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Educação

Enem: como rotina exaustiva e grana 'humilhante' podem levar a boicote a correção de 2024

Professores, que ainda não receberam pelo trabalho, relatam pressão, ameaça de corte e jornadas que ultrapassam 12 horas

Educação|Vivian Masutti, do R7

Redação é a prova mais importante do Enem
Redação é a prova mais importante do Enem

Profissionais de letras de todo o país que corrigem as provas do Enem, o Exame Nacional do Ensino Médio, além de afirmarem não ter recebido da Fundação Getulio Vargas o pagamento pelo trabalho, feito entre dezembro e janeiro deste ano, relatam rotina esgotante de serviço, cobrança excessiva e constante e esgotamento mental.

Segundo o Instituto de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), a seleção e o pagamento da equipe de correções do Enem são de responsabilidade da FGV, instituição que faz parte do consórcio aplicador da edição.

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O instituto cobrou na última semana uma resposta da fundação sobre o pagamento, que, segundo os professores, havia sido prometido para 30 de março. O atraso já ocorreu em anos anteriores, mas nunca passou de abril. Questionada pela reportagem sobre a posição do Inep, a FGV não respondeu. Limitou-se a dizer que o processo de correção não havia terminado.

O R7 teve acesso a um grupo de WhatsApp que reúne quase cem corretores de todo o país, além de ter conversado com outros professores que se pronunciaram por meio de seus perfis no Instagram e no Facebook.


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Os profissionais contratados pela FGV para a correção do Enem e entrevistados sob condição de anonimato assinaram um termo de sigilo ao serem contratados.

Seleção rigorosa

Todos passaram por um processo rígido de seleção, com etapas eliminatórias. É obrigatório ter cursado letras, com habilitação em língua portuguesa ou linguística. Os classificados devem se submeter a um curso de capacitação online com duração de quase cem horas. Depois, é preciso participar de um novo curso, dessa vez presencial.


Após isso, têm ainda de corrigir 50 provas, como espécie de teste, sem receber. Selecionados, os profissionais avaliam de cem a 200 provas por dia, em um processo que dura de 20 a 30 dias, recebendo R$ 3 por redação. O valor, segundo eles, não é reajustado há anos.

Expediente de 12 horas no Natal

Como a correção acontece entre dezembro e janeiro, os professores abrem mão de viajar e de estar com a família em datas como Natal e Ano-Novo para executar o trabalho a tempo.

“No período das correções, para darmos conta das 200 redações, foram mais de 12 horas de trabalho por dia. Deixamos família, trabalho e casa em segundo plano para darmos conta. A cobrança é imensa e agora temos que passar por esse descaso, sem pagamento e sem nenhuma previsão”, afirma uma profissional que mora em Belo Horizonte.

Outra, do Rio, tem relato semelhante: “Acordo às 4h e não durmo antes da meia-noite para dar conta das correções e do fechamento do ano letivo nas escolas em que trabalho”.

Uma terceira corretora lembra o óbvio: “Contamos com esse dinheiro. Não é trabalho voluntário. Os corretores têm contas para pagar”.

Risco de corte

A pressão a que os professores são submetidos também é citada por diversos corretores. A redação do Enem é a única prova do exame em que a nota é atribuída de forma particular ao estudante. É, portanto, a única etapa em que é possível tirar a nota máxima independentemente do desempenho dos outros participantes. Por isso a importância é tão grande na média final.

“Somos avaliados o tempo inteiro: desde a capacitação, que começa meses antes da prova, até o último dia de correção”, afirma um corretor de São Paulo. “Nós passamos por um processo longo e difícil de seleção para a correção efetiva, na qual nos é cobrado o atendimento de diversos prazos estabelecidos pela banca ou estamos fora da correção. Ficamos meses assim. Fazemos uma pré-correção com redações não remuneradas até começarmos a corrigir efetivamente”, completa outro, do Paraná.

“Temos um número mínimo de correções a fazer por dia ou somos cortados. Em muitos casos, trabalhamos de manhã até o fechamento do lote diário, que é às 23h59. Tive um problema de saúde no início do ano e estava contando com esse dinheiro para ajudar a pagar por todo o tratamento, mas até agora nada.”

Um professor de Salvador conta ter corrigido mais de 3.500 redações. Ele diz que teria cerca de R$ 10 mil a receber, caso não fossem descontados os impostos sobre o valor bruto.

Boicote

Muitos professores ouvidos pela reportagem já avaliam não participar do processo de correção das provas de 2023.

“Não participarei mais. Valor defasado e desrespeito aos prestadores de serviço que agora têm de se humilhar e se desgastar atrás de medidas para receber o que é seu por direito. Receber o que construiu com a força de seu trabalho. Revoltante”, diz um profissional do Rio Grande do Sul.

“Isso tudo coloca em risco o exame, porque a maioria de nós, corretores de anos, não queremos mais trabalhar nessas condições”, completa outro.

Questionada pelo R7 se tem conhecimento da rotina de trabalho dos corretores, se pretende reajustar o valor das correções e se pensa em reestruturar o processo, a FGV não respondeu até a publicação desta reportagem.

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