Alta da inflação acende alerta para retomada lenta, dizem economistas
Eles avaliam que Copom pode fazer altas leves a partir de 2021 para não prejudicar consumo, e que governo precisa avançar na política fiscal
Economia|Do R7
A alta da inflação nos últimos meses e a possível ação do governo para aumentar a taxa de juros geram apreensão sobre a retomada da economia em 2021. Economistas ouvidos pelo R7 afirmam entre outras coisas que o aumento dos juros precisa ser pequeno para não frear o consumo, que o aumento de preços pode levar à perda de poder de compra por parte das famílias em 2021 e que o governo precisa avançar em sua política fiscal de ajustes das contas públicas.
O IPCA, índice de inflação que considera os alimentos, por exemplo, subiu em setembro 0,64%, a maior alta para o mês desde 2003. Em outubro foi de 0,86%, a maior desde 2002. Na segunda-feira (7), o boletim "Focus" do Banco Central mostrou que o mercado projeta inflação de 4,21% em 2020, acima do centro da meta - de 4% - mas ainda dentro do intervalo esperado pelo governo, de até 5,5%.
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Segundo o economista André Braz, do FGV/Ibre, a inflação se espalhou por alguns segmentos, como alimentos, materiais de construção e eletrodomésticos. "A classe média alta poupou dinheiro da mensalidade, do lazer, fez uma economia que está agora sustentando uma demanda de bens duráveis. Muitos trabalham de casa e decidiram tornas suas casas mais confortáveis", afirma, entre outros fatores.
Essa alta pode ensejar leves aumentos na taxa Selic, que desde agosto está no menor patamar da história, em 2%. Para Braz, um aumento de até 0,5 ponto percentual ao longo dos próximos meses seria uma medida com o objetivo de evitar um espalhamento ainda maior da inflação. "É um 'tiro para o alto', de atenção. O país sinaliza o seu comprometimento com a meta. Além de 0,5 de fato poderia comprometer o aquecimento da economia", diz.
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Nesse sentido, Braz diz que a política fiscal do governo será fundamental para o ritmo da retomada, sendo necessário atacar o rombo nas contas públicas e manter o teto de gastos.
Em relação ao aumento da projeção de inflação em 2020 para 4,21%, divulgado pelo Banco Central nesta segunda, o economista faz a observação de que ele é consequência direta da decisão de novembro da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) de aumentar a conta de luz. A agência passou a adotar bandeira tarifária vermelha patamar 2 - a mais cara - como forma de chamar a atenção do consumidor para a redução do nível de água nos reservatórios das hidrelétricas.
Pandemia
Para o economista-chefe da Messem Investimentos, Gustavo Bertotti, fatores ligados à pandemia de covid-19 estão diretamente relacionados aos novos números da inflação. Ele explica que a desestruturação das cadeias produtivas durante a quarentena diminuiu a oferta de vários produtos, impactando no preço. Além disso, países da Ásia, como a China, vêm comprando mais, em especial produtos do agronegócio – aproveitando o real desvalorizado. Outro fator apontado é o aumento do consumo interno em razão de programas como o do auxílio emergencial.
Bertotti entende, porém, que a gradual retomada da economia vai remediar os estoques de produto no começo de 2021, reduzindo a pressão sobre a inflação. “Alguns itens já no primeiro trimestre terão a oferta equilibrada”, afirma.
O economista avalia que o Copom (Comitê de Política Monetária) deverá manter a taxa Selic em 2% na reunião que acontece nesta semana e também no primeiro trimestre de 2021, considerando a forte retração econômica do país – o que já evita um consumo de maior proporção. A partir de abril, deverão ocorrer aumentos para até 3%, segundo Bertotti, aliados a uma maior retomada da atividade econômica.
Nesse momento, poderá haver algum impacto no consumo, avalia, mas sem grandes proporções. Ele também cita a necessidade de o país avançar na resolução de seus problemas fiscais para ter melhor saúde financeira e gerar boas notícias para o mercado.
Famílias mais pobres
Para Juliana Inhasz, professora de economia do Insper, a alta da inflação já vem se verificando nos últimos meses e é um indício de que a retomada não acontecerá da forma imaginada. "Ela acontece em um processo de deterioração do cenário econômico causada por inúmeros fatores, como pressão do mercado externo e percepção de que a taxa de câmbio seguirá elevada", explica.
Em 2021, a alta dos preços poderá reduzir ainda mais o poder de compra das classes mais pobres, avalia. Além do desemprego, que já atinge 13,8 milhões de pessoas, os aumentos salariais deverão ser pequenos. "Vai ser um ano em que não teremos reajustes tão grandes para repor o poder de compra das pessoas. Isso pode ser um problema sim", afirmou.