Itamar Vieira Jr. encerra trilogia de ‘Torto Arado’ com livro sobre angústia e desespero na periferia urbana, ‘Coração sem Medo’
Escritor fala sobre a fama, o novo livro e vê com otimismo a explosão de feiras literárias no país
Entrevista|Vivian Masutti, do R7
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Seis anos após o lançamento de Torto Arado, livro que o catapultou à fama, o autor baiano Itamar Vieira Jr., 46 anos, lançou na última semana Coração sem Medo.
A obra vem na esteira de Salvar o Fogo, de 2023, e encerra a “trilogia da terra” — sequência de títulos nos quais retrata o impacto da questão agrária no país.
Se antes o interior nordestino era o pano de fundo de histórias que consagraram personagens como Bibiana e Luzia do Paraguaçu, agora a protagonista, Rita Preta, é apresentada como moradora da periferia de Salvador.
Operadora de caixa e mãe solteira de três filhos, ela tem sua vida transformada quando um deles some. A partir daí, o leitor é conduzido em uma saga desesperada, angustiante e perigosa que joga luz nas desigualdades e injustiças da sociedade brasileira.
Confira a seguir trechos da entrevista feita com o autor na Bienal do Rio deste ano, na qual ele fala sobre a fama, o novo livro e vê com otimismo a explosão de feiras literárias no país.
Este livro tem como pano de fundo aqueles que foram absolutamente desterrados e precisaram migrar para as periferias da cidade

R7 Entrevista - Na última vez em que conversamos, na Bienal de 2023, o contexto era de fim da pandemia. Você falou bastante sobre como explodiu durante o confinamento e os planos de pausar sua atuação como geógrafo para divulgar seu trabalho no exterior. Qual o contexto da sua carreira agora?
Itamar Vieira Jr. - Bom, acho que muita coisa aconteceu de lá para cá, né? Na Bienal deste ano, por exemplo, tivemos números superiores aos da Bienal anterior. Há cada vez mais leitores interessados. Tenho participado de muitos festivais no Brasil e fora e o que eu posso dizer é que quem passa por esses festivais tem muito interesse na leitura, no livro. Está sempre tudo muito cheio. E planta sementes de otimismo, né? O Brasil ainda é um país que está se educando. A gente ainda precisa formar um público leitor mais sólido, mais consistente.
Estou em um momento muito interessante da carreira. Torto Arado já ganhou mais traduções e chegou a 31 idiomas. E Salvar o Fogo, meu segundo romance, que ganhou o Prêmio Jabuti de romance literário no ano passado, está aí traduzido para 12 idiomas.
Então, as expectativas são boas para esse livro que fecha a trilogia, que eu chamo de ‘trilogia da terra’. Tenho vivido intensamente esse interesse do público no Brasil e fora dele pela literatura brasileira.
R7 - Sim. Agora, com Coração sem Medo, você volta a sua narrativa para a disputa territorial no ambiente urbano.
Itamar Vieira Jr. - Este livro tem como pano de fundo aqueles que foram absolutamente desterrados e precisaram migrar para as periferias da cidade. Então, ainda é uma história que tem, transversalmente, a questão agrária. Mas fala daqueles que foram desterrados e precisaram reinventar suas vidas na cidade no meio hostil, no meio que ainda é duro, né? São uma espécie de refugiados do campo.
R7 - Salvar o Fogo foi lançado ali em um contexto de grande expectativa. Acha que correspondeu ao que esperavam dele, de ter tanto sucesso quanto Torto Arado?
Itamar - Eu acho que existe essa expectativa por parte dos leitores e da crítica, talvez, mas ela não encontra amparo nos meus anseios nem nos meus desejos. Cada livro é um livro, tem sua história, faz seu caminho. Alguns vão reverberar de uma maneira intensa nos leitores, outros podem tocar sentimentos diferentes.
O escritor precisa ser coerente consigo mesmo. Não pode pode trair o seu projeto literário. É uma vocação, um desejo muito íntimo. E aí cada história vai reverberar de uma maneira no leitor.
R7 - Vi você dizendo em uma entrevista que o celular é o maior inimigo do escritor. Acredita que seja do leitor também?
