Exclusivo: ‘Juntei os pedaços e fui reconstruindo’, diz Nando Reis em lançamento de álbum triplo
Turnê de ‘Uma Estrela Misteriosa’ visita 24 cidades em 2024, e mostra nova faceta do artista, com 26 músicas inéditas e quatro regravações
Entrevista|João Pedro Benedetti, do R7*
Após o lançamento do oitavo disco em 2016, o Jardim Pomar, turnês nacionais com artistas como Pitty, AnaVitória e até mesmo o reencontro com os Titãs, o cantor Nando Reis está de volta com o novo projeto solo, o álbum triplo Uma Estrela Misteriosa. Este é o primeiro projeto da carreira de mais de 40 anos do artista produzido e idealizado totalmente sóbrio.
“Percebi, em algum momento, que minha rota era destrutiva, juntei os pedaços e fui reconstruindo. Cabe a nós, nesta vida, juntar os pedaços, pois se deixar eles soltos, você fica louco!”, conta o artista de 61 anos ao abordar a influência do passado em sua nova fase. Nando também destacou as etapas criativas do novo projeto, que conta com 30 músicas, sendo 26 inéditas e quatro regravações.
Lançado em formato de box de LPs, com um quarto disco bônus, o projeto contou com a participação de artistas internacionais como Mike McCready e Matt Cameron, ambos integrantes do Pearl Jam; Duff McKagan, do Guns N’ Roses; Sebastião Reis, filho de Nando e integrante da banda Colomy; e Krist Novoselic , ex-integrante do Nirvana. Além destes, Peter Buck, co-fundador da banda inglesa R.E.M e Barrett Martin, baterista americano da banda Screaming Trees, participaram da produção e integram a banda durante a turnê, que tem final marcado para o dia 22 de dezembro, em Campinas, no interior de São Paulo.
“Não penso muito em um recado, ou mensagem. Acho que o conjunto do disco sugere uma imersão, uma viagem — da Estrela Misteriosa — a um lugar desconhecido”, pondera Nando sobre o resultado final da obra, e como ele enxerga a recepção do público aos discos.
Em entrevista exclusiva ao R7, o artista dá detalhes sobre o processo criativo do álbum e como tem trabalhado com afinco nas questões de acessibilidade durante a turnê, além de revelar seus três discos preferidos da vida.
Confira a íntegra:
R7- Nando, como foi o processo criativo de elaboração do seu nono álbum solo, até chegar finalmente no nome Uma Estrela Misteriosa?
Nando Reis - O disco começou pelo nome. Na pandemia, eu escrevi a canção-título e, naquele momento, já reunia um conjunto de canções que seriam o ponto de partida do disco. Ele surgiu de um modo inesperado, em 2022, quando Barrett Martin (baterista americano da banda Screaming Trees) veio ao Brasil, para produzir um documentário no qual ele ia me entrevistar. Este projeto abordava artistas de diferentes países e seus processos criativos, e para o documentário iríamos gravar duas canções. Junto de Barrett, veio Peter Buck (co-fundador da banda inglesa R.E.M.), que já havia participado de dois discos meus como convidado.
Quando entramos no estúdio, junto de minha banda, as coisas fluíram espetacularmente, nossa sinergia resultou na gravação de 12 canções em um período curtíssimo, entre sete e dez dias.
Ficamos entusiasmados a tal ponto que marcamos uma segunda etapa de gravações, cerca de dois meses depois. Neste meio tempo, eu compus cerca de cinco a seis músicas, e resgatei ideias antigas nunca antes gravadas, rascunhos, e até terminei músicas diretamente no estúdio. No final destes períodos, tínhamos 24 músicas, todas prontas para serem publicadas. Isso significaria um álbum triplo, porque minha ideia sempre foi lançar em LPs. Ou seja, é uma ideia cara. Portanto, no final de 2022, eu tinha um álbum pronto, mas tive de adiar o lançamento, pois, em 2023, tivemos o reencontro e a turnê dos Titãs.
R7- Na contramão do mercado, você priorizou a entrega deste novo projeto no formato físico com os LPs, enquanto realizava a liberação semanal das faixas nas plataformas de streaming. Como você enxerga o resultado deste lançamento, brincando justamente com o imediatismo das novas tecnologias e abraçando a tradição?
Nando Reis - Quando perguntam minha profissão, respondo de prontidão que sou um fazedor de discos. Meu pensamento artístico sempre foi conceber um disco — claro que nestes 40 anos de carreira tive de lançar CDs (risos) — e em uma segunda etapa, procuro entender um pouco mais sobre como fazer a divulgação destes trabalhos.
