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Falta de água, tortura e visitas: a situação de presídios no Ceará

Peritos do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura visitaram unidades prisionais no Estado entre 25 de fevereiro e 1º de março deste ano

Cidades|Kaique Dalapola, do R7

Presos em posição para
'procedimentos'
Presos em posição para 'procedimentos'

Relatório elaborado pelo MNPCT (Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura) aponta diversas violações do Estado do Ceará no sistema carcerário. A falta de água para as pessoas presas, negativa de tratamento para os doentes e suspensão de visitas — inclusive de advogados — são alguns dos problemas relatados.

O documento, divulgado pela Agência Pública, foi elaborado após visitas de três peritos do MNPCT, entre 25 de fevereiro e 1º de março deste ano, em unidades prisionais do Ceará. A ideia foi “cumprir uma obrigação internacional assumida pelo Estado Brasileiro por meio da ratificação do Protocolo Facultativo à Convenção das Nações Unidas contra Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradante”.

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Procurada pela reportagem, a SAP-CE (Secretaria de Administração Penitenciária do Ceará) disse que "todas as instituições representativas como OAB, Ministério Público, Defensoria Pública, entidades de direitos humanos, além do próprio MNPCT, tem suas prerrogativas respeitadas e o acesso garantido nas unidades prisionais do Ceará, como pode ser conferido nos relatórios de visitação de cada unidade".


De acordo com o relatório, os peritos tiveram acesso a laudos realizados uma semana antes da visita, que constataram lesões nos presos. “Neles os médicos responsáveis identificaram um padrão de lesões localizados nas cabeças, mãos e dedos de diversos presos”, diz o relatório.

O MNPCT ainda aponta que “o uso de instrumentos contundentes e as partes do corpo lesionadas correspondem tanto aos instrumentos de tortura relatados quanto à posição em que os presos são submetidos em ‘procedimento’, fatos observados em diferentes unidades inspecionadas pelo Mecanismo Nacional”.


O “procedimento”, de acordo com os peritos que visitaram as unidades prisionais, são os momentos que os presos são obrigados a ficarem sentados imóveis e em silêncio. Quando não conseguem ficar sem se mexer ou acabam fazendo algum barulho, de acordo com o relatório, é utilizado spray de pimenta pelos agentes.

“Outros relatos ainda apontam que esses ‘procedimentos’ foram utilizados com os presos desnudos durante o dia, sob o sol escaldante do Ceará. Também foram comuns relatos de que durante os ‘procedimentos’ os presos são humilhados verbalmente e ameaçados tanto pelos agentes prisionais quanto pelos representantes da FTIP [Força Tarefa de Intervenção Penitenciária]”, aponta o relatório.


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Os peritos ainda constataram que os presos sofreram punições coletivas que tiraram “os poucos direitos que ainda restam aos detentos, como banho de sol e até o acesso a água e a alimentação complementar que as famílias trazem durante a visita”.

Presos reclamam de falta de tratamento médico
Presos reclamam de falta de tratamento médico

Até mesmo as visitas dos presos dos presos foram suspensas durante o período de atentados no Estado. O relatório aponta que “a punição coletiva sem qualquer amparo legal se configura como uma prática cruel e de tortura por parte de agentes do Estado que autorizam e a executam”.

O Mecanismo Nacional de Prevenção Combate à Tortura diz que “ficaram nítidos os indícios de práticas de tortura generalizada nas unidades visitadas por esta equipe. Ficou patente a ausência de um protocolo de uso da força que normatize as condições e os critérios para a utilização de equipamentos de segurança e para aplicação dos ‘procedimentos’”.

Os peritos ainda avaliaram que os presos doentes sofrem para seguirem tratamentos médicos. O relatório dá exemplo de um detento com diabetes, e que estava perdendo peso rapidamente por causa da má alimentação. O preso, então, necessitaria tomar doses extras da medicação.

"Essa prática acabava sendo banalizada, já que o paciente não tinha sua dieta alimentar respeitada e só podia usufruir de três refeições diárias sendo o intervalo entre o café da manhã e o almoço, entre o almoço e a janta de quase cinco horas, em média, e entre a última refeição do dia e o café da manhã do dia seguinte ultrapassa 12 horas de jejum", aponta o relatório.

Segundo a SAP-CE, "os presos do sistema carcerário cearense recebem quatro refeições diárias. Todas monitoradas e acompanhadas por equipe de nutricionistas, que garantem a quantidade necessária e saudável de proteínas, vitaminas, carboidratos e outros nutrientes exigidos".

Além disso, os peritos afirmam que, por causa da doença, o preso não conseguia dormir. Para solucionar esse novo problema, a gestão da unidade prisional dava mais medicamentos para o detento ter sono.

