Golpe dos precatórios: nomes de Tribunais de Justiça e de advogados são usados por estelionatários
Criminosos obtêm dados dos processos e pedem quantias em dinheiro para liberar pagamentos; veja como identificar a farsa
Economia|Mariana Botta, do R7
Depois de esperar anos para ter uma ação contra a União, algum estado ou município julgada, grande parte das mais de 196 mil pessoas que tiveram os pagamentos de precatórios liberados pelo CJF (Conselho de Justiça Federal) no fim de agosto, agora enfrentam um novo desafio: identificar e se proteger de golpes envolvendo seus processos. Estelionatários estão usando nomes de advogados, escritórios de advocacia, empresas que antecipam o pagamento dos precatórios, funcionários de procuradorias estaduais e, até, de Tribunais de Justiça, para enganar quem tem direito a receber alguma quantia em dinheiro.
O golpe dos precatórios é do tipo conhecido como engenharia social, pois depende da 'colaboração' da vítima para funcionar. Neste caso, é uma variação do golpe do WhatsApp, em que a pessoa abordada é induzida a fazer um depósito ou Pix para o criminoso. Ele dá certo porque o golpista se passa por alguém que conhece detalhes da ação que foi movida pela vítima, como o nome do advogado e o número do processo, por exemplo.
Os contatos são feitos por meio de carta, e-mail, mensagem de SMS ou WhatsApp, por diferentes membros das quadrilhas, para simular a existência de uma equipe do escritório ou empresa. O motivo da conversa é sempre uma novidade sobre o pagamento dos valores devidos com o ganho da causa. Na história contada, o dinheiro está para ser liberado, porque houve uma antecipação no pagamento, mas há alguma pendência que o indivíduo precisa resolver com certa urgência.
A mentira envolve a emissão de certidões em cartório, o recolhimento de alvarás ou o pagamento de custas processuais, o que teria de ser ser feito naquele exato momento, para a liberar do crédito. O "golpista-advogado", empático e solícito, coloca-se à disposição para ajudar a vítima, desde que ela lhe faça um Pix, no valor do custo dos documentos.
Outra possibilidade de fraude é a de empresas que se oferecem para antecipar o pagamento dos precatórios, mediante a cobrança de alguma tarifa. Essa "antecipação" até existe mas, na realidade, companhias compram os títulos de causa julgada procedente, ou seja, pagam por eles, o que é uma opção para quem precisa ou tem pressa em receber o que tem direito. Em nenhuma hipótese o ganhador da ação tem de pagar tarifas antecipadamente.
Dados públicos
Na hora de convencer as vítimas a realizar os depósitos, o que mais ajuda os golpistas é a quantidade de informações que eles conseguem obter sobre os processos, o que dá credibilidade a eles. Mas, esses dados são públicos e estão disponíveis para consulta no site do Tribunal de Justiça de cada estado ou região.
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Qualquer pessoa, se tiver o nome completo e o número de RG ou CPF de quem move a ação, pode consultar as informações na base de dados do Poder Judiciário.
Segundo o escritório de advocacia Sandoval Filho, o acesso às ações judiciais está previsto em lei. A Constituição Federal prevê, no artigo 5º, inciso LX, que só não serão públicos os processos "quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”. Além disso, no artigo 189 do CPC (Código de Processo Civil), também consta a informação de que os atos processuais são públicos.
Acordos
Segundo a Asprec (Assessoria de Precatórios), do TJMG (Tribunal de Justiça de Minas Gerais), a liberação de crédito dos precatórios não implica a cobrança de qualquer taxa, não tem nenhum custo ou despesa. Mas, por meio de acordos, é possível antecipar o pagamento, com uma redução do valor devido. Para isso, é preciso esperar o lançamento dos Editais de Acordo, chamadas públicas para o Acordo de Precatórios, procedimento de conciliação, realizado por órgão da Procuradoria-Geral dos estados.
