'Estamos perto de um massacre', diz indígena ameaçada em Minas
Atingidos em rompimento da barragem da Vale, mais de 20 famílias da etnia Pataxó estão vivendo em aldeia, sob ameaça de posseiros
Minas Gerais|Lucas Pavanelli, do R7
Depois de serem obrigados a deixar a aldeia indígena Naô Xohã, em São Joaquim de Bicas, na região metropolitana de Belo Horizonte, devido ao rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, em janeiro de 2019, indígenas das etnias Pataxó e Pataxó Hã-Hã-Hãe vivem, agora, mais uma vez sob ameaça.
Em vez da água contaminada do rio Paraopeba, atingido pela lama de rejeitos de minério da barragem B1 da mina do Córrego do Feijão e da falta de perspectivas, cerca de 20 famílias, que agora, vivem em um terreno particular a alguns quilômetros dali, têm sido ameaçadas diariamente por posseiros e grileiros. O MPF (Ministério Público Federal) investiga o caso.
O órgão, juntamente com a Defensoria Pública da União, cobram da Vale a contratação de equipes para garantir a segurança dos indígenas. Depois de sair da aldeia e ficar um tempo em uma comunidade de Belo Horizonte, as famílias fundaram a Aldeia Katurãma, em um local conhecido popularmente como Mata do Japonês, em comum acordo com a Associação Mineira de Cultura Nipo-Brasileira, dona do terreno que, é uma área de reserva natural particular.
Integrantes da etnia foram à Polícia Federal, em Belo Horizonte, nesta terça-feira (10) para denunciar ameaças sofridas por posseiros e grileiros. Na última semana, dois cachorros foram envenenados na aldeia. Nesta segunda-feira (9), de acordo com a cacica Angohó Pataxó, até uma ameaça por telefone foi registrada.
— Hoje a gente recebeu uma ligação anônima, em que eles disseram que fariam um ataque de madrugada na aldeia, entre hoje e sábado. A situação está complicada. O Estado está sendo omisso e estamos perto de acontecer um massacre.
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Ameaças
De acordo com o Ministério Público Federal, um inquérito aberto pela Procuradoria Regional dos Diretos do Cidadão já apura denúncias de graves ameaças aos indígenas na aldeia Katurãma. A procedimento foi aberto em 10 de julho, após comunicação da Funai (Fundação Nacional do Índio de que os pataxó "sofreram graves ameaças à integridade física e psíquica por parte de posseiros".
Ainda de acordo com o MPF, no último mês a Procuradoria continua recebendo informações formais e informais de novas ameaças e ataques à Aldeia Katurãma, à fauna e à flora da Mata do Japonês, por parte de pessoas não identificadas.
"Alguns dos relatos recebidos descrevem tentativas de incêndio na moradia dos indígenas, invasões de homens armados com ameaças de morte. Há relatos também de tentativas de aliciamento de crianças da aldeia, com grileiros convidando-as para dentro da mata, entre outros", informa o MPF.
Segundo o MPF, a Polícia Federal foi comunicada sobre as ameaças.
Condições precárias
O MPF apura outras denúncias feitas pelos indígenas. De acordo com eles, a Vale ainda não forneceu água potável, conforme prevê acordo assinado com a comunidade, e vivem sem acesso à energia elétrica, mantimentos básicos e condições dignas de moradia.
De acordo com o procurador regional dos Direitos do Cidadão, Fernando de Almeida Martins, a situação de vulnerabilidade foi provocada pelo desastre na barragem de Brumadinho, que resultou na perda de território por parte dos indígenas.
A reportagem procurou a PF e aguarda posicionamento sobre o assunto.
Outro lado
Em nota, a Vale afirmou que foi notificada sobre o pedido do MPF e da DPU para contratação de segurança para garantir a integridade dos indígenas Pataxó na Aldeia Katurãma e que "está avaliando as orientações". Segundo a mineradora, os indígenas são atendidos desde 2019.
Confira a nota na íntegra
A Vale informa que recebeu a notificação com recomendação do Ministério Público Federal (MPF) e da Defensoria Pública da União (DPU) e está avaliando as orientações.
A empresa reforça que, desde o rompimento da barragem em Brumadinho, estabeleceu um permanente e construtivo diálogo com os indígenas Pataxó e Pataxó HãHãHãe da aldeia Naô Xohã, em São Joaquim de Bicas, com o MPF, com a DPU e com a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), para desenvolver plano de reparação visando restabelecer de forma sustentável as condições de vida anteriores dos membros da aldeia.
No dia 06 de agosto de 2021, a Vale, as Instituições de Justiça e a comunidade indígena definiram, consensual e conjuntamente, de forma definitiva, a implementação de um programa de suporte econômico complementar, em substituição ao pagamento emergencial. O acordo está em fase final de coleta das assinaturas para que possa ser implementado. O Termo de Ajuste Preliminar – Emergencial (TAP-E) prevê, ainda, assistência por uma equipe multidisciplinar que realiza atendimentos de urgência, consultas médicas especializadas, campanhas de vacinação e apoio psicossocial em parceria com equipes do Distrito Sanitário Especial Indígena de Minas Gerais e Espírito Santo (DSEI-MGES/SESAI) e secretarias municipais de saúde de São Joaquim de Bicas/MG e Belo Horizonte/MG. O grupo também recebe assessoria técnica do Instituto Nenuca de Desenvolvimento Sustentável (Insea), escolhido pelos indígenas para representá-los.
Entre os meses de junho e agosto, mesmo antes da assinatura do TAP-E, a empresa pagou – de forma antecipada – o auxílio emergencial ao povo indígena. E as demandas de recolhimento de lixo e abastecimento de água da aldeia Naô Xohã, impactada pelo rompimento, são atendidas rotineiramente pela empresa.
Também em relação aos indígenas Pataxó Hã Hã Hãe da aldeia Katurãma, o grupo é apoiado desde 2019 por ações da Vale. Recentemente as famílias firmaram sua permanência no território denominado “Mata do Japonês”, em imóvel cedido pela Associação Mineira de Cultura Nipo-Brasileira.
Os indígenas que compõem esta aldeia são abrangidos pelo suporte econômico complementar.
A Vale ressalta, ainda, que será realizado estudo de impacto socioeconômico, pela consultoria técnica contratada, IEDS. Após a conclusão, poderão ser estabelecidas outras medidas de reparação.