientes dos planos.

O industrial Tarcísio Pires Silva é um exemplo de cliente que precisou recorrer à Justiça, para ter a cirurgia de sua mãe autorizada pelo plano. A aposentada Maria das Neves Pires Silva, de 78 anos, passou por um procedimento delicado na coluna, mas precisava de um cuidado mais específico, pela idade avançada e por causa de uma condição de osteoporose, doença que se caracteriza pela perda progressiva de massa óssea. 

"Entramos com uma liminar para a realização da cirurgia. Foram meses de sofrimento da minha mãe, meu, da família. Vendo ela gemendo em cima de uma cama, convalescendo, mesmo tendo um plano que eu pago de quase R$ 2.000, e eles fazendo isso com minha mãe", contou Tarcísio, acrescentando que a demora de mais de dois meses para a solução do caso — que precisou da avaliação de uma junta médica e foi negado em um primeiro momento — afetou a saúde da idosa, que ainda sofre com dores mesmo após o tratamento.

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O uso das juntas médicas foi regulamentado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) em 2017. Em teoria, ela é formada pelo responsável por prescrever o procedimento, pelo avaliador da operadora e por um terceiro, incumbido de desempatar eventuais impasses, escolhido em comum acordo pelas partes para dar a palavra final. No entanto, clientes e médicos denunciam o fato de que esse terceiro profissional precisa ser escolhido em uma lista restrita oferecida pelo próprio plano de saúde. De acordo com os denunciantes, existe um suposto esquema que vem favorecendo as operadoras.

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Médico responsável pela cirurgia de Maria das Neves, o neurocirurgião José Ramalho Neto afirma que ela é apenas uma entre centenas de pacientes dele com os processos negados. "A grande maioria dos procedimentos solicitados são negados, parcial ou integralmente. Essas negativas ocorrem de forma automática, sem que seja promovido o devido diálogo entre o médico especialista e o profissional auditor vinculado à operadora, uma vez que essas auditorias são realizadas por empresas terceirizadas, onde nem sequer permitem contato direto para dirimir o impasse, sendo ao meu ver um dos principais problemas. Via de regra, essas negativas não apresentam a devida fundamentação técnica, inclusive feita por médicos não especialistas."

Na análise do advogado Lucas Dohmen, membro do Departamento Jurídico da Associação Brasileira pela Ética no Reembolso Médico (Abereem), a massificação das aberturas de processos com uso de juntas médicas "demonstra o desvio de finalidade desse instituto". "Visa não o bem do paciente. Não é um caso ou outro que está acontencendo. É massificado, porque muita gente não vai contestar a abertura da junta médica nem a conclusão, muita gente nem sabe que há prazo, e não estão sendo garantidos a autonomia médica, o direito do consumidor e do beneficiário", alegou. A ANS definiu em 21 dias o prazo máximo para a conclusão do processo da junta médica, contados a partir da data de solicitação. 

Membro titular da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia (SBN), o neurocirurgião Rodrigo Adry alega que o objetivo das juntas médicas nesse contexto visa reduzir custos, tanto em honorários médicos como em materiais cirúrgicos.

"Encontramos diversas irregularidades nessas avaliações, como interferência em qual a técnica a ser usada, auditor analisando casos de outros estados onde não possui inscrição, tentativa de forçar o médico a usar materiais indicados pela operadora de saúde, redução de honorários médicos com eliminação de códigos do pedido [mesmo que os códigos estejam de acordo com os manuais emitidos pelas sociedades médicas] e tentativa de desviar o paciente para médicos preferidos do convênio, que aceitam as condições de trabalho impostas", detalhou Adry. 

Judicialização

As negativas sistemáticas das juntas médicas têm acarretado o aumento de ações judiciais. "Ocorre que essa crescente de forma nacional aparentemente compromete a lisura da formação da junta médica e o motivo pelo qual ela foi criada", argumentou a advogada especializada em direito médico e da saúde Bruna Hernandes. Essa presunção, segundo ela, tem como precedente negativas injustificáveis.

"Muitas vezes o médico que foi nomeado pela operadora de saúde nem sequer tem titularidade de especialista para divergir da indicação médica. Outras vezes, determina procedimentos mais arriscados para o paciente, pois há menos uso de material, e, quando autorizam o procedimento, negam os materiais, indicando quantidade inferior ao solicitado ou de menor qualidade", afirmou Hernandes. 

Como consequência, a advogada ressalta o alto índice de deferimento de liminares que favorecem os pacientes, o que corrobora ainda mais o argumento de contaminação do papel das juntas pela falta de transparência nos critérios da divergência. "Uma comunicação mais clara sobre as decisões administrativas e os critérios de cobertura é essencial para promover a compreensão mútua e a confiança no sistema de saúde", alegou. 

A reportagem solicitou à ANS um levantamento do número de processos protocolados na agência que questionam decisões das juntas médicas. A agência afirmou que este tipo de processo é dirigido direto para a operadora de plano de saúde e, por isso, não possui os dados solicitados. "A partir da publicação da Resolução Normativa 424/2017, as juntas médicas ou odontológicas são formadas para dirimir divergências técnico-assistenciais sobre procedimentos ou eventos em saúde a serem cobertos pelas operadoras de planos de saúde, e não precisam ser registradas junto à ANS ou ter sua realização comunicada à agência", disse a nota. 

O R7 também acionou a Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) para obter um posicionamento sobre o assunto. O superintendente médico da entidade, Cassio Ide Alves, afirma que a junta médica é um mecanismo importante para proteger o próprio paciente e que casos de irregularidades devem ser denunciados para coibir uma generalização negativa desse processo de revisão.

"A junta existe para dirimir uma dúvida técnica assistencial. É fundamental para trazer segurança ao sistema e ao paciente. Em nenhum momento a opinião de outro especialista pode prejudicar o paciente, só agregar. Se houver desvio de como [a junta] está sendo utilizada, cabe a quem detectou denunciar à sociedade de especialidade, ao CRM. O que não pode é detonar um instrumento que é bom para a garantia assistencial do beneficiário por desvios que acontecem."

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