Preços altos e iene fraco: o Japão queria inflação, e agora está sofrendo com ela
Autoridades econômicas do país esperavam por aumentos de salário e maior consumo, mas os resultados saíram do controle
Economia|River Akira Davis, do The New York Times
Enquanto o resto do mundo lutava para manter o controle sobre a inflação, um país a recebeu de braços abertos.
Há alguns anos, o Japão viu o salto nos preços causado por problemas na cadeia de fornecimento e choques geopolíticos como uma forma de forçar a economia a reagir ao círculo vicioso de crescimento pífio e pressão da deflação que já durava décadas. Por isso, enquanto os principais bancos centrais como o Fed norte-americano aumentaram os juros para contê-lo, o Banco do Japão os manteve baixos à medida que a inflação acelerava.
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A teoria era que, mantendo esses valores baixíssimos, a entidade conseguiria controlar o pico temporário e gerenciar o tipo de inflação que desejava havia muito: moderada, constante, que desse espaço para a expansão econômica.
As empresas poderiam falar dos altos custos para justificar os aumentos nos preços, levando a lucros mais altos que, por sua vez, forçariam um aumento no salário dos trabalhadores. Com mais dinheiro no bolso, o consumidor poderia gastar mais, criando um ciclo econômico positivo.
Os sinais promissores eram: as grandes companhias como a Toyota registravam grandes lucros e prometeram a maior onda de reajustes salariais dos últimos tempos. Em março, o Banco do Japão elevou sua taxa de juros pela primeira vez em 17 anos, depois de concluir que a economia tinha completado o “ciclo virtuoso” entre salários e preços com que sonhara.
Está marcada para esta semana a reunião do alto escalão do banco, e os indícios de que nem tudo está indo como o planejado são muitos: para começar, a determinação de manter as taxas de juros baixas não só aqueceu a inflação – já está acima da meta de dois por cento estipulada pelo governo há mais de dois anos –, como também forçou a desvalorização do iene, encarecendo os alimentos importados, o combustível e outros itens básicos. O consumidor reagiu, cortando os gastos drasticamente.
Com a redução da demanda, as empresas menores estão tendo dificuldades em aumentar os preços e os salários como calcularam as autoridades; além disso, não se sabe se o efeito dos reajustes nas grandes multinacionais está chegando às companhias mais voltadas para o mercado interno.
Alguns economistas sugerem que o consumo fraco que emperra a economia nacional é resultado da decisão de manter os juros baixos, o que por sua vez fez com que o consumidor ficasse com medo de que a inflação continue a superar a alta dos salários nos próximos anos. De fato, os analistas estão praticamente divididos na aposta de que a cúpula do Banco do Japão vai aumentar as taxas ou manter o valor, decisão que será anunciada em 31 de julho. “Eles esperavam que o aumento dos salários desse à inflação temporária um novo fôlego, transformando-a em uma versão mais amena e duradoura, mas não acho que seja o caso. Os gastos do consumidor, surpreendentemente fracos, e a desvalorização do iene têm uma causa só: os erros da política monetária na qual o governo insiste há anos. Se tivesse elevado os juros antes, o iene não sofreria muito, a atividade do consumidor teria maior estabilidade e a economia certamente estaria em melhores condições”, afirmou Takahide Kiuchi, economista executivo do Instituto de Pesquisa Nomura e ex-membro do comitê de políticas do banco central japonês.
Não faz muito tempo, em uma tarde quente na região noroeste de Tóquio, Yumiko Umemura, de 49 anos e mãe de dois filhos, parou no açougue para comprar uma mistura de carne bovina e suína moída. “Já faz alguns anos que venho gastando mais, porque os alimentos subiram, mas o salário na empresa de processamento de dados onde trabalho continua o mesmo. Complica o orçamento da casa, mas acho que vai continuar assim por um bom tempo. O negócio, então, é usar a criatividade, tipo, compro 250 gramas de carne, e não mais 300. Estou tentando economizar comprando só mesmo o essencial.”
Já Yoshimasa Yamamoto, dono do açougue, contou que está enfrentando vendas fracas e aumento nos custos. “Mesmo a carne nacional está mais cara, porque praticamente toda a ração para o gado é importada. Eu bem que queria aumentar os preços, mas não posso, porque os clientes levariam um susto. Já estão tão acostumados com os mesmos valores que, se subirem, vão deixar de comprar. Aliás, já deram uma boa reduzida; como é que vou mexer? Não dá.”
As consequências dessa dinâmica já se fazem ver na economia de forma mais ampla: os salários, mesmo com aumento, não conseguem acompanhar os preços, levando a uma disparidade que vem crescendo continuamente há dois anos e dois meses (até maio). Os gastos do consumidor, ajustados pela inflação, vêm caindo há quatro trimestres seguidos.
Dos últimos três, a economia nacional encolheu em dois, perdendo a terceira posição como maior do mundo para a da Alemanha. Este mês, o governo reduziu a previsão de crescimento para o ano fiscal que vai até março de 2025 de 1,3 para 0,9 por cento por causa da queda nos gastos do consumidor. “Como a demanda está fraca e os juros da poupança estão praticamente zerados, o pessoal está tendo de gastar o que ganha. O banco central está vendo a situação pelo lado que lhe é mais conveniente, e por isso aposta que as empresas vão conseguir repassar os lucros nos salários”, disse Richard Katz, economista e autor do livro “The Contest for Japan’s Economic Future”.
Para alguns economistas, um dos motivos para a dificuldade de controle da alta dos preços é que as autoridades não estão conseguindo se livrar das políticas antigas de encorajamento da inflação instauradas, de quando ela não existia. Segundo eles, a relutância em elevar os juros porque isso poderia prejudicar a demanda deu lugar ao reconhecimento de que os gastos do consumidor talvez sejam ainda mais sensíveis aos temores de uma inflação alta e persistente.
O iene vem recuperando parte de seu valor há algumas semanas – em parte devido à expectativa de que a queda nos juros norte-americanos deixe os ativos japoneses mais atraentes –, mas continua bem mais fraco do que antes da pandemia.
A esperança de que o ciclo virtuoso de crescimento constante da inflação, dos salários e dos gastos se cumpra está atrelada aos aumentos estabelecidos durante as negociações trabalhistas do início do ano, conhecidas como “shunto”.
O aumento da taxa de março definida pelo Banco do Japão foi confirmado dias depois que a maior federação de sindicatos do país anunciou que as negociações entre as grandes empresas e os empregos sindicalizados resultaram no maior aumento salarial das últimas décadas.
A reposição do “shunto”, que afeta 16 por cento da força de trabalho, entrou em vigor em abril e foi sendo implantado em etapas, em um processo concluído em junho, por isso os economistas ainda estão monitorando os impactos de forma mais ampla. “No ano passado, apesar de significativo, o ‘shunto’ acabou se revelando uma decepção muito grande. Desta vez, tudo indica que vai ser melhor. Até que ponto? Ainda não sabemos”, concluiu Katz.
c. 2024 The New York Times Company