Fux termina voto de quase 12 h, e STF tem maioria para condenar Cid e Braga Netto na trama golpista
Ministro foi o terceiro a votar na ação penal da trama golpista contra Bolsonaro e outros sete réus
Brasília|Victoria Lacerda, Rafaela Soares, Giovana Cardoso, Yumi Kuwano e Rute Moraes, do R7, em Brasília

O ministro da Primeira Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) Luiz Fux foi terceiro a votar no julgamento da trama golpista que envolve o ex-presidente Jair Bolsonaro e mais sete aliados. Ele falou por cerca de 12 horas. O voto do ministro tinha 429 páginas.
A sessão desta quarta estava prevista para acontecer apenas pela manhã, mas se estendeu até a noite e teve quatro intervalos ao longo da sustentação de Fux.
Fux abriu divergência e votou pela absolvição total dos seguintes réus:
- Jair Bolsonaro, ex-presidente;
- Almir Garnier, ex-comandante da Marinha;
- Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa;
- Augusto Heleno, ex-ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional);
- Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e Segurança Pública;
- Alexandre Ramagem, deputado federal e ex-diretor da Abin (Agência Brasileira de Inteligência).
Contudo, Fux votou para aceitar a acusação contra o tenente-coronel Mauro Cid e o general Walter Braga Netto por um crime: tentativa de abolição violenta do Estado democrático de Direito. Com isso, há maioria de votos para condená-los por essas infrações.
Além disso, o ministro votou para suspender por completo a ação penal contra Ramagem.
Antes dele, os ministros Alexandre de Moraes e Flávio Dino votaram para condenar os réus pelos cinco crimes imputados pela PGR (Procuradoria-Geral da República):
- Organização criminosa armada;
- Tentativa de abolição violenta do Estado democrático de direito;
- Tentativa de golpe de Estado;
- Dano qualificado pela violência e grave ameaça; e
- Deterioração de patrimônio tombado.
Com relação a Ramagem, no entanto, o voto de Moraes e Dino foi para condená-lo por organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado democrático de direito e tentativa de golpe de Estado.
Por decisão do STF após aprovação da Câmara, os outros dois crimes devem ser julgados só depois do fim do mandato dele como deputado federal.
Mauro Cid
Com o voto do ministro, o colegiado formou maioria para condenar o tenente-coronel Mauro Cid por tentativa de abolição violenta do Estado democrático de Direito.
Fux explicou no voto dele que esse crime deveria absorver o crime de golpe de Estado. Dessa forma, segundo o voto dele, a análise da conduta de Mauro Cid para esses dois crimes é concentrada na tentativa de abolição violenta do Estado democrático de Direito.
Por outro lado, Fux defendeu a absolvição de Cid pelos demais crimes imputados pela PGR (Procuradoria-Geral da República): organização criminosa, dano qualificado pela violência e grave ameaça e deterioração de patrimônio tombado.
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Almir Garnier
Fux defendeu a absolvição do ex-comandante da Marinha Almir Garnier da acusação de todos os crimes imputados pela PGR.
Sobre a acusação de integrar organização criminosa, ele disse que “a conduta narrada na denúncia e atribuída ao réu Almir Garnier está muito longe de corresponder à de um membro de uma associação estável e permanente, estruturalmente ordenada com divisão de tarefas voltada à obtenção de vantagem ilícita mediante a prática de crimes punidos com pena maxima superior a 4 anos”, disse.
“A mão tem que entrar na luva, os fatos têm que corresponder ao tipo penal. Não há qualquer evidência que o réu tenha aderido a uma organização criminosa”, reforçou o ministro, acrescentando que as reuniões que Garnier teve com Bolsonaro e outras autoridades em 2022 nas quais teria discutido medidas excepcionais não são prova de que “tenha havido deliberação de praticar, de modo estável e permanente, crimes indeterminados”.
Fux também votou para absolver Garnier por tentativa de abolição violenta do Estado democrático de Direito ou golpe de Estado. Segundo a acusação da PGR, o ex-comandante da Marinha teria colocado “tropas à disposição” de Bolsonaro para um eventual golpe.
