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Saiba como vivem hoje os quatro réus da tragédia na boate Kiss

A uma semana do júri, conheça detalhes da rotina do auxiliar Luciano, hoje DJ, do vocalista Marcelo e dos sócios Kiko e Mauro

Cidades|Eduardo Marini, do R7, em Santa Maria (RS)

Luciano ficou 120 dias preso, separou-se da mulher, mudou de casa e hoje vive como DJ
Luciano ficou 120 dias preso, separou-se da mulher, mudou de casa e hoje vive como DJ

O julgamento do caso Kiss, marcado para tornar-se o mais longo da história do Rio Grande do Sul e um dos maiores do Brasil em todos os tempos, tem início agendado para 1º de dezembro, em Porto Alegre. O incêndio na boate, na madrugada de 27 de janeiro de 2013, no começo da madrugada de domingo, em Santa Maria, cidade de 300 mil habitantes na região central do estado, distante 290 km da capital gaúcha, deixou 242 mortos e 680 feridos, a suprema maioria composta de jovens universitários.

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Quatro envolvidos estarão no banco dos réus: os sócios da boate Elissandro Callegaro Spohr, o Kiko, e Mauro Hoffmann, o azulejista e vocalista da banda Gurizada Fandangueira Marcelo Jesus dos Santos, que iniciou o incêndio ao passar, sem querer, o fogo de um sinalizador para a espuma do teto da Kiss, e o auxiliar da banda Luciano Augusto Bonilha Leão, hoje DJ, que comprou o sinalizador em uma loja da cidade. A Gurizada foi desfeita logo após a tragédia. Todos responderão por homicídio simples com dolo eventual multiplicado por 242, o número de mortos, e tentativa de homicídio vezes 680, a quantidade de feridos.

Dolo eventual ocorre quando a pessoa sabe do risco de cometer o crime e, mesmo assim, o assume, como assumir o volante de um carro após se alcoolizar e matar alguém por atropelamento. Dolo direto é o integral, ou seja, quando há a vontade assumida, consciente, de realizar o ato criminoso. Pegar um revólver e atirar em alguém, por exemplo.

Os dois são mais graves e geram penas mais duras do que o crime culposo, quando não há a intenção de cometer o crime, mas ele ocorre por imprudência (de forma precipitada, sem cuidado ou cautela), negligência (descuido ou desatenção, sem precaução adequada à situação) ou imperícia (sem habilidade ou qualificação técnica). Os advogados dos réus da Kiss defendem em maioria que seus clientes deveriam ser julgados, no máximo, pelo crime de homicídio culposo.


Às vésperas do julgamento, e quase nove anos após a tragédia, o R7 mostra como vivem atualmente os quatro réus do caso. O DJ Luciano conversou longamente com a reportagem. As informações sobre a rotina de Marcelo, Mauro e Kiko, os outros três réus, que evitam entrevistas, fotos e ações em público por orientação de suas defesas, são passadas pelos advogados.

Luciano é o único a ainda atuar profissional e publicamente em Santa Maria. Os outros vivem reclusos em casa com a família. Marcelo ainda mora na cidade. Kiko reside em Porto Alegre, e Mauro Hoffmann está em local não revelado. Existe a suspeita de que ele estaria numa cidade do estado vizinho, Santa Catarina, mas seus advogados não confirmaram a informação na entrevista ao R7. Confira como vivem os quatro réus atualmente.


Marcelo Jesus dos Santos, o vocalista que segurou o sinalizador

“Em pensamento, ainda não saí da Kiss. Penso nisso todos os dias, por várias vezes em muitos desses dias. Por isso estou recolhido. Peço que vocês passem minha versão, a de que sou inocente, sem me condenar, e deixem as pessoas tirarem suas conclusões. Muito obrigado.”


