O TCU (Tribunal de Contas da União) liberou nesta quarta-feira (12) R$ 6 bilhões do Pé-de-Meia, bloqueados pela corte no fim de janeiro. Apesar de voltar atrás na decisão, o tribunal deu 120 dias para o governo federal incluir o programa educacional no Orçamento de 2025, que ainda não foi votado pelo Congresso Nacional. Os valores tinham sido suspensos por suspeita de irregularidades (entenda mais abaixo). O julgamento foi extenso, com diversos votos e um acórdão de consenso. O relator do caso no TCU, ministro Augusto Nardes, sugeriu a revogação do bloqueio. Nas últimas semanas, ele reuniu-se com integrantes do Executivo, num movimento do governo de Luiz Inácio Lula da Silva de tentar reverter a determinação da corte. Entre os ministros de Lula que participaram das negociações, estão Fernando Haddad (Fazenda), Camilo Santana (Educação) e Jorges Messias (Advocacia-Geral da União). O programa educacional é uma das principais bandeiras da gestão petista. A AGU recorreu do bloqueio no mesmo dia da decisão do TCU e destacou o risco de a política educacional ser interrompida sem os recursos.No voto desta quarta, Nardes defendeu a importância da política pública, embora tenha criticado a construção orçamentária do programa. “É inquestionável que a suspensão dos pagamentos causará relevante impacto social negativo, atingindo milhões de estudantes brasileiros pertencentes às camadas menos favorecidas da sociedade brasileira e que contam com esses recursos para sua manutenção no ensino médio. A utilização de valores dos fundos sem trânsito pela conta única e sem contar no orçamento da União configura afronta aos princípios e normas legais que regem as finanças públicas. Não podemos mais fazer improvisação, precisamos de regras definidas”, destacou. O Pé-de-Meia, iniciado em março do ano passado, pretende combater a evasão escolar no ensino médio por meio da concessão de bolsa a estudantes de baixa renda. Atualmente, a política atende 3,9 milhões de alunos, segundo o MEC (Ministério da Educação), com custo anual estimado em R$ 12,5 bilhões. O programa pode chegar a pagar R$ 9.200 por aluno, ao fim dos três anos da etapa. Os R$ 6 bilhões bloqueados — e agora liberados — não são os recursos totais do Pé-de-Meia (leia mais abaixo).O presidente da Frente Parlamentar Mista da Educação, deputado federal Rafael Brito (MDB-AL), comemorou o desbloqueio. “A decisão do tribunal foi uma vitória para os estudantes. Mas, não acreditamos que foi a decisão ideal e seguimos confiantes de que essa situação será resolvida dentro desse prazo dos 120 dias. A Bancada da Educação segue à disposição do TCU para eventuais ajustes e vai apoiar no que for necessário para garantir a execução que transforma a vida das pessoas e o futuro do nosso país. O importante é que o programa não seja descontinuado”, defendeu.Nessa terça (11), Haddad afirmou que o governo federal está disposto a ouvir os apontamentos técnicos feitos pelo TCU. Ele reuniu-se com Nardes no dia anterior para discutir o assunto.“Nós apresentamos nosso argumento sobre a validade da lei, aprovada quase por unanimidade no Congresso, mas estamos dispostos a ouvir os técnicos e ministros para adequar, se for necessário. Mas há uma lei aprovada, que está sendo cumprida”, destacou o ministro a jornalistas, ao se referir à legislação do programa, sancionada em janeiro do ano passado.Na segunda (10), depois da reunião com Nardes, Haddad declarou que o governo busca atender a área técnica do TCU e, ao mesmo tempo, garantir a continuidade do programa.O ministro afirmou que levou uma “série de considerações” ao relator no TCU, como o quadro orçamentário de 2025 e 2026 e a “legalidade” do programa, aprovado pelo Congresso Nacional.Haddad informou que Nardes iria avaliar as considerações da Fazenda e dar “oportunamente” uma devolutiva. “A gente leva para ele o quadro do orçamento de 2025, o quadro do orçamento de 2026, o que está previsto esse ano, o que poderá ser previsto o ano que vem, o desejo de acertar o passo