PF instaurou 383 inquéritos sobre incêndios criminosos desde 2019; só 21 pessoas foram presas
Nos últimos cinco anos, 251 pessoas foram indiciadas pela corporação; Pará é o estado com maior número de investigações
Cidades|Edis Henrique Peres, do R7, em Brasília
A Polícia Federal instaurou 383 inquéritos para investigar incêndios criminosos no Brasil desde 2019. Nesse mesmo período, só 21 pessoas foram presas. Além disso, a corporação indiciou outras 251. Os dados foram coletados pelo R7 via Lei de Acesso à Informação e consideram as investigações instauradas até 30 de outubro deste ano.
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A maioria dos inquéritos apura o crime previsto no artigo 41 da Lei 9.605/98 (provocar incêndio em floresta ou em demais formas de vegetação), cuja pena é reclusão de dois a quatro anos e multa.
Algumas ocorrências também foram enquadradas no artigo 250 do Código Penal, que prevê reclusão de três a seis anos a quem causar incêndio “expondo a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem”.
A PF esclarece, no entanto, que nem todos os incêndios supostamente criminosos são investigados pelo órgão, “cabendo também às polícias civis a apuração de tais ocorrências quando inexistir interesse da União Federal”.
Desde 2019 até hoje, o estado com maior número de ocorrências foi o Pará, com 50 inquéritos instaurados, seguido de São Paulo (31), Rio Grande do Sul (30) e Mato Grosso do Sul (27). Os menores registros foram em Pernambuco (3) e Roraima e Sergipe, ambos com duas investigações abertas.
Um único incêndio, no entanto, pode causar muito estrago. Em nove meses deste ano, o Brasil teve 22,38 milhões de hectares queimados, área comparável ao estado de Roraima, segundo o MapBiomas, ligado ao Observatório do Clima. O valor representa um crescimento de 150% na área queimada em relação ao mesmo período de 2023, quando os incêndios destruíram 13,4 milhões de hectares.
No entanto, apesar dos inquéritos abertos e do estrago causado pelos incêndios, punir os criminosos ainda é um desafio. O advogado Enzo Fachini explica que a obtenção de provas concretas da origem do incêndio e a identificação dos responsáveis nem sempre são possíveis.
Isso porque, esses crimes, na maioria das vezes, ocorrem em regiões remotas e de forma clandestina, sem a presença de testemunhas ou instrumentos tecnológicos capazes de identificar a atitude criminosa. Além disso, por vezes a própria natureza do fogo destrói rastros que poderiam levar aos criminosos
Punição
Fachini explica que a Justiça considera mais grave os incêndios causados em áreas de preservação, dada a importância dessas regiões para o meio ambiente nativo. “Sendo possível chegar ao autor do crime, a responsabilização é mais rigorosa nestes casos. A pena para o crime de incêndio em áreas de preservação varia de dois a quatro anos de reclusão, além de multa. Já o art. 250 do Código Penal, que trata de incêndios criminosos em geral, prevê penas de três a seis anos de reclusão, podendo ser aumentadas em casos específicos, como quando há risco para a vida, o meio ambiente ou o patrimônio”, explica.
Para o especialista, é necessário otimizar as investigações dos incêndios criminosos e atuar principalmente na prevenção, usando tecnologia de monitoramento. “Como uso de drones e satélites, que sejam capazes de identificar rapidamente o início dos incêndios. Além disso, aumentar o efetivo das equipes terrestres que devem fiscalizar as áreas de conservação seria importante na proteção do meio ambiente”, opina.
Estratégias nacional
Mestre em direito penal, Jennifer Moraes reforça a importância da prevenção aos incêndios criminosos. “O Direito Penal sempre é posterior ao fato. Uma estratégia preventiva sempre será mais adequada, já que o que queremos é a inibição desse tipo de prática”, defende.
Assim, a supervisão, a coleta de dados e a instrumentalização dessas informações para o aumento considerável de fiscalização nas regiões com maior incidência desse delito são questões fundamentais para se começar a lidar com esse problema. A estruturação de uma estratégia de atuação interinstitucional também é indispensável para que possamos atuar frente a esse problema
Moraes observa, também, que em muitos casos a população sofre pressão de quem inicia o incêndio para não denunciarem o caso. “Além disso, a identificação dos executores mediatos [os mandantes], é, atualmente, o maior ponto de tensão em relação a esses crimes, especialmente pela pulverização e organização desses ataques a nível interestadual, o que torna a persecução do fato um processo ainda mais complexo”, explica.
Aumento das penas
Nesta semana, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva enviou ao Congresso Nacional um projeto de lei que endurece as penas contra crimes ambientais. Ele defendeu que as pessoas responsáveis devem ser “punidas severamente”.
“Agora é trabalhar para que a gente possa ir à Câmara e aprovar esse projeto”, disse Lula, acrescentando que o relator da matéria será o deputado federal Patrus Ananias (PT-MG). “Acho que, com bom trabalho, a gente consegue fazer com que seja aprovada em regime de urgência na Câmara”, completou o presidente.
Entre as principais alterações propostas no projeto estão o aumento das penas para diversos crimes ambientais, incluindo queimadas ilegais, desmatamento e garimpo clandestino.
A proposta prevê que a pena para quem provocar incêndio em florestas ou outras formas de vegetação seja aumentada, passando da atual reclusão de dois a quatro anos para de três a seis anos. Em casos mais graves, como quando as queimadas resultarem em mortes, afetarem a saúde pública ou destruírem áreas de preservação, o crime será considerado hediondo, punido de forma mais rigorosa em comparação com outros tipos de crimes.
O objetivo com a proposta, de acordo com Lula, é “dizer uma vez por todas que as pessoas que agem como se fossem bandidos, achando que estão destruindo coisas dos outros, na verdade estão destruindo a qualidade de vida do seu filho, do seu neto, do seu bisneto, das pessoas que virão”.