Altamira: mães tentam frear mortes na cidade mais violenta do Brasil
Mulheres que tiveram filhos mortos criam grupo no município de Belo Monte
Cidades|Giorgia Cavicchioli, do R7


“Altamira está morrendo porque os jovens de Altamira estão morrendo”, diz Málaque Mauad Soberay, de 47 anos. Após o assassinato de seu filho, no mês passado, ela articula a criação de um grupo para tentar frear a onda de mortes na cidade mais violenta do País: as Mães do Xingu.
Base da usina de Belo Monte, no interior do Pará, Altamira aparece no topo do ranking de assassinatos entre municípios brasileiros com mais 100 mil habitantes, segundo o último Atlas da Violência publicado pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), órgão vinculado ao Ministério do Planejamento.
Com taxa de 105,2 assassinatos por 100 mil habitantes, a cidade supera em quase 13 pontos a segunda colocada, Lauro de Freitas, na Bahia, cuja taxa é 92,5.
Para se ter uma dimensão, o índice da cidade de São Paulo é 13,2 e o do município do Rio de Janeiro é 22,3.
A perda do filho
Morador da área central de Altamira, Magid Elias Mauad França, 22 anos, o filho de Málaque, foi morto em 2 de outubro em um RUC (Reassentamento Urbano Coletivo) — como são chamadas as regiões onde vivem famílias deslocadas para a construção da usina. Periféricas, as áreas sofrem com a fama de perigosas.

“Ele era um filhão”, diz Málaque. “Grande na estrutura, mas uma criança. Dizia que não iria casar, que iria ficar comigo para sempre. Me enganou.”
A morte de Magid — ainda não esclarecida — provocou comoção entre os colegas do rapaz, que cursava Geografia na UFPA (Universidade Federal do Pará), a principal universidade do Estado. Uma passeata foi organizada. “Depois da caminhada, eles [amigos de Magid] não queriam parar”, conta Málaque.
Surgiu assim o embrião das Mãe do Xingu: um grupo de whatsapp batizado de “Levante pela Paz em Altamira”.
Foi acompanhando o grupo com os amigos do filho que Málaque sentiu a necessidade de conversar com outras mães que viviam situação semelhante à sua.
Violência após a usina
Na mesma semana em que Magid foi assassinado, ocorreram outros oito homicídos na cidade. Málaque atribui a violência crescente na região à construção de Belo Monte. “Tudo começou aí. A cidade não tinha estrutura para receber tanta gente.”

Desde o início das obras da usina, no começo da década passada, a população da cidade cresceu quase 50%. Em 2000, o município tinha 77 mil habitantes, ante os 111 mil moradores de hoje, seguno o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). No mesmo período, conforme dados do Ipea, a taxa de homicídios na cidade saltou de 16,8 mortes por 100 mil habitantes para os atuais 105,2.
No mês passado, Málaque bateu de porta em porta para conversar com as mães dos jovens mortos recentemente. Algumas se mostraram temerosas. Outras, se abriram ao grupo. Foram ligações, conversas e reuniões para unir, até o momento, outras quatro famílias. “É um trabalho de formiguinha”, conta.
Um rio que une
O nome do grupo — Mães do Xingu — também está ligado à união que Málaque procura. “Xingu é o nosso rio, que banha várias cidades”, diz a mãe de Magid. Ela ainda busca mais 12 mães.

Na última sexta-feira (3), a mãe de Magid deu mais um passo em sua peregrinação para montar o grupo: iniciou contato com as Mães de Maio, criado após a onda de violência de maio de 2006 em São Paulo, quando ataques do PCC seguidos de ações policiais eleveram o número de mortos por arma de fogo no Estado para 564 num único mês. “Preciso saber por onde ir, como fazer”, afirma.
Mesmo ainda em fase de formação, o grupo de Málaque tem sua primeira ação pública programada para esta segunda-feira (6): as Mães do Xingu estarão ao lado da Associação de Cabos e Soldados da Polícia Militar e Bombeiros Militares em uma manifestação pela paz nas ruas de Altamira.