A afirmação de Marcelo Jesus dos Santos, que portava o sinalizador que deu início ao incêndio na Kiss, foi passada ao R7 por sua advogada, Tatiana Borsa. Hoje com 43 anos, o vocalista vive na mesma casa ocupada por sua família desde o início do casamento, em Santa Maria, com a esposa, a filha Natália, de 21 anos – que cursa direito –, e a caçula, de 11 (ele pede que o nome da menor não seja revelado).

De acordo com Tatiana, criada em Santa Maria e radicada em Porto Alegre, Marcelo é hoje um homem “assustado e acuado”. Vive da ajuda de familiares e não sai de casa para missões particulares. Nas obrigações inevitáveis, como audiências com a Justiça, só deixa sua residência acompanhado de familiares ou da advogada.

“É uma pessoa humilde. Trabalhava como azulejista antes [de se tornar vocalista] da banda. Instalava azulejos. Retomou a profissão após o caso, mas não conseguiu trabalhar regularmente por muito tempo por causa da saúde debilitada”, conta ela. “Teve o pulmão afetado no incêndio. No ano passado, ficou internado por 30 dias com Covid. Além dele, sofreram com a doença a mulher, a filha mais velha, o pai, o irmão e a mãe – cuja morte, por ironia, naquela coisa lotada da pandemia, abriu vaga para ele próprio se internar e receber cuidados na UTI de um hospital local.”

Por causa da fumaça e da Covid, Marcelo, diz Tatiana, tem hoje 70% de capacidade pulmonar. Na terça-feira (16), ele passou o dia na casa da advogada, em Porto Alegre, com outros componentes da banda (o sanfoneiro, Danilo Jaques, morreu no incêndio). “Neste dia ele viu, pela primeira vez, as fotos dos corpos empilhados no banheiro e na entrada da boate. Resistiu, abaixou a cabeça por várias vezes e chorou demais.”

A advogada relata que Marcelo nunca foi hostilizado em Santa Maria nas poucas vezes em que precisou sair de casa e foi reconhecido. “Duas mães de vítimas até o consolaram.” Apesar disso, afirma a defensora, sente-se condenado. “Sua vida está paralisada. Ele diz sentir a dor dos pais porque tem duas filhas. Sonha com um fim para tudo isso e repete sempre: ‘Pena já tenho, e para a vida inteira. Serei sempre o Marcelo do incêndio da Kiss’.”

Luciano Augusto Bonilha Leão, o auxiliar da banda que comprou o sinalizador

O hoje DJ Luciano, 43 anos, foi o único a marcar uma entrevista presencial com a reportagem do R7. Atualmente, vive sozinho num apartamento de um condomínio popular no bairro de Medianeira, em Santa Maria, onde recebeu a reportagem do R7 para uma conversa de uma hora. Torce pelo Internacional. Diz pagar R$ 600 de aluguel pelo imóvel.

Da tragédia até hoje, ficou 120 dias preso, separou-se da mulher, a professora Fátima Varas (“ela não aguentou a pressão”), ganhou peso, mudou de casa, fez tratamento de recuperação pulmonar e passou a tomar, com receita, remédios controlados para ansiedade, depressão e hipertensão.

Diz ter sido resgatado da Kiss quase desacordado, em meio aos jovens que se aglomeravam na porta de saída. Afirma não saber até hoje quem foi o “enviado de Deus” seu salvador no incêndio. “Gostaria de localizar essa pessoa para agradecer a ela profundamente e mostrar minha gratidão.”

Luciano rebate a acusação de ter escolhido o sinalizador externo, mais barato (R$ 7 a unidade, na loja em que o artefato foi adquirido; o interno, apropriado à ocasião, custava R$ 70 ), para ficar com um troco maior. Alega ter feito a compra uma semana antes sem ter sido informado sobre os planos de utilização do produto, e também não ter manipulado o fogo de artifício na noite fatídica.

Afirma ter colocado nas mãos do vendedor um bilhete do gaiteiro (sanfoneiro) da banda, Danilo Jaques, para quem prestava serviços gerais e era roadie da banda (auxílio em shows) como freelancer, com a descrição do item desejado pelo músico, sem opinar sobre o tipo.

