Homicídios contra indígenas sobem 21,6% na última década no Brasil
Entre 2009 e 2019, segundo Atlas da Violência, 2.074 indígenas foram assassinados no Brasil. Taxas atingiram ápice em 2017
Cidades|Guilherme Padin, do R7
A taxa de homicídios contra os povos indígenas subiu 21,6% na última década no país, segundo dados do Atlas da Violência, publicado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública nesta terça-feira (31). Nos últimos 11 anos, de acordo com o estudo, foram 2.074 assassinatos no país.
Em 2009, a taxa era de 15 indígenas mortos a cada 100 mil, e o número cresceu para 24,9 em 2017, chegando ao seu ápice. Em 2019, apesar de uma leve redução, se manteve bastante acima de 11 anos atrás: 18,3 por 100 mil. Cabe pontuar, ainda, que esse aumento ocorreu enquanto o país registrou queda de 22% nos homicídios entre toda a população.
Para os pesquisadores, há uma relação de violência já estruturada por parte da sociedade brasileira, de modo geral, com os povos originários que vivem no país, e o crescimento na letalidade pode estar relacionado com a expansão de alguns setores econômicos.
“A hipótese são as claras: os indígenas vivem uma violência estrutural, e vimos movimentos da economia privada, a expansão do agronegócio, da extração de soja, madeira. E há uma participação do Estado, que passou a atuar na exploração hídrica dentro de terras indígenas ou áreas próximas. Essa movimentação provavelmente é uma das razões desse aumento”, afirma Frederico Silva, pesquisador do Ipea, à reportagem.
Helder Ferreira, coordenador do estudo, que também participa da produção do Atlas, comenta que nos municípios com terras indígenas (TIs) as taxas são mais altas.
“A publicação mostra que as taxas de homicídios são maiores nos municípios com TIs. Em 2019 a taxa de homicídios de indígenas em municípios com terras indígenas foi de 20,4 por 100 mil indígenas, já nos municípios sem terras indígenas a taxa foi de 7,7 por 100 mil”, diz Ferreira.
A respeito dos municípios com terras indígenas, Frederico Silva comenta que, pela proximidade, o fluxo de contato entre os povos originários e o contexto urbano é maior, o que influencia nesta diferença: “os povos não são todos isolados, há alguns que mantem um fluxo com troca de comércio e/ou acesso a serviços públicos. Esses contatos com a cidade abrem uma possibilidade para os conflitos se desdobrarem no espaço das cidades”.
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Pouco mais de 2.000 mortes poderiam ser consideradas um número baixo se fossem postas em uma comparação – errônea – com o restante da população brasileira. Silva explica que a quantidade de povos originários no país já é pequena, próxima de 900 mil pessoas, e que qualquer taxa de homicídio é preocupante, sobretudo se consideradas as variedades de grupos étnicos, com populações ainda mais reduzidas.
“E de qualquer forma, são taxas que crescem, que é o ponto mais relevante. Falamos de números pequenos, mas que são super importantes para as etnias indígenas. A acessibilidade das etnias indígenas à violência é muito grande. Há populações étnicas muito pequenas. Qualquer tipo de violência, é um risco à perda dessa cultura”, conclui.
Subnotificação
Dois contextos podem fazer com que os dados, já considerados alarmantes pelos pesquisadores, estejam subnotificados. Primeiro, o fato de esta ser a primeira vez em que o Atlas informa sobre o tema, o que pode atrapalhar na qualidade dos dados coletados.
E, além disso, há uma conceituação, negada pelos povos originários, que não considera como indígenas aqueles que vivem no contexto urbano.
Em boletins de ocorrência ou certidões de óbito, por exemplo, há a possibilidade destas pessoas não serem classificadas enquanto indígenas.
“É uma hipótese que trabalhamos. Há uma subnotificação dos dados gerais. É uma parte do Atlas que fala disso, mas imaginamos que esse primeiro estudo, com a primeira visibilização dos dados oficiais, a partir disso tenhamos que fazer estudos para avaliar bem a informação e a qualidade da informação, além de existirem essas diferenças de dados sobre a classificação étnica”, comenta Frederico Silva.
O estudo é produzido em parceria do FBSP com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN).