Morto pela PRF, Genivaldo já havia sido absolvido em processo por desacato a policiais
Laudo psiquiátrico solicitado pela defesa de Genivaldo atestou que ele sofria de esquizofrenia. Processo tramitou em 2016
Cidades|Do R7
Seis anos antes de ser asfixiado por spray de pimenta e gás lacrimogêneo em uma viatura da PRF (Polícia Rodoviária Federal), em Umbaúba, no sul de Sergipe, Genivaldo de Jesus Santos foi absolvido por falta de provas em um processo por resistência à prisão e desacato a policiais militares. Na ação, concluída em março de 2016, um laudo psiquiátrico comprovou que ele tinha esquizofrenia e, de acordo com o juiz que analisou o caso, não conseguia compreender atos ilícitos.
As informações foram obtidas pelo Estadão no Tribunal de Justiça de Sergipe. Relatos de testemunhas e os depoimentos colhidos no processo mostram semelhanças entre aquela abordagem policial e o episódio que culminou com a morte de Genivaldo, na última quarta-feira (25).
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Em 27 de novembro de 2011, o policial militar Paulo Sérgio Rocha Souza atendeu a uma denúncia referente a uma pessoa com arma de fogo em um bar no povoado Queimada Grande. Souza afirmou que, no local, Genivaldo resistiu à revista, e que, por isso, ele teve de usar a força para revistá-lo, algemá-lo e levá-lo à delegacia. Tadeu Almeida Guimarães, outro policial que atuou na ocorrência, adotou linha semelhante em seu depoimento. Os dois apresentaram pequenas divergências sobre os xingamentos que teriam ouvido.
A testemunha de defesa, José Raimundo de Jesus Souza, afirmou que não houve discussão e que Genivaldo parecia não entender o que se passava. Ao ser interrogado, o réu disse que se recordava apenas de uma confusão no bar e que não tinha aberto as pernas porque elas "entrevou" (sic).
Laudo psiquiátrico solicitado pela defesa de Genivaldo e acatado pelo Ministério Público atestou que ele sofria de esquizofrenia. A data do despacho é dezembro de 2014. "Nós mostramos que ele não tinha condições de se autodeterminar por causa dos problemas mentais", conta o advogado Espedito Pereira Lima, que defendeu Genivaldo no caso.
A juíza Karyna Torres Gouveia Marroquim concordou com a tese da defesa e determinou um curador para acompanhar o processo. "A expert asseverou que a anomalia mental é preexistente ao fato, sendo o examinado, ao tempo da ação, incapaz de entender o caráter ilícito do fato", determinou.
Na conclusão do processo, em 14 de março de 2016, a juíza absolveu Genivaldo dos crimes de resistência e desacato por falta de provas. "O acervo probatório não é suficiente para comprovar os fatos narrados na denúncia", escreveu.
Para o advogado Espedito Pereira Lima, o episódio de 2011 traz semelhanças com a tragédia de 2022. "Ele disse que não levantou as mãos porque não se achava um bandido", recorda-se o defensor. "Ele era um caboclo, uma pessoa da roça, e tinha dificuldade para se expressar", completa. Questionada pelo Estadão, a Polícia Militar de Sergipe não se pronunciou sobre a abertura da ação penal em 2011 e a absolvição de Genivaldo cinco anos depois.
Na última quarta-feira, Genivaldo foi abordado por três policiais rodoviários no km 180 da BR-101, em Umbaúba. Segundo boletim de ocorrência, ele foi parado por não usar capacete enquanto dirigia uma motocicleta. Imagens feitas por populares e familiares mostram o momento em que os agentes pedem que ele coloque as mãos na cabeça e abra as pernas para a revista. Durante a ação, Genivaldo foi alvo de xingamentos, rasteira e chutes, antes de ser imobilizado e amarrado.
Genivaldo foi colocado no porta-malas do carro da PRF. Os policiais então jogaram gás dentro do compartimento e o fecharam. Wallison de Jesus, sobrinho da vítima, diz ter avisado aos policiais que o tio tinha transtornos mentais. No boletim de ocorrência, os agentes afirmam que o homem teve um "mal súbito" no trajeto para a delegacia e foi levado para o Hospital José Nailson Moura, onde faleceu.