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Fim do conflito na Ucrânia? Com cenário ‘pessimista’, especialista vê risco nuclear e até 3ª Guerra

Vicente Ferraro afirmou que não há sinais de cessar-fogo, e disse ver cenário internacional cada vez mais instável

Entrevista|Daniel Fernandes, do R7

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RESUMO DA NOTÍCIA

  • A guerra na Ucrânia completa mais de três anos sem sinais de cessar-fogo, segundo o especialista Vicente Ferraro.
  • Ferraro alerta para a possibilidade de uso de armas nucleares pela Rússia caso a Ucrânia recupere território, como a Crimeia.
  • A invasão russa resultou em um fortalecimento da OTAN e tornou as fronteiras da Rússia mais vulneráveis.
  • O risco de uma Terceira Guerra Mundial ainda é uma preocupação, interligando tensões geopolíticas em diversas partes do mundo.

Produzido pela Ri7a - a Inteligência Artificial do R7

Para Ferraro, a invasão da Ucrânia tornou as fronteiras russas “ainda mais vulneráveis” Reprodução/X/@ZelenskyyUa - 30.04.2025

Mais de três anos após o início da invasão em larga escala da Ucrânia, a guerra promovida pela Rússia continua sem perspectiva concreta de cessar-fogo ou solução pacífica, analisou, em entrevista ao R7, Vicente Ferraro, cientista político e pesquisador da FGV e do Laboratório de Estudos da Ásia da USP.

Mesmo após a imposição de um prazo de 50 dias para um cessa-fogo dado pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump [posteriormente alterado para “10 ou 12 dias” pelo americano], Ferraro acredita que o cenário atual é de estagnação diplomática, agravado por reivindicações inegociáveis por parte do Kremlin e pela resistência ucraniana em ceder qualquer território.


De acordo com o especialista, erros de cálculo do governo de Vladimir Putin e uma eventual, apesar de pouco provável, recuperação da Crimeia pela Ucrânia podem levar a Rússia a usar armas nucleares no campo de batalha, o que pode transformar definitivamente a guerra e o posicionamento geopolítico global.

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Para Ferraro, a invasão da Ucrânia tornou as fronteiras russas “ainda mais vulneráveis”, pois fortaleceu a relação de países antes distantes da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) com a organização, dado o temor do expansionismo russo.


Segundo o especialista, a guerra iniciada por motivações internas na política russa já se desdobrou em uma ampla disputa geopolítica que conecta tensões em várias partes do mundo — e a ameaça de uma Terceira Guerra Mundial não pode ser descartada.

Confira os destaques da entrevista:


Cenário pessimista para o fim da guerra

R7 - Passados mais de três anos do início da invasão em larga escala, qual é a sua avaliação sobre as perspectivas atuais para uma solução pacífica ou um cessar-fogo duradouro entre Rússia e Ucrânia? Há algum sinal diplomático concreto que aponte para um caminho diferente do conflito armado?

Vicente Ferraro - Sou um tanto pessimista em relação às possibilidades de um acordo de paz, ou mesmo de um cessar-fogo duradouro, porque eu vejo que as reivindicações da Rússia são de certa maneira intransigentes.


Desde o começo da guerra, a Rússia não deixou muito claro quais eram os reais objetivos dela. A gente vê que um dos objetivos que foi sendo implementado ao longo da guerra foi a anexação de territórios. A Rússia anexou territórios, mas ela não controla essas regiões integralmente.

Eu não acredito que a Rússia, apesar deles terem anunciado que poderiam manter a situação na medida em que ela está agora, vai abrir mão de controlar esses territórios integralmente, principalmente a região de Kherson, Zaporizhia e Donetsk.

Eu não acredito que eles vão aceitar um cessar-fogo, ou um acordo de paz sem controlar essas regiões integralmente, e acredito também que, além dessas regiões, há intenções da Rússia de tentar conquistar ainda outras regiões, ao mesmo tempo em que a Ucrânia não está disposta em ceder o controle dessas regiões.

Eu não imagino uma situação em que a Ucrânia vai aceitar se retirar dessas desses territórios que ela controla para entregar a Rússia. As reivindicações russas são muito intransigentes e, ao mesmo tempo, a Ucrânia não está disposta a ceder territórios.

Fim do conflito após intervenção de Donald Trump?

R7- Como fica o cenário com o prazo dado pelo governo Trump de 50 dias para o fim do conflito?

Vicente Ferraro - Ora ele [Donald Trump] sinaliza que está do lado da Ucrânia, ora ele sinaliza que está do lado da Rússia. No meu ver, isso pode ser interpretado de diferentes maneiras: uma é que Trump realmente acreditava nos argumentos russos, e agora ele está vendo que a guerra vai muito além do que essa moeda de face, do que a Rússia declarou. Trump viu que a questão da Otan, que a Rússia tanto declarou, não é de fato ali o que está em jogo.