A forma com que as pessoas consomem música hoje está majoritariamente no streaming, e pensando além da cultura que engloba estes meios de reprodução, busquei uma estratégia para apresentar o disco. Um álbum tão longo quanto esse, se fosse jogado em uma única noite na rede, iria se perder. Àqueles que realmente acompanham meu trabalho, havia um disco pronto, físico, lançado. A maneira que ele foi anunciado, divulgado e comprado, teve sua forma peculiar para se adaptar aos tempos atuais.
R7- “Já deixe prontas todas as malas/Só não esqueça meus discos”. Este trecho de Estrela Misteriosa também faz referência ao lançamento do próprio álbum. Quais são os seus três discos favoritos da vida?
Nando Reis - Poxa vida, uma boa pergunta, de difícil resposta. Vou com dois brasileiros e um internacional: Expresso 2222, de Gilberto Gil, lançado em 1972, e o Álbum Branco, de João Gilberto, lançado no ano seguinte. Para fechar, On the Beach, do Neil Young, de 1974.
R7- Como é trabalhar nesta turnê com Peter Buck (co-fundador da banda R.E.M) e Barrett Martin (da Screaming Trees), integrantes de bandas internacionais precursoras que surgiram na mesma época dos Titãs?
Nando Reis - É muito fácil! (risos) Conheci Barret nos anos 2000, quando fui gravar meu segundo disco, Para Quando o Arco-Íris Encontrar o Pote de Ouro, no qual Buck já participa como convidado. Ao longo desses 24 anos, trabalhei inúmeras vezes com Barret, incluindo a produção de Jardim Pomar (oitavo álbum de Nando, lançado em 2016). Tenho grande intimidade e afinidade musical, e meu pensamento sempre conjugou com muita naturalidade essa junção da música brasileira e as músicas da língua inglesa, especificamente no rock. A formação de Barrett, do ponto de vista musical, era muito semelhante à minha, claro que com suas devidas proporções.
Já com Peter Buck foi uma surpresa, pois nunca havia trabalhado com ele, de fato, em um estúdio, dialogando e trabalhando em cima dos arranjos. Eu já o considero um amigo, não só pela convivência, mas muito pela pessoa que ele é. Um guitarrista genial, com uma inteligência, musicalidade, timbragem e pensamento únicos, que criou texturas tão surpreendentes e musicalmente belas, que foi muito estimulante.
E o melhor, eles estão participando da turnê comigo! A banda que gravou o disco está apresentando as músicas ao vivo, e não só as inéditas de Uma Estrela Misteriosa, mas também todo o repertório mais “conhecido” de minha carreira.
R7- O que você espera que as pessoas sintam ao ouvir Uma Estrela Misteriosa pela primeira vez? Qual o recado que você quer transmitir com esta obra?
Nando Reis - Não penso muito em um recado, ou mensagem. Acho que o conjunto do disco sugere uma imersão, uma viagem — da Estrela Misteriosa — a um lugar desconhecido, como sempre é quando uma pessoa escuta um disco novo pela primeira vez. Esse impacto, por si só, é desconhecido pelo ponto de vista do autor. Eu não pretendo controlar nem induzir as pessoas a nada, apenas a que elas se envolvam a reflexões das concepções, músicas.
As músicas em si são unidades organizadas em torno de um pensamento, ou emoção — obviamente do meu ponto de vista — de modo geral, todas estas tratando de assuntos universais, comuns, ordinários. A forma é muito singular, pois tem a ver com minha linguagem e sofisticação musical. [...]
De modo geral, pretendo que aquilo seja um momento de deleite, inquietação, intrigante e encantador. Eu quero encantar as pessoas. Para mim, a única função da música é encantar e levar para um lugar, de fato, maravilhoso. Lembrando que maravilhoso não significa apenas “alegre”. Ele pode ser emocionante, podendo te levar a profunda reflexão, angústias, tristeza, as lágrimas, emoção, ao júbilo.
R7 - Qual o poder da influência do Nando, da época dos Titãs, sob esta nova fase do Nando, em seu primeiro álbum 100% sóbrio?
Nando Reis - Acredito que a palavra mais adequada não seja “influência”, mas sim a relação de continuidade. Também não acho que a palavra “evolução” caiba, pois tem uma conotação de melhora. Acredito que tivemos um aprimoramento, de construção de individualidades, de ser, e no meu caso de linguagem, pois é a forma com que eu me comunico e que de fato interessa em meu trabalho.
Eu diria mais como um desenvolvimento temporal, não de forma linear, pois a única coisa linear é a continuidade do tempo. E eu também não gosto da palavra “amadurecimento”, porque parece que em determinado ponto você vai apodrecer.
