Veja o que se sabe sobre o sumiço de indigenista e de jornalista inglês
Servidor da Funai sofria ameaças por parte de garimpeiros e madeireiros na região; esposa do jornalista pede 'ações urgentes'
Brasília|Hellen Leite e Sarah Teófilo, do R7, em Brasília
O indigenista da Fundação Nacional do Índio (Funai) Bruno Araújo Pereira e o jornalista britânico Dom Phillips, colaborador do jornal The Guardian, desapareceram no Vale do Javari, na Amazônia, quando faziam o trajeto entre a comunidade ribeirinha São Rafael e a cidade de Atalaia do Norte, a 1.135 quilômetros de Manaus. Os dois estão desaparecidos desde o último domingo (5), quando deveriam ter chegado à cidade de Atalaia do Norte, no Amazonas.
A imprensa nacional e a internacional têm acompanhado o caso com atenção, assim como as autoridades do Brasil e da Inglaterra. A Marinha enviou uma equipe de busca e salvamento para o município na manhã desta segunda-feira (6). A Polícia Federal (PF) também atua nas buscas. O Ministério das Relações Exteriores (MRE) informou nesta terça-feira (7) que a PF fez repetidas incursões na região, com o apoio da Marinha do Brasil, em busca dos dois.
Quando desapareceram?
Bruno Araújo e Dom Phillips deveriam ter chegado à cidade de Atalaia do Norte no domingo (5), depois de irem a uma comunidade ribeirinha. Nesta segunda-feira (6), a Coordenação da Organização Indígena (Univaja) informou que os dois estavam desaparecidos havia mais de 24 horas e que faziam o trajeto entre a comunidade ribeirinha São Rafael até a cidade de Atalaia do Norte.
A Univaja informou que os dois "se deslocaram com o objetivo de visitar a equipe de Vigilância Indígena que se encontra próximo à localidade chamada Lago do Jaburu", perto da Base de Vigilância da Funai no rio Ituí. Phillips pretendia visitar o local para fazer entrevistas com indígenas. Os dois chegaram ao lago na última sexta-feira (3), às 19h25, e retornariam para Atalaia no início da manhã de domingo.
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Antes, no entanto, pararam na comunidade São Rafael, para que Bruno fizesse uma reunião com um líder comunitário apelidado "Churrasco". Nessa reunião, eles deveriam consolidar trabalhos conjuntos entre ribeirinhos e indígenas na vigilância do território, bastante afetado pelas intensas invasões, informou a coordenação.
"Pelo que consta nas informações trocadas, via Dispositivo de Comunicação Satelital SPOT, eles chegaram por volta das 6h à comunidade São Rafael, onde conversaram com a esposa de "Churrasco", pois ele não estaria na comunidade, e depois partiram rumo a Atalaia do Norte, viagem que dura aproximadamente duas horas. Assim, deveriam ter chegado por volta de 8h/9h da manhã à cidade, o que não ocorreu", explicou a Univaja, em nota.
Os dois estavam, segundo a coordenação, em uma embarcação nova, com 70 litros de gasolina, o suficiente para a viagem, e com sete tambores vazios de combustível. Bruno era experiente e um profundo conhecedor da região.
Quem está realizando as buscas?
Ainda no domingo, às 14h, a primeira equipe de buscas da coordenação indígena saiu de Atalaia. O grupo era formado por indígenas que conhecem bem a região. A equipe, segundo a Univaja, cobriu o mesmo trecho que os dois teriam percorrido, mas nenhum vestígio foi encontrado.
"A última informação de avistamento deles é da comunidade São Gabriel — que fica abaixo da de São Rafael — com relatos de que avistaram o barco passando em direção a Atalaia do Norte", afirmou a coordenação. Mais tarde, às 16h, outra equipe, com uma embarcação maior, saiu do município de Tabatinha, retornando ao mesmo local, mas novamente nenhum vestígio foi encontrado.
Na segunda-feira, a Marinha do Brasil enviou, pela manhã, uma equipe de busca e salvamento para Atalaia do Norte, para auxiliar nas buscas à embarcação usada pelo jornalista e pelo servidor da Funai. Sete militares da força, com auxílio de uma lancha, atuam nas atividades. Nesta terça-feira, as buscas continuam com o auxílio de um helicóptero, duas embarcações e uma moto aquática da Marinha.
Os dois sofriam ameaças?