Da verba destinada ao pagamento de precatórios, metade é utilizada pelo Poder Judiciário para o pagamento dos credores que estão na fila que segue a ordem cronológica, conforme a liberação do CJF (Conselho de Justiça Federal). A outra metade é voltada aos acordos, o que cria uma segunda lista, dos credores que aceitaram ter um desconto no valor da dívida para receber mais rapidamente. A redução é de cerca de 40% do valor atualizado.
Quando há a divulgação de Editais de Acordo, golpistas passam a procurar mais os credores, oferecendo a possibilidade do pagamento antecipado das ações. Entretanto, a participação nesses editais, único meio legal de recebimento antecipado do precatório, é gratuita e feita unicamente por meio eletrônico.
Alertas dos tribunais
Como os golpes estão aumentando, Tribunais de Justiça começaram a emitir notas e alertas, para que as possíveis vítimas dobrem a atenção. Em janeiro, o TJSP (Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo) publicou em sua página na internet um texto detalhado sobre precatórios, com orientações aos credores. No mesmo local, o órgão disponibiliza o link de acesso ao Guia de Orientações e Prevenção a Golpes, material produzido pelo DEIC (Departamento Estadual de Investigações Criminais).
Na página específica sobre os precatórios, há uma nota informativa, que remete a outro conteúdo explicativo sobre os tipos de golpes. "Se a fraude já foi consumada, é importante registrar boletim de ocorrência em uma delegacia, para que as autoridades policiais possam investigar o caso", diz o comunicado. Nele, o tribunal afirma que não faz ajuizamento de ações ou supostas liberações de créditos por telefone ou WhatsApp, e não solicita o pagamento de qualquer quantia. Lembra, ainda, que processos e intimações devem sempre ser consultados diretamente no site do Tribunal.
Também em janeiro, foram publicados avisos pelos tribunais de Santa Catarina e do Mato Grosso. O TJMT (Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso) reafirmou que toda comunicação com os credores ocorre apenas no processo, e que o pagamento de precatórios obedece uma ordem cronológica, e só pode ser feito em conta corrente ou poupança cujo titular seja o credor.
Na página do TJSC (Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina), o texto "PJSC alerta que o conhecido golpe dos precatórios voltou com 'nova roupagem'" comunica que falsos ofícios, com o timbre do PJSC (Poder Judiciário de Santa Catarina), dados processuais e valores a receber, entre outras informações, estavam sendo enviados aos credores por golpistas.
A Assessoria de Precatórios do tribunal lembra que a maioria dos julgamentos é acessível ao público, e afirma que não faz ligação nem envia e-mail para os credores. Orienta as pessoas a rejeitar qualquer proposta de antecipação do título mediante pagamento prévio, e pede que as vítimas do golpe registrem boletim de ocorrência.
O TJPB (Tribunal de Justiça da Paraíba) emitiu seu alerta em fevereiro, nos mesmos termos do que fizeram os outros estados. No mês seguinte, foi a vez da população de Rondônia ser avisada sobre o golpe dos precatórios, pelo TJRO (Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia). Em março, o TRT-4 (Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região), no Rio Grande do Sul, também preveniu os cidadãos, em seu site, sobre novo golpe envolvendo pagamento de precatórios.
Outros órgãos do Poder Judiciário que também elaboraram, nos últimos meses, comunicados contra as ações dos golpistas foram:
. TJPR (Tribunal de Justiça do Estado do Paraná)
. TJMG (Tribunal de Justiça de Minas Gerais)
. TJAM (Tribunal de Justiça do Amazonas)
. TJAP (Tribunal de Justiça do Amapá)
. TJRS (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul)
. TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul)
. TRF5 (Tribunal Regional Federal da 5ª Região) - engloba: JFAL (Justiça Federal em Alagoas), JFCE (Justiça Federal no Ceará), JFPB (Justiça Federal na Paraíba), JFPE (Justiça Federal em Pernambuco), JFRN (Justiça Federal no Rio Grande do Norte) e JFSE (Justiça Federal em Sergipe)