Contudo, o ministro comentou que “apenas a afirmar que está à disposição ou que tropas estão à disposição, não corresponde efetivamente a um auxílio material concreto”.
A denúncia, segundo Fux, não imputou a Garnier a conduta de ter efetivamente convocado suas tropas ou as mantido de prontidão. Ele afirmou que há uma “enorme distância” entre o “apoio” (ou mera declaração de disponibilidade) e a “efetiva execução da medida e prestação de auxílio”, distância que, segundo o ministro, “não foi percorrida pelo réu”.
Jair Bolsonaro
Fux votou para absolver Bolsonaro de todas as acusações, alegando ausência de provas suficientes, inadequação dos fatos aos tipos penais e falhas na acusação da PGR. Ele enfatizou que a responsabilidade criminal deve ser provada “acima de qualquer dúvida razoável”.
O ministro argumentou que as condutas praticadas por Bolsonaro durante seu mandato como presidente da República não podem configurar o crime de golpe de Estado.
Ele explicou que o Código Penal, ao criminalizar a tentativa violenta de “depor o governo legitimamente constituído”, pressupõe a prática de conduta tendente a remover o presidente em exercício. Como Bolsonaro era o próprio presidente à época, ele não poderia “depor o governo”, segundo Fux.
Fux também disse que não pode imputar a Bolsonaro a responsabilidade pelos crimes praticados por terceiros em 8 de janeiro de 2023. Ele considerou que essa acusação, que busca vincular Bolsonaro aos atos de depredação como decorrência de discursos e entrevistas proferidos ao longo do mandato, não encontra amparo na legislação criminal.
O ministro destacou que não é possível considerar alguém partícipe de um crime praticado meses ou anos depois por terceiros, com os quais não possui relação, “tão somente por ter proferido palavras e falas genericamente consideradas como incentivo à ruptura institucional”.
Fux também rebateu as acusações sobre a “minuta do golpe” contra Bolsonaro, afirmando que os documentos não passaram de “cogitação” ou “atos preparatórios” sem potencial executório. O ministro avaliou que não havia provas robustas de que Bolsonaro tivesse conhecimento ou participação ativa e dolosa na elaboração dos textos ou apresentação com intento criminoso.
Além disso, o ministro disse que a própria acusação da PGR tem contradições e falhas que impedem um juízo de certeza necessário para uma condenação.
Braga Netto
Fux votou para aceitar a acusação contra Braga Netto por tentativa de abolição violenta do Estado democrático de Direito, formando maioria para condená-lo pelo crime.
O ministro defendeu a condenação pela participação do general no planejamento e financiamento da “Operação Copa 2022”, que visava monitorar e assassinar autoridades, como o ministro Alexandre de Moraes, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o vice-presidente Geraldo Alckmin.
Fuz lembrou que Braga Netto foi o responsável por financiar a ação dos “kids pretos”, conforme declarado por Mauro Cid. Dias após a reunião, um coronel solicitou dinheiro para as operações discutidas, e Braga Netto entregou o valor (em uma sacola de vinho), afirmando que o dinheiro havia sido obtido junto ao “pessoal do agronegócio”.
Embora Braga Netto tenha negado em juízo ter entregue o dinheiro, alegando que pensou ser para campanha e direcionou Cid a um tesoureiro, o ministro considerou o financiamento comprovado.
Fux enfatizou que a morte violenta de um integrante da Suprema Corte seria um “episódio traumático para a estabilidade política do país”, gerando comoção social e colocando em risco a separação dos Poderes, a alternância democrática do poder e a confiança da população nas instituições.
Paulo Sérgio Nogueira
Fux votou a favor da absolvição completa do ex-ministro da Defesa do governo Bolsonaro. Ele disse que a denúncia não apontou que Paulo Sérgio Nogueira tenha convocado as Forças Armadas para permanecer de prontidão para um eventual golpe militar.
