Sete em cada 10 admitem diferença de tratamento para negro e branco
Pesquisa do Instituto Cidades Sustentáveis aponta que 38% percebem desigualdade em shoppings e ambientes acadêmicos
Cidades|Julia Girão, do R7*
Cerca de 125 milhões de brasileiros reconhecem o tratamento diferente para negros e brancos, o que traz uma relação de sete a cada dez cidadãos com essa percepção. É o que mostra pesquisa do Instituto Cidades Sustentáveis, divulgada na quarta-feira (10), em parceria com o Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria).
Cerca de 38% de habitantes notam essa discrepância, principalmente em shoppings e estabelecimentos comerciais no geral e em ambientes acadêmicos. Dentro do trabalho, 36% detectam o problema.
“Shoppings são onde as questões de mercado mais aparecem, onde as pessoas que têm mais recursos são mais respeitadas. São vertentes do racismo estruturante”, afirma o coordenador-geral do Instituto Cidades Sustentáveis, Jorge Abrahão.
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O estudo Cidades Sustentáveis: Desigualdades fez entrevistas de 1º a 5 de abril com 2.000 pessoas, com idades a partir de 16 anos, em 128 municípios de todo o país. O nível de confiança é de 95%, com margem de erro de dois pontos percentuais para mais ou menos.
Segundo a advogada e doutoranda em direito político Waleska Miguel Batista, os negros têm mais dificuldade de acesso aos espaços, enquanto os brancos têm toda uma possibilidade de acesso e privilégios aos bens e equipamentos públicos.
“Essa constância da discriminação contra a população negra tem todo um histórico. Os negros são vistos como incapacitados e incivilizados. Não importa a renda e a classe. O que importa no Brasil é a cor de pele, e a cor de pele negra é um fator de discriminação”, afirma Waleska.
Shoppings e ambientes acadêmicos
O estudante Rafael Dantas, de 20 anos, diz que qualquer pessoa negra pode afirmar que, em lojas e shoppings, os seguranças já ficam em alerta. “Eu não posso entrar em uma loja, em qualquer lugar, que já ficam de olho”, revela.
Rafael conta que, no Natal de 2021, foi a uma loja de grife com um amigo para comprar roupas, e a vendedora não deu a menor atenção aos jovens. Apenas após garantirem que iriam comprar, eles foram atendidos devidamente.
“Aquele [o shopping em questão] é um lugar em que a pessoa vai sofrer a violência pelo olhar, como se estivesse com o corpo num lugar em que não era para estar. Como que ela fosse uma tendência ao crime. Como se aquela pessoa fosse praticar um furto ou algum tipo de violência”, diz a advogada Waleska Miguel Batista.
Já o ambiente acadêmico, a advogada afirma ser um local extremamente elitizado e que, apesar de ações afirmativas que possuem efetividade, é necessário que alunos negros estejam em espaços onde são respeitados e não tenham sua capacidade questionada.
“Quando isso acontece no ambiente acadêmico, mostra que ainda acontece o racismo com base na incapacidade do negro”, afirma.
“Você pode enumerar qualquer local que eu vou te dizer uma situação em que eu fui discriminada por conta da minha cor%2C ou que eu não fui atendida ou que eu fui ignorada ou que eu fui maltratada”
Trabalho
Moradora da zona sul de São Paulo, a cabeleireira Elisabeth Ribeiro Silva, de 57 anos, começou a vida profissional aos 18 anos e, até os 51, quando decidiu sair do ramo administrativo e abrir seu próprio negócio, afirma que enfrentou todos os problemas que uma mulher negra poderia enfrentar no meio corporativo.
De acordo com o estudo Cidades Sustentáveis: Desigualdades, 36% dos brasileiros percebem que há uma diferença no tratamento entre pessoas negras e brancas durante o processo seletivo, no dia a dia e no crescimento profissional.
“Eu já fui confundida com a recepcionista, com a copeira, com a ajudante, com a assistente auxiliar, nunca como a gerente ou a chefe. Passei por todas as etapas em que uma pessoa é desqualificada simplesmente pela sua cor, independentemente de como ela se apresente”, afirma.
Beth conta que sempre que saía de um emprego e ia para um novo precisava recomeçar do zero, pois além de ser negra, é mulher, e a junção desses dois fatores fez com que ela precisasse a todo momento se reafirmar dentro dos espaços que ocupava.
“Eu fui a primeira mulher que esteve à frente dos homens [na empresa]. Eu trabalhei por seis anos, mas durante dois anos foi uma guerra todos os dias, até eles aceitarem e depois aprenderem a me respeitar”, finaliza a cabeleireira.
*Estagiária do R7, sob supervisão de Fabíola Perez e Márcio Pinho