Itamar - Vivemos em um tempo de grandes distrações. De muita informação. A gente não se contenta em ler o jornal uma vez por dia. A gente recebe notícias a todo momento. Então, é um desafio para que a gente continue leitor. Para quem escreve, o celular serve como um bloco de notas, essas coisas. Mas, se você quer se dedicar à escrita, isso exige a capacidade de refletir, de contemplar. E a gente não consegue fazer nada disso com distrações.
Nessa hora, o celular é um inimigo e precisa estar longe. É a mesma coisa para o leitor. Se vai ler um livro, desligue todas as notificações, deixe o celular de lado, embarque nessa leitura, nessa aventura. A mente precisa desse descanso, de poder contemplar e refletir as coisas de uma maneira detalhada, minuciosa. Uma coisa que as redes sociais e o celular não nos permitem fazer.
Se vai ler um livro, desligue todas as notificações, deixe o celular de lado, embarque nessa leitura, nessa aventura. A mente precisa desse descanso, de poder contemplar e refletir as coisas de uma maneira detalhada
R7 - Qual a relevância dessas premiações literárias como o Jabuti para você?
Itamar - Elas dão algum destaque para aquilo que foi escrito. Acho importante, mas não fundamental. O que realmente é relevante é chegar ao leitor. A literatura é feita disso, não de prêmios. Ela deve dar ao leitor essa capacidade de refletir sobre o mundo, sobre a vida, sobre ele mesmo.
R7 - Da última vez em que falamos, você que comentou que percebeu que estava famoso quando foi reconhecido no supermercado. Como tem sido a abordagem do público e o retorno com relação ao seu trabalho?
Itamar - Não mudou muito. As pessoas me reconhecem, querem falar. Eu compreendo perfeitamente e acho isso saudável, porque escrevemos algo que é muito íntimo às vezes, né? Essa história vive dentro do escritor. Todo mundo entrega um pouco de si nessas histórias. E o leitor vai se conectar de uma maneira íntima ao autor. Então, reconhecimento nas ruas, nos aeroportos, pelos lugares que a gente passa, faz parte de tudo isso. A gente tem que ter a paciência e a delicadeza de parar, escutar e atender. Afinal, o leitor dedicou um tempo importante da sua vida para ler aquilo.
A literatura deve dar ao leitor essa capacidade de refletir sobre o mundo, sobre a vida, sobre ele mesmo
R7 - E como tem sido a recepção ao seu livro infantil, Chupim?
Itamar - Muito interessante. Não foi o primeiro livro que eu escrevi para a infância, mas foi o primeiro que publiquei. E tenho colhido bons frutos. Ele esteve entre os selecionados da Feira Infantil de Bolonha, na Itália, e entrou em outras listas recentemente. E o mais importante de tudo isso, é que, por onde eu passo, os leitores falam dessa história.
O livro infantil tem uma coisa diferente. Ele envolve o trabalho de muitas pessoas, porque existe o texto, as ilustrações, as páginas têm cores diferentes. Viver toda essa experiência para mim foi muito bom, me deixou com vontade de, quando possível, escrever novamente. Deu certo? Deu. Tem mais.
R7 - Acha que ainda cabe a pecha de que brasileiro não gosta de ler?
Itamar - Existem pesquisas que falam do declínio do número de leitores. Eu prefiro pensar a literatura ao longo do tempo. Imagino que no tempo do Machado de Assis [1839-1908] tínhamos menos leitores, porque o Brasil era um país menos alfabetizado. As pessoas tinham imensa dificuldade de ter acesso à leitura. Isso tem melhorado ao longo do tempo. Claro que cada tempo tem seus desafios. Hoje temos o das redes sociais, do celular, das distrações. O tempo parece que encolheu, né? Mas acredito que estamos caminhando de uma maneira importante para consolidar um corpo de leitores expressivos no Brasil.
R7 - E você? Quem você está lendo agora?
Itamar - Eu estou lendo agora dois livros, três na verdade, porque sou desses, leio alguns ao mesmo tempo. Um é de ensaios do [americano] James Baldwin [1924-1987], chamado Da Próxima Vez o Fogo [de 1963]. Estou lendo James [Prêmio Pulitzer de 2025], do [americano] Percival Everett e também outro que se chama Jacarandá, do Gael Faye, que é um autor do Burundi que escreve em francês. Acho que todas essas histórias se conectam com aquilo que escrevo.
