Risco de fraude é maior com voto de papel do que em urna eletrônica
Ex-integrante da Comissão Eleitoral Federal dos Estados Unidos diz que voto eletrônico não tem registro de qualquer tipo de burla até hoje
Eleições 2018|Fernando Mellis, do R7
Urnas eletrônicas, voto impresso, voto manual em papel... são várias as possibilidades de um eleitor manifestar sua escolha política. Nos Estados Unidos, todos esses métodos são utilizados, mas as cédulas de papel são o meio mais suscetível a fraudes.
Dos 50 estados norte-americanos, cerca de 30 utilizam urnas eletrônicas, muitos deles há mais tempo do que o Brasil, sem que tenha havido qualquer comprovação de atos ilícitos envolvendo os equipamentos.
O mesmo sistema de votação do Brasil é adotado em 15 estados norte-americanos: urnas eletrônicas sem impressão do voto. O assunto reascendeu dúvidas e polêmicas depois que o STF (Supremo Tribunal Federal) derrubou um artigo da minirreforma eleitoral que previa a impressão do voto para simples conferência, sendo em seguida depositado em uma área lacrada, sem que o eleitor pudesse pegá-lo.
"Embora tenha havido um pequeno número de reclamações feitas em recentes eleições de fraude envolvendo urnas eletrônicas, ainda não foi produzida nenhuma evidência de que tal fraude tenha ocorrido", diz Hans von Spakovsky, ex-comissário da FEC (Comissão Eleitoral Federal dos Estados Unidos) e membro da The Heritage Foundation, uma das organizações conservadoras de pesquisa mais influentes do país.
Spakovsky, que também já foi conselheiro do Departamento de Justiça dos EUA, ressalta que, assim como aqui no Brasil, nos Estados Unidos as urnas não são conectadas à internet, o que traz mais segurança a todo o processo.
"São máquinas de stand-alone [funcionam de forma independente] e os votos de cada uma são contados separadamente, removendo manualmente um cartucho que registrou esses votos. Se as urnas eletrônicas fazem parte de uma rede que é executada pela internet, isso aumenta a possibilidade de hackers entrarem na rede para manipular votos e resultados eleitorais", acrescenta.
O principal questionamento acerca do atual formato de votação no Brasil diz respeito ao fato de que o voto, mesmo que sem qualquer identificação do eleitor, não pode ser checado individualmente. A dúvida surge porque os dados mostrados pela urna serão sempre os mesmos em caso de uma auditoria.
Os céticos argumentam que o software das máquinas poderia ser adulterado para, propositalmente, beneficiar determinado candidato, o que geraria divergências entre o que o eleitor digita e o que de fato é contabilizado.
O ex-comissário da FEC afirma que "a fraude pode ocorrer independentemente do tipo de equipamento de votação utilizado".
"É importante que as autoridades eleitorais mantenham o controle total das urnas eletrônicas e das cédulas de papel para que ninguém possa inserir softwares trapaceiros nas máquinas ou roubar cédulas de papel e forjar votos fraudulentos", diz.
O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) adota diversos níveis de segurança para garantir que não exista qualquer tipo de manipulação intencional do software das urnas eletrônicas. Isso inclui a criptografia dos dados.
Em 18 anos de uso, nunca houve qualquer registro de fraude nas urnas eletrônicas brasileiras.
Estados Unidos
Como o processo eleitoral nos EUA é definido no âmbito estadual — o tipo de votação pode variar de acordo com cada distrito —, há localidades que possuem diversas modalidades, inclusive o tradicional voto de papel. Neste caso, o eleitor preenche uma cédula como se fosse um jogo de loteria que é escaneado eletronicamente na apuração.
Spakovsky explica que as fraudes mais comuns envolvem justamente a cédula de papel.
"O tipo mais comum de fraude que temos visto é a fraude por voto de ausente — fraude envolvendo cédulas de papel que são enviadas pelo correio. Em todos os estados, indivíduos que estarão "ausentes” no dia da eleição, como indivíduos que estão muito doentes para ir a um local de votação ou que estejam fora da cidade em uma viagem de negócios, podem solicitar uma cédula, que é preenchida por ele e enviada pelo correio de volta aos funcionários eleitorais. Essas cédulas de correio estão sujeitas a fraudes", explica.
Um levantamento da The Heritage Foundation mostrou que apenas nas eleições de 2016, foram identificadas 52 fraudes durante as votações nos Estados Unidos. Nenhuma delas envolveu urnas eletrônicas.
De acordo com Brennan Center for Justice, da Faculdade de Direito da Universidade de Nova York, cerca de 20% dos americanos votaram em urnas eletrônicas sem voto impresso em 2016.
Dos pelo menos 28 estados que utilizam urnas eletrônicas, dois deles (Kansas e Mississípi) têm máquinas com e sem impressora. Em 13 estados, o modelo é como o brasileiro, sem qualquer voto contabilizado individualmente em papel. Outros 15 estados possuem urnas eletrônicas com a trilha de papel para conferência.
Brasil é exemplo
Em 2007, Gloria Lin e Nicole Espinoza, alunas da Universidade de Stanford, nos EUA, elogiaram as urnas eletrônicas brasileiras em um artigo acadêmico.
"O Brasil parece ter muitos fatores positivos trabalhando juntos para criar um durável e confiável sistema para governo e eleitores. Apesar de nenhuma eleição ser sempre livre de alguma controvérsia, o Brasil tem também mantido uma experiência relativamente sem problemas com seu voto eletrônico e serve como um bom modelo para outros países".
O National Democratic Institute, uma organização não governamental dos EUA, destaca como era o processo eleitoral brasileiro no passado, com inúmeras irregularidades.
"O primeiro motivo para adotar urnas eletrônicas foi combater a endêmica fraude no processo de contagem dos votos em papel. Devido ao complexo ambiente eleitoral criado pela lei brasileira, em que os eleitores têm que escolher entre milhares de candidatos ao legislativo, a tabulação dos votos era um complexo e demorado negócio".
O instituto afirma que a apuração dos votos "era um enorme desafio logístico, envolvendo centenas de milhares de contares, que eram frequentemente funcionários públicos de bancos estatais ou do serviço postal".
"Nas eleições de 1994, por exemplo, a contagem dos votos necessitou de aproximadamente 170 mil pessoas. Por causa da escala da tarefa, a contagem dos votos podia levar semanas e o período pós-eleição era de grande incerteza e tensão".