Governo acerta ao elevar salário mínimo com ganho real? Entenda
Atual gestão tem se proposto a aumentar a remuneração com valorização real, acima da inflação
Economia|Johnny Negreiros, do R7*
O valor do salário mínimo estabelecido pelo governo federal sempre é motivo de atenção por parte de trabalhadores e empresários. Depois de quatro anos sem reajuste real no Brasil, a remuneração básica voltou a ter valorização acima da inflação e uma política permanente na atual gestão.
Na proposta orçamentária para 2024 enviada pelo governo ao Congresso Nacional, o salário mínimo previsto é de R$ 1.421, aumento de 7,7% em relação ao atual piso, de R$ 1.320.
Além de levar em consideração a inflação do ano anterior medida pelo INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor), o reajuste do salário mínimo será atrelado ao crescimento da economia, ou seja, do PIB (Produto Interno Bruto) de dois anos anteriores ao aumento.
Ocorre que há uma discussão entre economistas acadêmicos sobre os efeitos causados pelo salário mínimo em si. Uma corrente teórica mais ortodoxa, próxima ao liberalismo, acredita que a imposição do piso causa, por definição, desemprego.
Segundo esses estudiosos, a ferramenta, na verdade, é um “salário de corte”. Ou seja, se um empregado não produz os R$ 1.320 mensais, no caso do Brasil, ele não terá direito a ocupar um posto de trabalho por força da lei.
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“Friedrich von Hayek, prêmio Nobel de economia em 1974, diz que o desemprego é causado exatamente pelas políticas de salário mínimo, porque elas impedem que pessoas menos qualificadas e mais pobres entrem no mercado”, defende Rodrigo Saraiva, do Instituto Mises Brasil, ao R7.
Ele usa, ainda, um exemplo hipotético para fazer o seguinte questionamento: “Por que o salário mínimo não é de R$ 10 mil?”.
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“Porque provavelmente as pessoas não terão produtividade suficiente para gerar os R$ 10 mil para o empregador”, responde Saraiva.
Sobre isso, Leonardo Siqueira, economista e deputado estadual em São Paulo (Novo), afirma: “O salário mínimo muito elevado aumenta o custo para o empregador, potencialmente fazendo com que ele demita alguns trabalhadores para garantir que o negócio seja viável”.
Já na visão de economistas mais heterodoxos, essa premissa não se concretiza na realidade. Para eles, os estudos práticos mostram que o salário mínimo não é uma das causas do desemprego.
“Os estudos empíricos não confirmam a tese dos liberais. O nobelista David Card demonstrou, em experimento controlado, que elevar o salário mínimo não aumenta o desemprego”, argumenta o economista André Roncaglia.
Na mesma linha de raciocínio, para Luiz Gonzaga Belluzzo, professor de economia na Unicamp (Universidade de Campinas), essa teoria ortodoxa “é uma visão binária das relações” de trabalho “de uma economia monetária financeira capitalista”.
Belluzzo se apoia na teoria da demanda efetiva, criada pelo economista John Keynes. De forma simplificada, ela diz que “os donos dos meios de produção”, os empresários e donos de negócio, controlam quantos empregos vão oferecer na economia.
“Se você reduz demais o salário, o que acontece com o consumo da maioria da população? Cai”, destaca Belluzzo. Ou seja, com menos consumo, aí sim o desemprego aumentaria, segundo ele.
Apesar de estar mais próximo dos liberais, Leonardo Siqueira reconhece que “os melhores estudos acadêmicos mostram que o salário mínimo pode trazer alguns benefícios para a economia”.
“No caso da economia brasileira, por exemplo, o aumento real do salário mínimo observado entre 1996 e 2018 contribuiu para a redução na desigualdade de renda, com trabalhadores saindo de firmas pouco produtivas para firmas melhores. Além disso, os pesquisadores não encontraram efeito em relação à redução do nível de emprego”, completou o deputado.
Prejuízo nas contas do governo
Por outro lado, Siqueira argumenta que a iniciativa do governo Lula de valorização do salário mínimo “pode trazer efeitos indesejáveis, como corte de custo em áreas importantes e aumento de impostos em um momento em que a situação fiscal do país é frágil”.
“Segundo estimativas de órgãos de estudo do Congresso e do Senado, 'cada real de aumento no salário mínimo resulta em impacto fiscal de R$ 368,5 milhões [projeção que abrange apenas benefícios iguais ao salário mínimo]'”, disse ele.
Isso acontece porque o mínimo é usado como referência para diversos benefícios e remunerações pagos pelo governo à população.
Entre eles, estão aposentadorias, pensões e outros que são pagos pelo INSS. Também figuram o seguro-desemprego, o abono salarial PIS/Pasep e o BPC (Benefício da Prestação Continuada).
Histórico
Entre 2015 e 2019, o salário mínimo pago aos brasileiros era calculado com base na expectativa do INPC do ano e na taxa de crescimento real do PIB (Produto Interno Bruto) — a soma de todos os bens e serviços produzidos no país — de dois anos antes.
A medida, estabelecida pela lei nº 13.152, foi interrompida a partir de 2020, quando o reajuste passou a ter como base apenas a expectativa para a inflação do ano anterior, sem garantir ganho real.
Segundo estimativas do Dieese, o salário mínimo é a base da remuneração de 60,3 milhões de trabalhadores e beneficiários do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).
Ao conceder um reajuste do salário mínimo sem a reposição do poder de compra, o governo federal gasta menos. Isso porque os benefícios previdenciários não podem ser menores que o piso da remuneração.
A Constituição, no entanto, determina que o salário mínimo deve ser corrigido, ao menos, pela variação do INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor) do ano anterior.
Veja os últimos reajustes do salário mínimo
2023 – R$ 1.320 (8,91%)
2022 – R$ 1.212 (10,04%)
2021 – R$ 1.100 (5,2%)
2020 – R$ 1.045 (4,7%)
2019 – R$ 998 (4,6%)
2018 – R$ 954 (1,8%)
2017 – R$ 937 (6,48%)
2016 – R$ 880 (11,6%)
Mais detalhes aqui.
* Sob supervisão de Ana Vinhas
Sem espaço para déficit, orçamento de 2024 será entregue amanhã (31) ao Congresso