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Em 1º teste da reforma trabalhista, STF julga regras para ações gratuitas

Ministros avaliam se mantêm ou não empecilhos criados pela reforma trabalhista para ter acesso à Justiça gratuita

Economia|Diego Junqueira, do R7

STF vai julgar parte da reforma Trabalhista
STF vai julgar parte da reforma Trabalhista

Sem conseguir impulsionar contratações no mercado de trabalho após seis meses de vigência, a reforma Trabalhista enfrenta na quinta-feira (3) seu primeiro grande teste no Supremo Tribunal Federal.

O STF vai julgar as exigências criadas pelo novo texto para acessar a Justiça gratuita. Na prática, as novas regras dificultaram o acesso ao benefício e têm provocado a uma série de condenações aos trabalhadores.

Esse será o primeiro julgamento de uma série de mais de 20 ações que tramitam no Supremo contra a reforma — a maior parte delas pede a volta da contribuição sindical.

E a primeira decisão do Supremo pode impactar o principal resultado obtido até agora com a reforma, que foi o de cortar pela metade o número de ações de trabalhadores contra ex-patrões.


Para juízes trabalhistas, advogados da área e especialistas ouvidos pelo R7, a avaliação é de que a reforma inibiu as chamadas “aventuras jurídicas” — quando trabalhadores entravam com demandas consideradas “exageradas” —, mas prejudicou também iniciativas legítimas de trabalhadores, que deixaram de acessar a Justiça do Trabalho por medo de sofrerem condenações e acabarem saindo dos tribunais com dívidas.

A ação que será julgada no Supremo é de autoria do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot, que entrou com o pedido em seus últimos dias de trabalho no ano passado, alegando “inconstitucionalidade” em trechos da reforma e “redução de direitos materiais dos trabalhadores".


“Com propósito desregulamentador e declarado objetivo de reduzir o número de demandas perante a Justiça do Trabalho, a legislação avançou sobre garantias processuais e viola direito fundamental dos trabalhadores pobres à gratuidade judiciária, como pressuposto de acesso à jurisdição trabalhista”, escreveu o ex-PGR na ADI 5766 (Ação Direta de Inconstitucionalidade).

Tem direito a entrar de graça na Justiça do Trabalho quem recebe salário de, no máximo, R$ 2.258 (equivalente a 40% do teto dos benefícios pagos pelo INSS, atualmente em R$ 5.645).


Antes da reforma, bastava ao trabalhador fazer uma declaração de hipossuficiência — também conhecida como “comprovante de pobreza”. As novas regras obrigam o empregado a “comprovar insuficiência de recursos para o pagamento das custas do processo”. A decisão de conceder a Justiça gratuita continua sendo do juiz.

Acontece que, pelo texto da reforma, a Justiça pode punir também mesmo aqueles que recebem o benefício da gratuidade.

Isso porque o novo artigo 791-A da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) determina que o reclamante pague os custos do processo e honorários dos advogados referentes às demandas que não foram contempladas no julgamento. Ou seja: se um trabalhador ganhar uma parte do processo, os recursos obtidos serão usados para quitar gastos das demandas em que saiu derrotado.

O artigo determina ainda que, se o trabalhador não tiver condições de pagar a condenação, a Justiça pode obter esse crédito em outros processos que o condenado eventualmente tenha na esfera trabalhista. O débito tem um prazo de dois anos para ser quitado.

Incerteza jurídica

Para a advogada Veridiana Moreira Police, especialista em direito do trabalho e sócia do escritório Finocchio & Ustra Sociedade, a Justiça do Trabalho vive um momento de “incerteza jurídica”, tanto para os trabalhadores, que temem entrar com ações na Justiça, quanto para as empresas, que têm dificuldades para traçar estratégias de defesa.

— Cada juiz está fazendo a sua leitura da reforma trabalhista, e isso não poderia acontecer, mesmo que a lei tenha sido aprovada a toque de caixa pelo Congresso.

No escritório de Veridiana, que atende apenas empresas, ela tem observado que os julgamentos não seguem um padrão. Há juízes que exigem provas da incapacidade financeira do trabalhador, enquanto outros aceitam apenas a “declaração de pobreza”, como se fazia antes da reforma.

Para o procurador do Estado Claudio Henrique Ribeiro Dias, especializado na área trabalhista e professor do CPJUR (Centro Preparatório Jurídico), a gratuidade da Justiça incentivava alguns reclamantes a entrarem com pedidos "sem fundamento", já que derrotas na Justiça não levavam a qualquer punição financeira. Ele considera correta a "atribuição de responsabilidade", por meio de uma condenação financeira, já que há um custo ao movimentar a máquina do judiciário.

O procurador diz, no entanto, que esse comportamento era tomado por uma minoria dos reclamantes, e que a fórmula encontrada pela reforma trabalhista acabou punindo uma maioria de reclamantes, o que na prática vem limitando o acesso à Justiça gratuita.

— Isso pode inibir um empregado de discutir uma questão que ele poderia vir a ganhar mas, com medo de ser condenado, ele não discute.

Ribeiro Dias afirma que faltou encontrar uma alternativa para que a punição se limitasse a quem utilizava o Judiciário de forma indevida.

Para o juiz trabalhista Guilherme Guimarães Feliciano, presidente da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho), que atua no Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Campinas e interior de SP), a reforma viola princípios constitucionais. A Anamatra foi aceita pelo ministro Luis Roberto Barroso, relator da ação no Supremo, como uma das partes do processo.

Ele destaca o artigo 5º da Constituição, que determina "assistência judiciária integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos".

Feliciano afirma que os escritórios de advocacia estão em compasso de espera por uma decisão e que, se o Supremo reverter as novas regras de gratuidade, o número de ações deve voltar a subir no curto prazo.

— Se for considerado inconstitucional, muito provavelmente esse represamento possa se resolver de curto a médio prazo, e aí saberemos quais são os efeitos da reforma com relação às aventuras jurídicas.

Defesa

Por meio da AGU (Advocacia-Geral da União), a Presidência da República se defendeu nos autos afirmando que o Novo Código de Processo Civil deu "mais efetividade à questão da gratuidade processual" e que "as regras limitadoras não invadem o núcleo de intangibilidade do direito fundamental à assistência judiciária gratuita".

O Senado Federal afirmou que as alterações "se coadunam com todo o movimento de otimização do processo para garantia de uma segurança jurídica pós-moderna sob o prisma de instituições processuais tendentes a ser perfeitamente integradas com o regime de direitos materiais a que se referem". Já a Câmara dos Deputados declarou que a lei não apresenta qualquer inconstitucionalidade.

Essa será a primeira de uma série de polêmicas decisões sobre a reforma trabalhista. A próxima deve ser com relação à vigência do texto, já que ainda não há certeza se as novas regras se aplicam aos contratos posteriores ou anteriores à promulgação da lei.

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