Única fonte de água de presos em unidade do Ceará
Única fonte de água de presos em unidade do Ceará

Segundo a secretária que administra os presídios, "o núcleo responsável pelo atendimento médico, odontológico e psicológico dos presos realizou 193 mil atendimentos nas unidades prisionais, que vão desde a atualização de vacinas até o cuidado psiquiátrico dos internos".

De acordo com os peritos, a informação da gestão é que uma das unidades prisionais contava com "dois poços artesianos, atendendo somente aquela unidade, e foi constatado que unidade possui um sistema de tratamento e dessalinização, antes da água chegar aos filtros".

No entanto, segundo o relatório, "era comum os detentos queixarem das condições da água que era fornecida, descrevendo como água salobra, pela quantidade de sal presente".

Na CPPL (Casa de Privação Provisória de Liberdade) III, a condição de acesso à água era ainda pior: "Se dava exclusivamente por um buraco na parede, que escorria através dela, e os presos usavam de forma racionada por cerca de 45 minutos, para encher os vasilhames que dispunha e poder ter um pouco de água armazenadas para o restante do dia".

Veja a íntegra da nota da SAP-CE:

"Sobre o Relatório de Missão ao Estado do Ceará do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), a Secretaria da Administração Penitenciária do Estado do Ceará esclarece que:

- Todas as instituições representativas como OAB, Ministério Público, Defensoria Pública, entidades de direitos humanos, além do próprio MNPCT, tem suas prerrogativas respeitadas e o acesso garantido nas unidades prisionais do Ceará, como pode ser conferido nos relatórios de visitação de cada unidade;

- O fechamento das 98 cadeias do Interior e a respectiva transferência dos presos para outras unidades garantiu segurança aos presos, agentes penitenciários e as cidades de origem, já que as cadeias em questão não tinham condições mínimas de estrutura. A readequação das unidades também permitiu que a SAP reordenasse suas equipes de Agentes e otimizasse suas forças de trabalho nos locais vigentes;

- A reestruturação e a presença do Estado tem por objetivo estabelecer o controle dentro da lei, o que ocasionou, por vezes, reações dos presos, como amotinamento e agressões contra servidores públicos. Os presos feridos nesse tipo de confronto foram medicados, autuados por um delegado de polícia e passaram por exame de corpo e delito, que não comprovam ferimentos com marcas ou fraturas com indícios de prática de tortura. Tudo registrado pelas unidades com acompanhamento de autoridades de outras instituições;

- Nos últimos 2 meses, a Secretaria da Administração Penitenciária do Ceará analisou, em parceria com a Defensoria Pública do Ceará, 7.188 processos. Isso garante a efetivação de medidas cautelares, retira das unidades os presos que não precisam estar encarcerados e diminui o problema estrutural da superpopulação carcerária;

- Nos 100 dias de existência da SAP, o núcleo responsável pelo atendimento médico, odontológico e psicológico dos presos realizou 193 mil atendimentos nas unidades prisionais, que vão desde a atualização de vacinas até o cuidado psiquiátrico dos internos;

- Também informamos que os presos do sistema carcerário cearense recebem quatro refeições diárias. Todas monitoradas e acompanhadas por equipe de nutricionistas, que garantem a quantidade necessária e saudável de proteínas, vitaminas, carboidratos e outros nutrientes exigidos;

- Reiteramos o esforço dos setores de inclusão social e educação do sistema, que nos últimos 3 meses já colocaram mais de 3 mil internos nos bancos escolares e mais de 2 mil presos e egressos para trabalho e qualificação. Ainda neste mês de abril lançaremos um programa desafiador de colocar quase 5 mil presos em cursos do Senai e Senac e iniciaremos o processo de industrialização dos presídios, em parceria com empresas de peso como Mallory e Ypioca;

- Desde o último mês de março, mais de 20 mil familiares visitaram os detentos, só que agora com organização, limpeza e liberdade, sem passar por extorsões do crime organizado ou até mesmo serem assediados e violentados por outros internos.

- Reiteramos também que todos os nossos presos recebem kits higiênicos individuais com escova e pasta de dentes, barbeador, sabonete e desodorante;

- Contamos com a ouvidoria que recebe denúncias através do disque 100 ou dos canais da própria SAP, como telefone, email, Facebook ou de forma presencial. As denúncias são encaminhadas aos setores e órgãos para o correto fluxo de esclarecimentos. Algumas delas são encaminhadas para a Corregedoria para adoção de medidas.

O Sistema Penitenciário do Ceará passa por profundas mudanças, com forte atuação e presença do Estado. Desde a adoção dos procedimentos atuais, não se verificou mais rebeliões ou fugas nessas unidades.

Portanto, reiteramos nosso compromisso com a aplicação do Código Penal e com a Lei de Execuções Penais."

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