Além disso, o ministro pontuou que o atraso na entrega do relatório das Forças Armadas sobre as urnas eletrônicas é “reprovável, mas não um ato executório”.
Fux reiterou que crimes de atentado exigem início de execução, não bastando cogitações, ventilações de ideias ou atos preparatórios.
Segundo ele, o desejo ou aprovação de uma ruptura institucional, sem atos concretos que deem início à execução, não preenche os elementos dos tipos penais.
Augusto Heleno
Fux também votou para absolver Augusto Heleno de todas as acusações da PGR.
“Os documentos que embasam a acusação foram disponibilizados de forma desorganizada com nomes desconexos e dezenas de páginas de um servidor. O sucinto capítulo da peça acusatória referente a Heleno ignorou solenemente os centenas de milhões de megabytes de supostas provas e basicamente se limitou a um rascunho rudimentar apreendido com o réu”, pontuou Fux.
“Esse arquivo, fundamental para a narrativa ministerial no caderno de anotações do réu, foi adicionado à pasta eletrônica apenas dois dias antes do interrogatório, evidente violação ao direito a ampla defesa”, acrescentou.
Anderson Torres
Fux também votou para absolver Anderson Torres de todas as acusações da PGR.
O ministro observou que, embora Torres tenha participado de reuniões com militares e autoridades, não há documentos, imagens ou vídeos que comprovem que ele determinou, planejou a abolição do Estado democrático de Direito ou atuou com violência e grave ameaça.
Fux também pontuou que o fato de uma minuta golpista não assinada ter sido encontrada na casa do ex-ministro não caracteriza o início de um ato material.
Fux disse ainda que a acusação de uso da PRF (Polícia Rodoviária Federal) para impedir eleitores de Lula de votar no segundo turno em 2022 não procedeu. Segundo o ministro, a ocorrência de uma blitz em um dos 937 municípios do Nordeste onde o presidente Lula obteve alta votação não autoriza a conclusão de que a PRF estava sendo usada para fins ilícitos.
Fux disse que depoimentos de diversas autoridades, incluindo delegados da Polícia Federal e o chefe de gabinete do ministro da Justiça, foram uníssonos em afirmar que Torres sempre adotou um tom institucional e nunca realizou gestos ou ações com conotação partidária ou plano insidioso de favorecimento político.
Alexandre Ramagem
Fux também votou para absolver Alexandre Ramagem de todas as acusações da PGR.
Segundo ele, a proximidade de Ramagem com Bolsonaro e o alinhamento ideológico, mesmo que confirmados por documentos, não configuram crime. O ministro disse que a criminalização do pensamento, mesmo que “deplorável e inaceitável”, é inadmissível em uma república democrática.
Fux destacou que não há provas de que a Abin tenha monitorado ilicitamente pessoas por ordem de Ramagem ou que isso tenha configurado ato executório violento.
O ministro reconheceu que o “uso indevido da Abin para com desvio de finalidade é deveras reprovável, mas não caracteriza por si só uma ação violenta para tentar abolir o Estado democrático de Direito”.
Organização criminosa
Antes de votar sobre qual deveria ser a pena para cada um dos réus, Fux defendeu que todos sejam absolvidos pelo crime de organização criminosa.
Ele destacou que a definição de organização criminosa envolve a associação de três ou mais pessoas, estruturadas e com divisão de tarefas, mesmo que informal, com o objetivo de obter vantagens por meio da prática de crimes.
Ele ressaltou que, teoricamente, o crime de organização criminosa se baseia na prática contínua de diferentes delitos. “Na quadrilha, mesmo depois de um crime ser cometido, o vínculo associativo permanece para possibilitar a prática de outros”, afirmou.
Em uma das falas mais destacadas, Fux explicou que a imputação do crime exige mais do que uma simples reunião de pessoas.
“A imputação do crime de organização criminosa exige mais do que a reunião de vários agentes para a prática de delitos e a pluralidade de envolvidos. A existência de um plano delitivo, por si só, não tipifica o crime de organização criminosa.”