Uma segunda explicação é que essa seria uma estratégia: sinalizar ora estar do lado da Ucrânia, ora do lado da Rússia para forçar as duas partes beligerantes a sentarem na mesa de negociações. E uma terceira explicação eu diria que seria fazer com que a Europa incorra mais nos custos da guerra, e isso é algo que Donald Trump de fato conseguiu nas últimas semanas.

Ameças a países dos BRICS

R7 - Países como Brasil e China têm buscado se manter neutros em declarações e ações diplomáticas sobre o conflito. Essa neutralidade está sendo colocada em xeque com as ameaças de sanção da Otan?

Vicente Ferraro - Os países dos BRICS se declaram neutros diplomaticamente, mas, na prática, desde o começo da guerra, eles tiveram alguns posicionamentos favoráveis à Rússia. Foram adotadas uma série de sanções contra a economia russa, e a Rússia contornou todas essas sanções aprofundando as relações econômicas com os países dos BRICS.

Eu não diria que os países dos BRICS são de fato neutros. Pode se falar que eles não estão envolvidos diretamente militarmente no conflito, mas não são, no sentido político e econômico, plenamente neutros. Eles têm um posicionamento, sim, mais alinhado à Rússia. Apesar desses países se declararem neutros e não enviarem armamentos, eles têm posicionamentos políticos e econômicos que acabam dando um fortalecimento à Rússia na guerra.

Se Trump adotar novas sanções contra os países dos BRICS, principalmente contra a China e contra a Índia, eu acredito que o impacto na economia norte-americana vai ser ainda maior. O ‘tarifaço’ já está prejudicando a economia norte-americana, e ele aumentar ainda mais esse ‘tarifaço’, sobretudo para a China, que é um dos maiores parceiros comerciais dos Estados Unidos, poderia ser um tiro no pé dos Estados Unidos.

Risco de uso de armas nucleares

R7 - A retórica sobre o uso de armamento nuclear por parte da Rússia tem sido uma constante ao longo do conflito. Este é um exagero ou um cenário que não pode ser totalmente descartado?

Vicente Ferraro - Este é um cenário remoto, mas eu acredito que possível. Acredito que, se a Ucrânia tiver algum sucesso em recuperar a Crimeia, Vladimir Putin não hesitaria em utilizar armas nucleares. Eu diria não as de uso estratégico, como as de Hiroshima e Nagasaki, que têm um impacto muito grande, e a radiação atingiria de maneira muito forte a própria Rússia, mas as de uso tático, que são armas nucleares de menor impacto.

Acho que a Crimeia é o principal fator de uso dessas armas porque, desde 2014, é um dos maiores trunfos utilizados por Putin nessa discussão de legitimação, da ideia de fortalecimento da Rússia contra os inimigos. Foi exatamente a anexação da Crimeia, a ideia de que a população na Crimeia, a maior parte, era de etnia russa, isso foi muito explorado dentro do nacionalismo russo, foi muito explorado dentro da política doméstica russa.

Escalada para Terceira Guerra Mundial

R7- No início do conflito, um dos principais temores era de uma escalada para uma guerra que envolvesse outras potências globais e culminasse em um novo conflito global. Passados três anos, a possibilidade de isso desencadear a Terceira Guerra Mundial ainda existe?

Vicente Ferraro - Eu acredito que existe, sim [o risco de uma Terceira Guerra Mundial]. As motivações dessa guerra, para mim, não são geopolíticas, nem de ordem externa, mas são de ordem doméstica, da política doméstica russa; só que o conflito, uma vez que ele é iniciado, ele ativa dinâmicas geopolíticas. A geopolítica não explica a origem dele, mas explica todo o transcorrer dele.

Ele não começou pela questão geopolítica, mas, uma vez que ele começou, ele acaba se inserindo em toda essa dinâmica geopolítica de alinhamento internacionais. A gente vê que há um padrão de alinhamentos internacionais. A questão dessa aproximação maior entre a China e a Rússia, a questão de Taiwan, mesmo os conflitos do Oriente Médio… Os diferentes conflitos ao redor do mundo estão se interconectando.

O conflito [na Ucrânia] só fortaleceu a Otan. A Otan se expandiu, hoje é muito mais forte do que era antes da guerra, do que era antes de 2014, inclusive. Essa guerra, em vez de proteger as fronteiras russas, eu diria que ela tornou as fronteiras russas ainda mais vulneráveis, uma vez que esses países da Europa tinham relações econômicas muito fortes com a Rússia.

Essa invasão criou essa barreira e, hoje, eu diria, a maioria dos países europeus veem a Rússia como uma grande ameaça. Se antes a Otan era vista como uma organização arcaica, anacrônica, essa invasão de Vladimir Putin acabou dando um impulso ideológico para a própria Otan em argumentar que há uma grande ameaça por parte da Rússia.

Cidadãos de países que estão próximos da fronteira com a Rússia defendem a Otan com força. Eu diria que não por inclinações ideológicas, não por um amor aos Estados Unidos, mas por ver a Otan como um dos poucos mecanismos de segurança com eficácia para garantir uma proteção contra uma eventual expansão ou invasão russa.

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