Mas há, de fato, uma consolidação, uma transformação de um único ser. No fim, sou a mesma pessoa, acumulando experiências que não desaparecem. Elas podem dissipar no sentido da importância da memória, aquela coisa maluca. Mas ela não desaparece. Pelo menos uma pessoa como eu que ainda mantém um grau de — não sei o quê — consciência.
Já no período da sobriedade, ela vai se acumulando. Todo aquele caos que foi minha vida, repercute dentro de mim e cabe a cada um de nós extrair de suas experiências algo que seja vital. Neste sentido, percebi em algum momento que minha rota era destrutiva, juntei os pedaços e fui reconstruindo. Cabe a nós, nesta vida, juntar os pedaços, pois se deixar eles soltos, você fica louco! Já basta todas as direções e desejos que nós temos, que vai cada um para um lugar, portanto, devemos juntar tudo isso no mesmo invólucro.
R7 - Dentre os quatro pilares da turnê, você sempre levantou a bandeira sobre cuidados com o meio ambiente. Você enxerga uma mudança no cenário ambiental mundial, uma vez que siglas como ESG, ODS, e agenda de compromissos da ONU têm tomado cada vez mais força?
Nando Reis - Tomado cada vez mais força no sentido da urgência, mas não vejo impacto nenhum do ponto de vista das medidas necessárias para mitigar ou impedir a rota destrutiva. É uma preocupação do ponto de vista humano. Sou avô, olho para as pessoas, para o mundo e me dá um pânico ao ver que ninguém percebe ou não admite e não se preocupa com esse desastre.
É muito normal isso estar anexado como conduta. No entanto, curiosamente, nesta turnê tem um outro aspecto que tem se sobressaído com mais relevância e eficiência, que é o projeto “Incluir pela Arte”, realizado em conjunto da minha equipe com Vanessa Bruna. Vanessa é uma mulher carioca, negra, que ficou cega há 10 anos, e que desenvolve um trabalho magnífico acerca da acessibilidade.
Ela tem nos acompanhado em todos os shows, e nós temos, juntos, criado condições e realizado o trabalho de inclusão, de acessibilidade para que todos possam ir ao show, com ênfase, atenção e cuidado especial para que o show inclua todos, principalmente os PCDs. Quero que qualquer um que tenha vontade de ir ao meu show, consiga ir e tenha as melhores condições para aproveitar.
De certa maneira, estes estão nas agendas de todos nós de uma maneira protocolar, e é muito diferente estar no discurso, e na prática, como estou descobrindo agora. Além dos intérpretes de libras no palco — e pela primeira vez com intérpretes surdos, algo que desconhecia — toda a infraestrutura dos shows é voltada a maior acessibilidade a todos. Não estou aqui em uma posição para fazer algo pelos outros, mas estou abrindo para que todos estejam ocupando lugares como indivíduos. É uma questão apenas de viabilizar.
Minha vida sempre foi relacionada à dificuldade de inclusão aos PCDs, pois tenho um irmão surdo e uma irmã com paralisia cerebral. Sempre estive a par da dificuldade de inclusão, de comunicação, o preconceito. A partir do meu lugar de figura pública, meu propósito de música é a reunião, para que alcance a todos. Por exemplo, o LP de “Jardim Pomar” possui o invólucro em braile, e sempre penso nos vinis por ser uma coisa multisensorial, dentro de uma coisa que nuclearmente é música.
R7- Como é poder contar com o trabalho de Vanessa Bruna na turnê, que gera uma maior amplitude e aderência de públicos que antes não frequentavam shows?
Nando Reis - É uma maravilha! Uma das coisas mais legais e importantes dentro da minha vida profissional. É uma pessoa incrível, brilhante, ao mesmo tempo simples, e que há dez anos não enxerga o mundo.
Ter ela na turnê é como uma via de mão dupla. Para que o trabalho dela possa cada vez mais se desenvolver e ter maior impacto, e para mim entender o que pode ser melhorado. Sair do ponto de vista da intenção, para realização. Além da convivência pessoal com ela, que é incrível.
R7 - O que ainda podemos esperar de Nando Reis? Além de Uma Estrela Misteriosa, o que o astro dos Titãs tem guardado para o público?
Nando Reis - Bem, eu mesmo não sei. Estou totalmente imerso na turnê, acabei de lançar um disco com 30 músicas e estou descobrindo o que são essas canções e o que elas significam no impacto delas, e até como interpretá-las.
Tudo que eu tenho mais ou menos delineado para o futuro são esboços tão incipientes, que nem tenho. Estou envolvido com A Estrela Misteriosa.
*Estagiário sob supervisão de Camila Juliotti