Fux disse que, a partir do momento no qual os agentes finalmente decidirem praticar atos e os delitos planejados anteriormente, responderão de acordo com sua respectiva autoria e participação.
“Ainda que os agentes discutam durante vários meses se devem ou não praticar determinado delito, o caso cai no âmbito da reprovação moral e social. Mas não possibilita a atuação do Direito Penal”, afirmou.
O ministro acrescentou que a organização criminosa se caracteriza por uma atuação duradoura em comum, voltada à prática de crimes não necessariamente individualizados ou restritos a uma única espécie, incluindo homicídios, roubos e extorsões. A associação permanente visa cometer delitos variados, nunca um único crime isolado, segundo Fux.
Ele explicou ainda que, mesmo em experiências anteriores de delinquência, a participação societária em crimes não se isenta de pena caso haja prática de delito. “Mesmo em situações de participação concluída, não há organização estável entre os autores isolados”, disse.
Fux destacou que o concurso de pessoas serve exatamente para distinguir essas situações, e que a caracterização de crimes associativos, incluindo organização de pessoas e associação de pessoas (antiga formação de quadrilha), exige o cumprimento de requisitos específicos.
“A denúncia não narrava em qualquer trecho que os réus pretendiam praticar delitos reiterados, de modo estável e permanente, pois isso exigiria um horizonte temporal definido, o que não ocorreu na inicial. As alegações finais também não indicaram permanência e estabilidade da organização para a prática de delitos determinados. Além disso, não há menção alguma de que a prática dos crimes tenha sido determinada”, afirmou.
Emprego de arma
Logo em seguida, Fux passou a analisar a tipicidade para organização criminosa com emprego de arma. Segundo ele, é necessário usar a arma para configurar o crime e, por isso, essa acusação não seria procedente no caso do núcleo 1 da trama golpista.
“É preciso que a denúncia narre e comprove efetivo emprego de arma de fogo por algum membro do grupo durante as atividades da organização criminosa.”
Essa tipificação, segundo a lei, é um agravante e pode aumentar a pena. “Não basta o mero porte”, completou o ministro.
Fux destacou que a denúncia não descreve qualquer emprego de arma de fogo pelos réus. “Nas alegações finais, há apenas uma menção a arma de fogo, que não se relaciona com os supostos integrantes da organização criminosa”, afirmou.
8 de Janeiro
O ministro Luiz Fux comentou sobre a natureza dos delitos relacionados aos atos de 8 de janeiro:
“O meu modo de ver revelou-se equivocado. Mesmo em tese, um delito de abolição violenta constitui-se como meio para a prática de outro delito, que é o golpe contra o Estado. Pelo entendimento de vários ministros, observamos que, nos casos relacionados a 8 de janeiro, se iniciaram milhares de ações penais, sendo certo que as primeiras foram protocoladas de forma adequada para a análise das soluções. Nessas ações, alguns ministros começaram a ter dúvidas sobre a sobreposição de delitos”, afirmou.
Dano e deterioração do patrimônio público
De acordo com Fux, a denúncia afirma que a dinâmica criminosa teria se desenvolvido ao longo de um tempo para concretizar a tomada de poder por meio de um golpe de Estado.
Para ele, é necessário recorrer ao princípio da subsidiariedade. “De acordo com esse princípio, um delito só deve ser considerado se não houver um crime mais grave que o absorva”, afirmou.
“Como indica a própria denúncia, o objetivo era concretizar a tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito e o crime de golpe de Estado, ou seja, delitos muito mais graves do que o de dano”, acrescenta.
Depois, o magistrado indagou que a maioria das pessoas que participaram do 8 de Janeiro, os quais chamou de vândalos, sabiam que a conduta era ilícita.
“No caso, os vândalos que destruíram os bens de inestimável valor para a República não eram, em sua maioria, inimputáveis. Será que alguém ali acreditou que sua conduta era lícita?”, completou o ministro.
Ação e omissão
Fux também afirmou que a responsabilização criminal deve se basear na legislação vigente e não pode ser tolerada em situações de ilícito. “A responsabilidade não se limita à ação, mas também à omissão que impede a ocorrência do crime”, disse.
