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Homicídios no Brasil afetam 2,5 vezes mais a população negra

As maiores taxas de assassinato estão em Sergipe e no Rio Grande do Norte. O índice de homicídio entre mulheres negras subiu 71% entre 2006 e 2016

Cidades|Fabíola Perez, do R7

Alisson da Costa, 19 anos: morto em abordagem policial
Alisson da Costa, 19 anos: morto em abordagem policial

“Não gostaria mais de ver nenhuma mãe chorando por encontrar o filho negro morto.” Há pouco menos de 60 dias, Ana Paula Aparecida Santos Leocodio, 29 anos, foi informada da morte do primo, Alisson Risolino Sales da Costa, de 19. A morte atingiu ao mesmo tempo todos os familiares do garoto.

Negro, morador do bairro da Penha, na zona leste de São Paulo, o garoto saiu de casa para viver com a prima no início do ano. “Na infância, ele pedia para eu passar creme para deixá-lo branco. Ele não se sentia amado.”

Em março, Ana Paula soube por moradores do bairro que o primo havia sido morto durante uma abordagem policial em Guarulhos. “Os policiais disseram que tinham vídeos do Alisson participando de um assalto, mas nunca vimos nada ”, diz ela.

“Soube que ele ficou preso em uma ferragem quando foi alvejado pela polícia com tiros no peito. Um dos rapazes que estava com ele saiu correndo gritando: ‘Mataram o neguinho.’”


Na delegacia, Ana Paula conta que chegou a ver pessoas parabenizando o policial que teria efetuado os disparos contra o primo. “Ele pode ter errado, mas não teve o direito de ser julgado, não chegamos nem a ver o corpo”, diz com a voz embargada. A breve trajetória de vida de Alisson é uma das faces mais trágicas da violência contra a população jovem e negra do País.

Uma das conclusões do Atlas da Violência 2018, realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP)em relação à violência letal é que negros e não negros parecem viver em países completamente distintos. Em 2016, a taxa de homicídios de negros foi duas vezes e meia superior à de não negros (16% contra 40,2%).


O estudo mostra também que em um período de uma década, entre 2006 e 2016, a taxa de homicídios de negros cresceu 23,1%. No mesmo período, a taxa entre os não negros teve uma redução de 6,8%. A taxa de assassinatos de mulheres negras foi 71% superior à de mulheres não negras nesse período. 

As maiores taxas de homicídio de negros estão nos Estados de Sergipe, com 79%, e Rio Grande do Norte, 70,5%. Entre os anos de 2006 a 2016, esses Estados também foram onde a taxa mais cresceu: 172,3% e 321,1%, respectivamente. O Estado de Alagoas, por exemplo, registra números expressivos: a terceira maior taxa de homicídios de negros (69,7%) e a menor taxa de homicídios de não negros do Brasil (4,1%).


“É como se os não negros alagoanos vivessem nos Estados Unidos, que em 2016 registrou uma taxa de 5,3 homicídios para cada 100 mil habitantes, e os negros alagoanos vivessem em El Salvador, cuja taxa de homicídios alcançou 60,1 por 100 mil habitantes em 2017”, afirma o estudo.

Débora Silva representa a luta de mães de jovens negros mortos por agentes do Estado
Débora Silva representa a luta de mães de jovens negros mortos por agentes do Estado

A militante Débora da Silva Maria, que perdeu o filho Edson Rogério Silva dos Santos, de 29 anos, entre as mais de 600 pessoas assassinadas em maio de 2006 no Estado de São Paulo, no episódio que ficou conhecido como Crimes de Maio, afirma que os números são alarmantes.

“Assistimos negros e pobres morrendo juntos há anos”, diz ela. “Quando temos um país atrasado, que não valoriza o ser humano, a retaliação ocorre na ponta do fuzil. Não se mata só o jovem negro, mata-se a família inteira.”

Desde 2006, Débora ajuda outras mães que perderam filhos negros e nascidos na periferia. “A pena de morte está decretada para a essa população. A periferia é a própria senzala.” Para ela, jovens como seu filho Edson, Alissom e tantos outros que endossam as estatísticas, quando não morrem pela “bala da fuzil”, morrem pela falta de acesso à educação, moradia e saúde. “Não aceitamos mais parir um filho para o estado matar, sem que nada aconteça.”

Além de Alagoas, outros estados do Nordeste apresentam taxa de homicídio de um dígito para não negros. São eles: Paraíba (5,8), Piauí (7%), Amapá (7,8), Ceará (8,3), São Paulo (9,1%) e Espírito Santo (9,3%). Em nove estados, a taxa de homicídios de negros decresceu na década analisada. As maiores reduções ocorreram em São Paulo (-47,7%), Rio de Janeiro (-27,7%) e Espírito Santos (-23,8%).

De acordo com o relatório, a desigualdade racial no Brasil se expressa de modo explícito no que se refere à violência letal e às políticas de segurança. “Os negros, especialmente os homens jovens negros, são o perfil mais frequente do homicídio no Brasil, sendo muito mais vulneráveis à violência do que os jovens não negros”, diz o documento.

R7 entrou em contato com a SSP (Secretaria de Segurança Pública) de São Paulo e aguarda retorno para confirmar as circunstâncias da morte de Alisson Costa, personagem citado no início desta reportagem.

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