Ele diz ter recebido R$ 50 pelo frila daquela noite. O vendedor da loja afirma ter cumprido um pedido feito por Luciano. O gaiteiro Danilo, que teria condição plena de confirmar uma das versões, a do bilhete ou a do funcionário da loja, e desmentir a outra, morreu no incêndio.

O DJ é o único dos quatro que continua a atuar social e profissionalmente em Santa Maria. Sonoriza festas, formaturas, encontros, eventos institucionais e ações particulares. “Atravesso a cidade andando, de cabeça erguida. Falo com as pessoas e negocio meus trabalhos. Tenho obrigações e dívidas, como qualquer ser humano, e preciso trabalhar para honrá-las.”

Lembra ter sofrido retaliação uma única vez após o incêndio. “Estava em negociação para trabalhar nas festas de final de ano num shopping da cidade, mas empresários ligados ao negócio vetaram minha participação. Tiveram filhos entre as vítimas”, conta.Conheça mais detalhes da vida do DJ Luciano nesta reportagem do R7.

Kiko, sócio que administrava a boate, vive hoje da compra e venda de pneus em Porto Alegre
Kiko, sócio que administrava a boate, vive hoje da compra e venda de pneus em Porto Alegre

Mauro Londero Hoffmann, sócio investidor da boate Kiss

O empresário Mauro Hoffmann, 43 anos à época da tragédia, hoje com 51 ou 52, é, de longe, o mais recluso dos quatro réus do processo. O único a jamais ter dado uma entrevista desde a tragédia. No início por vontade própria e, nos últimos anos, também por estratégia de sua defesa. Não aparece publicamente em Santa Maria ou qualquer outro lugar. Quando precisa ir a repartições da Justiça para cumprir audiências ou etapas do processo, usa todos os recursos ao seu alcance para manter-se protegido de jornalistas e repórteres fotográficos.

Desde o incêndio, Hoffman vive fechado com a família em local não revelado. Informações dão conta de que ele estaria morando em uma cidade do estado vizinho de Santa Catarina. Em entrevista ao R7 na tarde de segunda-feira (22), em seu escritório, em Santa Maria, Bruno Seligman de Menezes, um de seus dois advogados no processo, não confirma a informação. O outro defensor é Mário Cipriani.

“Não estamos autorizados a comentar conteúdos relatados nos autos. Por acordo com o cliente, também não podemos revelar dados sobre sua vida particular e pessoal. Mas estamos à disposição para falar sobre o processo”, adianta Seligman de Menezes.

A falta de manifestação do empresário está, no entanto, para terminar. Seligman de Menezes afirma que Hoffmann se apresentou à Justiça sempre que foi chamado. “Jamais fugiu de suas responsabilidades. Estuda o processo e conversa conosco sobre caminhos a serem tomados”, afirma. “Estará presente na abertura da sessão plenária do julgamento, dando esclarecimentos ao júri e aos presentes. Vai exibir seus argumentos, detalhar aos brasileiros e a todo o mundo tudo o que acredita ser importante.”

Para o defensor, Hoffmann tem responsabilidade limitada à de um sócio investidor. “Essa condição foi confirmada por várias testemunhas e, inclusive, pelo próprio sócio Kiko. Ele era empresário da noite muito tempo antes de se tornar sócio da Kiss. Tinha a casa mais sofisticada da cidade, a Absinto. Em meados de 2011, comprou de Kiko 50% da Kiss. Para fazer o negócio, Kiko impôs a condição de continuar a administrar totalmente a casa, e assim foi feito”, diz. “Ele não tinha nenhuma ação direta na casa. Apenas se informava e recebia sua parte nos lucros.”