No voto, Fux defendeu que não há evidências nos autos de que os réus se omitiram de impedir a vandalização dos bens públicos no dia 8 de janeiro. “Pelo contrário, há evidências de que, assim que a destruição começou, tomaram medidas para evitar que o edifício do Supremo fosse invadido pelos vândalos.”
Provas individuais
Fux afirmou que a responsabilização de réus sem prova individualizada de conduta é equivocada. “Diante da ausência, da individualização dos atos e da falta de prova de prejuízo específico causado por cada réu, a responsabilização é absolutamente errada”, declarou.
Ele explicou que, conforme o princípio da proporcionalidade da sanção, não é possível atribuir responsabilidade solidária nem aplicar responsabilidade objetiva nesse contexto. “Isso resultaria em uma presunção de participação sem qualquer prova concreta ou determinação mínima sobre cada envolvido”, disse.
Fux exemplificou com um caso anterior: uma senhora, que por impulso da multidão participou de uma invasão, teve sua conduta avaliada pelo laudo pericial, que concluiu não haver dano concreto. “Enquadrei pelo dano que ela causou, ainda que mínimo, num bem tombado, mas só nisso”, destacou o ministro.
Abolição violenta do Estado Democrático de Direito
Após a pausa para o almoço, o ministro Luiz Fux iniciou a análise do crime de abolição violenta do Estado democrático de Direito. Logo no início de sua fala, o magistrado pontuou que o conceito de democracia mudou ao longo dos anos.
Segundo o ministro, a ideia de igualdade pública exige ainda que direitos liberais e civis fundamentais sejam igualmente respeitados pelo processo democrático, funcionando assim como limite à atuação da decisão majoritária.
“Não existe consenso sobre quais instituições devem compor conceito de democracia para garantir a vontade popular respeitada, evitando o domínio por um grupo de indivíduos, mas, ao mesmo tempo, filtrada, refinada e limitada, de modo a combater a tirania da maioria”, afirmou Fux.
Preliminares
‘Tsunami de dados’
Fux afirmou ter tido “extrema dificuldade” para redigir seu voto e criticou o que chamou de “tsunami de dados”, em referência ao volume dos arquivos disponibilizados às defesas dos réus — cerca de 70 terabytes de provas.
“O eminente relator nos trouxe um trabalho de grande densidade, algo que ninguém conhecia antes. Confesso que, para mim, elaborar este voto foi de extrema dificuldade, e explico por quê: não se trata de um processo simples, não apenas pelo número de denunciados e de crimes imputados, mas também pela quantidade de material probatório reunido”, disse o ministro.
Ele destacou ainda que o acesso integral aos materiais apreendidos na fase de investigação só ocorreu em meados de maio e criticou a forma como os documentos foram entregues. Segundo ele, o material foi disponibilizado “em pastas sem qualquer rotulação adequada ou índice que permitisse uma pesquisa efetiva”.
“Foi nesse contexto que as defesas alegaram cerceamento de defesa, em razão dessa disponibilidade tardia que apelidei de um ‘tsunami de dados’. Nem acreditei, porque são bilhões de páginas e, apenas em 30 de abril de 2025, portanto, mais de um mês após receber a denúncia, em menos de 20 dias foi proferida a decisão deferindo a entrega de mídias e dos materiais apreendidos”, disse.
O magistrado também ressaltou que é imprescindível que os acusados tenham pleno conhecimento, com a máxima antecedência, de todas as provas produzidas contra si.
“Isso vale para os julgados de ontem e de hoje, independentemente de suas matizes ideológicas. O devido processo legal vale para todos”, afirmou.
Fux também fez referência ao que chamou de “datadump”, ou seja, a disponibilização tardia e massiva de dados. Segundo ele, essa situação já foi enfrentada em precedentes da Suprema Corte dos Estados Unidos, como no caso Oran-Hillary.
Falta de foro
Fux também defendeu que o processo não deveria ser apreciado pela corte, já que não há réus com prerrogativa de foro.