com o tribunal, mas, ao mesmo tempo, a legalidade do programa, em vista da alta aprovação que ele teve no Congresso Nacional”, observou.Um dia após o bloqueio das verbas, Haddad garantiu que o Pé-de-Meia não será suspenso. “Não vai haver descontinuidade, isso eu posso garantir. Todo encaminhamento que demos nas medidas no ano passado foi para orçar o Pé-de-Meia na forma que entendemos adequada, que é a mesma que o TCU considera a mais adequada. Então, está pacificada essa situação em relação a como deve ser procedido do ponto de vista da orçamentação do programa”, declarou, à época.Em 22 de janeiro, o plenário do TCU confirmou, por unanimidade, decisão do relator do caso, Augusto Nardes, dada na semana anterior. A determinação foi motivada por uma análise da área técnica do Tribunal. Em dezembro, a Secretaria de Controle Externo de Contas Públicas recomendou o bloqueio do valor, em medida cautelar.A sugestão foi baseada em indícios de supostas irregularidades no financiamento da política, após representação feita pelo MPTCU (Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União).O recurso da AGU, feito depois da confirmação do Plenário, pede, em medida cautelar, a suspensão imediata do bloqueio e, no mérito, solicita a reversão da decisão. A advocacia-geral nega haver irregularidades no programa e afirma que, sem os valores, haverá “transtornos irreparáveis ao programa e aos estudantes”.Os R$ 6 bilhões bloqueados são do FGO (Fundo Garantidor de Operações) e do Fgeduc (Fundo de Garantia de Operações de Crédito Educativo). Os recursos abastecem o Fipem (Fundo de Custeio da Poupança de Incentivo à Permanência e Conclusão Escolar para Estudantes do Ensino Médio), um fundo privado criado para custear o Pé-de-Meia.Quando analisou o caso, a área técnica do TCU afirmou que o corte de R$ 6 bilhões não interromperia a política de imediato, embora pudesse comprometer o funcionamento futuro. Segundo o tribunal, o Fipem tem em caixa cerca de R$ 7,8 bilhões — o custo total do Pé-de-Meia para 2024 foi de aproximadamente R$ 795 milhões, incluídos “o pagamento mensal do incentivo, a taxa de administração e a tarifa do agente financeiro”.O argumento para autorizar o bloqueio está no abastecimento do Fipem. Por ser feito pelo FGO e Fgeduc, ocorre sem autorização orçamentária, já que os fundos privados não constam no Orçamento da União nem passam pelo Tesouro Nacional.A prática pode interferir em questões orçamentárias e financeiras da União, além de colocar em risco a rastreabilidade e a transparência dos valores.O TCU alega que o aporte de R$ 6 bilhões não estava previsto no Orçamento de 2024 e, portanto, teria sido feito “à margem das regras fiscais vigentes”, como o novo arcabouço fiscal e a LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal).Em dezembro, quando a área técnica defendeu o bloqueio, o Ministério da Educação informou ao R7 que “todos os aportes feitos para o programa foram aprovados pelo Congresso Nacional e cumpriram as normas orçamentárias vigentes. O governo prestou os esclarecimentos preliminares que foram solicitados pelo TCU e, tempestivamente, irá complementar informações”.No processo, em resposta à área técnica do TCU, a AGU alegou que o Fipem é um fundo privado e que, portanto, não pode ser incluído na contagem das contas públicas. A advocacia-geral defendeu a tese de que recursos privados não passam a ser públicos apenas por serem aplicados em políticas públicas.A AGU também argumentou que a União é apenas um dos participantes do Fipem — “há cotistas além da União atualmente, e a lei prevê a possibilidade de expansão deste quadro de cotistas”. “Arrastar o patrimônio privado de um fundo e de seus cotistas para o seio do orçamento da União é violar os alicerces da Constituição e perpetrar um confisco que não apenas afronta a legalidade, mas aniquila a legítima autonomia do que é privado”, acrescentou.O órgão apresentou, ainda, a possibilidade desse entendimento influenciar o modelo atual de outras políticas públicas.