Seligman de Menezes destaca um processo de 22 meses em que o Ministério Público (MP) exigiu várias reformas, segundo ele totalmente realizadas. “Vizinhos incomodados com o barulho recorreram ao MP, que intimou a Kiss. Tudo foi realizado em longo trabalho, inclusive a inversão de posição do palco, que ficava de costas para a rua, ao lado esquerdo da porta, e foi deslocado para o fundo, no ponto agora conhecido pelo Brasil e o mundo.”

Com esses argumentos, o defensor questiona o enquadramento dos quatro em crime de homicídio com dolo eventual e também a ausência de integrantes de outros setores no banco dos réus. “Eu e Mário Cipriani, meu parceiro na defesa, acreditamos que pode ter havido negligência ou imprudência, mas há no máximo culpa, e não dolo eventual, como foi configurado no processo. Defendemos isso não só no caso do Mauro, mas também no dos outros três réus, e vamos apresentar nossos argumentos sobre isso no tribunal”, defende.

Seligman de Menezes adianta outros argumentos a serem usados por eles a partir do dia 1º de dezembro. “Se apesar de tudo aceitarem a tese de dolo eventual, então representantes do poder público, da prefeitura, do MP e dos bombeiros, que aprovaram todas as reformas, consideraram a Kiss apta, deram os alvarás e liberaram a boate, também deveriam estar no julgamento. Neste caso, o banco dos réus, com apenas quatro pessoas, está curiosamente muito pequeno”, conclui o defensor.

Tenda com fotos dos 242 mortos no incêndio resiste até hoje na praça central de Santa Maria
Tenda com fotos dos 242 mortos no incêndio resiste até hoje na praça central de Santa Maria

Elissandro Callegaro Spohr, o Kiko, sócio administrativo da boate Kiss

Elissandro Spohr, o Kiko, 38 anos, sócio da Kiss que vivia a rotina e “colocava a mão na massa” na boate no dia a dia, não consulta as redes sociais desde a tragédia, 27 de janeiro de 2013. Vacinado regularmente contra a Covid, atua hoje na compra e venda de pneus. Sua vida atual se reduz a se fechar em casa, em Porto Alegre, e sair apenas para compromissos de trabalho e levar e buscar as filhas na escola.

Recentemente, em uma viagem de carro de Porto Alegre a Santa Maria, gravada em vídeo e publicada na internet por ele e sua defesa, Kiko, sentado no banco do carona de um carro, após chorar algumas vezes no trajeto, pede a quem dirige para não passar em frente ao que restou da boate, na rua dos Andradas, quase na esquina com a Rio Branco, na região central da cidade. “Pegue outro caminho, por favor. Quero guardar na memória a outra Kiss, não essa.”

“Por que antes do incêndio ninguém disse que a Kiss era perigosa? Por que os agentes públicos que entraram lá não avisaram? Por que recebi todos os alvarás? Por que o Ministério Público (MP), a maior autoridade de controle, mandou fazer uma reforma que terminou numa tragédia? Quem deixou a Kiss funcionar tem culpa e deveria estar comigo lá no julgamento”, disse Kiko numa entrevista de duas perguntas, respondidas por e-mail ao repórter Leonardo Catto e publicadas no sábado (20) pelo Diário de Santa Maria, com referências à prefeitura, ao Corpo de Bombeiros da cidade e ao MP, acrescentando que “jamais fugiu ou quer fugir de suas responsabilidades”.

Em outro ponto, retoma os questionamentos. “A mesma mão que abriu a porta da boate para funcionar agora grita aos quatro ventos para me acusar. A sociedade precisa escolher se quer vingança ou justiça. Dia 1º estarei mais uma vez disposto a falar e a assumir toda a minha responsabilidade. E o promotor [Ricardo] Lozza? Vai aparecer?”

A reportagem do R7 ligou e deixou recados por escrito, em WhatsApp, no celular de Jader Marques, advogado de Kiko, com o objetivo de marcar uma entrevista, mas as ligações não foram atendidas nem as mensagens respondidas até a publicação da reportagem.

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