Segundo Fux, o primeiro pressuposto que o juiz deve observar, antes mesmo de analisar a denúncia, é verificar se possui competência, ressaltando que só há jurisdição quando há competência.
“Como ensina o professor Calamandrei, a obediência à competência estrita é um dos pilares do Estado de Direito: a jurisdição só se exerce quando a competência está presente”, disse.
Ao concluir essa parte do voto, o ministro defendeu a nulidade dos atos praticados no processo por considerar o STF incompetente para julgá-lo.
“Para o julgamento deste processo, é preciso considerar que os denunciados já haviam perdido seus cargos. Como é sabido, a incompetência absoluta para o julgamento impõe a nulidade de todos os atos decisórios praticados. Recordo que essa foi, inclusive, a razão pela qual a corte já anulou processos em situações semelhantes”, ressaltou.
Delação de Mauro Cid
Fux decidiu a favor da validade do acordo de delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro.
“Mudar de entendimento é manifestação de humildade judicial, é evoluir. O direito não é um museu de princípios, está em constante mutação.”
Fux chamou atenção que o delator foi chamado para um “complexo de crimes” como esse. “Ele não foi chamado para inventar, mas para fatos novos que a própria polícia noticiava a ele”, disse.
“Mas, nesse caso, o réu colaborou com as delações sempre acompanhado de advogado. E as advertências pontuais feitas pelo delator do descumprimento do pacto, isso faz parte do rol de perguntas que se pode fazer ao colaborador. O colaborador acabou se autoincriminando.”
Julgamento no plenário
Ao analisar outra preliminar, Fux afirmou que o caso deveria ser apreciado pelo Plenário do STF, e não pela Primeira Turma. “Está sendo julgado como se presidente fosse”, disse o ministro sobre Bolsonaro, ao defender que, por essa razão, não caberia análise pelo colegiado.
“Ao rebaixar a competência original do plenário para uma das turmas, estaríamos silenciando as vozes de ministros que poderiam diversificar a forma de pensar sobre os fatos a serem julgados nesta ação penal”, afirmou.
Com essa “incompetência” do STF para julgar o caso da trama golpista, Fux afirmou que isso acarretaria a nulidade do processo.
Exclusão de Ramagem
Fux também analisou um pedido de suspensão da ação penal do réu Alexandre Ramagem. O ministro defendeu a suspensão dos crimes imputados a Ramagem.
O atual deputado federal, ao contrarário dos outros réus, responde por três crimes:
- Organização criminosa armada;
- Tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito; e
- Golpe de Estado
Isso se deu após um movimento da Câmara dos Deputados de aprovar um pedido de suspensão parcial da ação penal contra o parlamentar pelos crimes de dano qualificado contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado.
Sem juízo político
No início de sua fala, Fux afirmou que não cabe à corte realizar um “juízo político sobre o que é bom ou ruim”. “Ao contrário, cabe a este tribunal afirmar o que é constitucional ou inconstitucional, legal ou ilegal, sempre sob a perspectiva da Carta de 1988 e das leis brasileiras”, disse.
O ministro destacou ainda que, por ser a mais alta corte do país, o STF serve como uma “bússola” de legalidade.
Segundo ele, o tribunal tem como papel não apenas interpretar a Constituição, mas também conduzir “um processo judicial que tem por finalidade maior assegurar a cada réu a plenitude do contraditório e da ampla defesa”.
Imparcialidade
Fux também ressaltou a necessidade de imparcialidade do magistrado. “O juiz deve atuar no processo penal com distanciamento, não apenas em respeito à competência investigativa ou acusatória, mas também em razão de seu necessário dever de imparcialidade. Ainda assim, exerce dois papéis essenciais na Justiça criminal”, afirmou.
Na introdução do voto, antes de entrar no mérito do processo, ele destacou que o juiz deve decidir pela absolvição quando houver dúvidas. “E aqui reside a maior responsabilidade da magistratura: condenar quando há certeza e, o mais importante, ter a humildade de absolver quando houver dúvida”, concluiu.
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