“Meu sonho é fazer medicina”, diz aluna de 63 anos que prestou Enem
Ana Maria Freitas tenta há oito anos uma vaga em uma universidade pública e defende que todos "devem voltar para a sala de aula"
Educação|Plinio Aguiar, do R7
“O meu sonho é fazer medicina”, conta a aluna Ana Maria Freitas, de 63 anos, que realizou no último domingo (3) a primeira edição do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) sob a gestão de Jair Bolsonaro (PSL). Ela, que há oito anos tenta uma vaga na universidade pública, adverte que não abre mão: “eu passo ou eu passo, não há outra alternativa”.
Por 18 anos, o objeto de trabalho de Ana foi a informação. Sua função era a de escrever uma notícia que teoricamente era de interesse do público. Renunciou ao jornalismo para dar continuidade ao sonho de se graduar em medicina e, há oito anos, seu objeto de trabalho é outro: o livro de biologia, matemática, física, entre outros. Isso porque ela voltou à sala de aula. “Sempre foi um sonho. Eu sei que a medicina é muito concorrida, mas a minha hora irá chegar. Eu não abro mão”, diz.
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De segunda a sexta, frequenta no período noturno as aulas no cursinho Anglo Vestibulares, na capital paulista. Ana divide o posto de aluna mais velha com outro homem, também de idade avançada, em uma sala de 250 estudantes. “Há muito respeito entre todos. A turma me acolheu muito bem, inclusive a minha lista de contatos no WhatsApp só aumenta”, brinca, reconhecendo que também há dificuldade: “não consigo estudar da mesma forma que uma estudante que acabou de sair do ensino médio, por exemplo”.
No domingo (3), prestou o Enem – o exame registrou a inscrição de 5,1 milhão de pessoas. Os candidatos responderam, no primeiro dia de prova, 45 questões de Linguagens, Códigos e Suas Tecnologias e 45 de Ciências Humanas. “A minha ideia é gabaritar as humanas, área que eu tenho mais facilidade”, argumenta, acrescentando que, segundo gabarito da instituição em que é aluna, “foi bem”, apesar de ter checado parte da avaliação. O gabarito oficial, dado pelo Ministério da Educação, será divulgado no dia 13 de novembro.
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Os 3,9 milhões de pessoas, uma vez que o órgão registrou o não comparecimento de 1,2 milhão, também escreveram uma redação. O tema deste ano foi a “Democratização do acesso ao cinema no Brasil”. A frase imediatamente remeteu à mente de Ana o livro “Educação da Afetividade Através do Cinema”, de Pablo Gonzales Blasco, médico e membro da STFM (Sociedade de Professores de Medicina da Família, em português). A obra contempla o modo em que as experiências educacionais por meio da arte cinematográfica ultrapassam o cenário médico e alcançam a educação familiar. “Escrevi a importância do cinema, de ter um povo representado, de divulgar ideias, de mostrar fatos”, conta. O tema da redação foi considerado, por professores, “simples e neutro”.
O segundo dia de prova do Enem ocorre no próximo domingo (10) e conta com 45 questões de Matemática e 45 de Ciências da Natureza. “E aí está a minha chance. Eu tenho que ganhar pontos nessas áreas”, diz. Entre a funções de estudante, mãe e dona de casa, Ana tem uma certeza: “todo mundo deveria voltar à sala de aula”.