O servidor da Funai, que está licenciado de suas funções na fundação, era alvo de ameaças constantes por parte de garimpeiros e madeireiros na região. Segundo a União das Organizações Indígenas do Vale do Javari (Univaja), Bruno foi intimidado dias antes da viagem na companhia do correspondente do jornal The Guardian.
As ameaças teriam sido relatadas à PF, ao Ministério Público Federal (MPF), ao Conselho Nacional de Direitos Humanos e a organizações internacionais de direitos dos povos indígenas. A Coordenação da Organização Indígena informou em nota que a instituição recebeu ameaças em campo na semana do desaparecimento.
Em 2019, a base de Proteção Etnoambiental (Bape) do rio Ituí-Itacoaí, que fica dentro da terra indígena, foi alvo de quatro ataques a tiros. Em um ano, entre novembro de 2018 e dezembro de 2019, houve oito investidas contra o posto, informou a Funai na época dos ataques. A Força Nacional chegou a ser enviada pelo Ministério da Justiça à região após o acirramento dos conflitos.
Em setembro de 2017, o MPF do Amazonas chegou a confirmar a ocorrência de um massacre contra índios isolados na terra indígena. Segundo o MPF, garimpeiros teriam assassinado índios conhecidos como "flecheiros", em agosto daquele ano, no rio Jandiatuba, afluente do rio Solimões, no município de São Paulo de Olivença, na fronteira com o Peru e a Colômbia.
Existem suspeitos?
A PF ainda não divulga nomes de suspeitos. Na segunda-feira, a corporação ouviu duas testemuhas do caso, que prestaram depoimento e foram liberadas. Elas foram as últimas pessoas a ter contato com o indigenista e o jornalista britânico, segundo informações da polícia.
O que diz o governo?
O MRE informou em nota, nesta terça, que o governo tomou conhecimento da notícia do desaparecimento com "grande preocupação" e ressaltou que "o Departamento de Polícia Federal (PF) está atuando naquela região e tomando todas as providências para localizá-los o mais rápido possível".
"O governo brasileiro seguirá acompanhando as buscas com o zelo que o caso demanda e enviando os esforços necessários para encontrar prontamente o profissional da imprensa britânica e o servidor da Fundação Nacional do Índio. Na hipótese de o desaparecimento ter sido causado por atividade criminosa, todas as providências serão tomadas para levar os perpetradores à Justiça. Os familiares e colegas de trabalho dos desaparecidos serão mantidos a par do progresso das buscas", completou.
A ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Cristiane Britto, disse ao R7 nesta segunda que acompanha o caso e que a pasta não foi informada sobre as ameaças que o servidor da Funai estava sofrendo na região. Ela minimizou as críticas de organizações indígenas, que denunciam o aumento da violência contra povos originários e ambientalistas.
O procurador-geral da República, Augusto Aras, e o ministro da Justiça, Anderson Torres, se reuniram nesta segunda-feira para discutir o desaparecimento, "com foco nos aspectos logísticos relacionados às buscas conduzidas pela Polícia Federal, Marinha e Força Nacional, que, graças à atuação do MPF, mantêm bases na região", informou a PGR.
O que diz o The Guardian e a família de Phillips?
Jornal britânico do qual Dom Phillips é colaborador, o The Guardian publicou em seu site que "crescem os temores sobre a segurança de um jornalista britânico e um especialista indígena brasileiro". O repórter, de 57 anos, colabora para o The Guardian do Brasil há algum tempo. No momento, ele estava trabalhando em um livro sobre meio ambiente com o apoio financeiro da Fundação Alicia Patterson.
Phillips mora há 15 anos em Salvador e já atuou do Brasil para outros grandes jornais estrangeiros, como Washington Post, New York Times e Financial Times. A esposa do jornalista, Alessandra Sampaio, pediu maiores esforços das autoridades brasileiras na busca de Phillips.
Em comunicado, ela afirmou: "Só posso rezar para que Dom e Bruno estejam bem, em algum lugar, impedidos de seguir por algum motivo mecânico e tudo isso vire apenas mais uma história numa vida repleta delas. Conheço, porém, o momento vivido pela Amazônia e conheço os riscos que Dom sempre denunciou como jornalista. [...] Autoridades brasileiras, nossas famílias estão desesperadas. Por favor, respondam à urgência do momento com ações urgentes. Governo do Brasil, onde estão Dom Phillips e Bruno Pereira?".