Facções criminosas assumem contrabando na fronteira e Brasil tem prejuízo de R$ 115 bilhões
Máfias passaram a dominar o mercado ilegal e o produto mais contrabandeado é o cigarro
Cidades|Caroline Apple, do R7
O contrabando no Brasil passou por mudanças nos últimos 10 anos que alteraram a categoria dos produtos comercializados e também o perfil dos contrabandistas. O sistema se profissionalizou e a imagem típica de sacoleiros e muambeiros atravessando a pé ou de ônibus a Ponte Internacional da Amizade deu lugar à atuação em massa do crime organizado, que se especializou no comércio ilegal de cigarros. O resultado é um prejuízo anual aos cofres brasileiros de cerca R$ 115 bilhões.
Estudo realizado pelo Idesf (Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras) aponta que 67,44% do contrabando que entra no País pelo Paraguai é de cigarro. Os principais contrabandistas são integrantes de facções criminosas, como o Comando Vermelho, o PCC (Primeiro Comando da Capital), as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e a Máfia Mexicana.
Famílias paraguaias tradicionais de contrabandistas ainda atuam nas fronteiras, entretanto muitas delas viraram parceiras das facções, que agem por terra e por rios, travando com a Polícia Federal brasileira perseguições que se assemelham às cinematográficas. Lanchas repletas de contrabando atingem velocidades de 90 km/h no Rio Paraná ou no Lago de Itaipu e não é incomum troca de tiros. O desemboque da mercadoria é feito em um dos ao menos 190 portos clandestinos espalhados por toda a margem do rio paraná e do lado de Itaipu.
Mas não é só com a polícia que os contrabandistas encontram resistência. Facções rivais roubam cargas e promovem mortes e chacinas nas cidades fronteiriças. Os chamados “piratas” atuam tanto em terra quanto em rios. O resultado é índices de morte alarmantes, como o caso de Guaíra, que fica na tríplice fronteira (Paraguai, Mato Grosso do Sul e Paraná). A média de mortes na cidade entre 2008 e 2013 foi de 99,62 homicídios para cada 100 mil habitantes. O número é maior do que o de Alagoas, considerado o Estado mais violento do Brasil em 2014, quando registrou 66,5 assassinatos para cada 100 mil habitantes.
Apreensões
A Receita Federal não tem ideia da fatia do contrabando que representa as apreensões. Somente em seu depósito em Foz do Iguaçu (PR), o maior do País, o órgão tem um estoque de produtos contrabandeados avaliado em R$ 190 milhões, entre todo o tipo de produto que se pode imaginar, como tampas de garrafas, produtos eletrônicos, motos, lanchas.
De acordo com o delegado da Receita Federal Rafael Dolzan, 90% de tudo que está no local pode ser reaproveitado.
— O bem fica à disposição da União. Fazemos leilões, doações para entidades filantrópicas e também incorporamos algumas apreensões em órgãos públicos.
O cigarro é o único item que é destruído. A Receita Federal destrói, em média, por dia, 18 toneladas de maços de cigarro. O resíduo é usado como combustível de caldeira, porém, as caldeiras não estão dando conta de tanto material e a cooperativa que cuida da destruição vai começar uma parceria com a prefeitura de Foz do Iguaçu para reciclar o papel e o fumo ser levado para composteiras.
Fábricas paraguaias
O clima é de cavalheiros entre o Brasil e o Paraguai, porque ambos os países contribuem de forma legal para o contrabando.
Cerca de 40% do fumo usado nas fábricas de cigarro paraguaias é exportado de estados brasileiros, como o Rio Grande do Sul. Do outro lado, o Paraguai fabrica mais de 70 bilhões de cigarros por ano, sendo que apenas 2% é para consumo interno e a Polícia Federal do Brasil afirma desconhecer contratos de exportação do cigarro paraguaio para outros países.
Porém, toda a venda do cigarro dentro do território paraguaio é legal. O produto passa a ser ilegal quando ultrapassa a fronteira brasileira, principalmente aquelas que fazem divisa com o Paraná e com o Mato Grosso do Sul, sem pagar os devidos tributos.
As empresas são lucrativas e estão em expansão. É o que mostram imagens aéreas apresentadas pelo Idesf, nas quais há fábricas em construção, com novos telhados e galpões. Uma dessas empresas, inclusive, é do presidente do Paraguai, Horacio Manuel Cartes, dono da Tabesa (Tabacalera del Este), que corresponde a 30% do que é produzido no país.
Marco Berzoini Smith, delegado da Polícia Federal de Guairá (PR) – uma das principais rotas do contrabando -, evita falar numa suposta vista grossa e benefícios por parte do governo paraguaio no contrabando, e enfatiza a dificuldade de lidar com esse tipo de crime.
— Esse tipo de crime é fluido. Quando você contém ele de um lado, ele procura outra forma. Os contrabandistas trabalham em nossas falhas e fraquezas.