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R7 Entrevista

‘Nadei com medo o tempo todo’: brasileiro Samir Barel fala sobre os desafios do Canal da Mancha, o Everest das águas abertas

Ultramaratonista aquático contou de quando ficou frente a frente com um tubarão e disse que contaminação por poluição é comum

Entrevista|Vivian Masutti, do R7

Samir Barel durante ultramaratona na Grécia, em setembro deste ano Arquivo Pessoal

“Estou sempre preparado para alguma prova.” Principal ultramaratonista aquático do país, Samir Barel, 41 anos, é reconhecido ao redor do mundo por executar com sucesso as travessias mais difíceis do planeta.

Entre elas, o Canal da Mancha, que liga a França à Inglaterra, “o Everest das águas abertas” — prova de 36 km, tecnicamente dificílima, na qual virou especialista.

Nascido em São José dos Campos, interior paulista, Barel começou na piscina ainda criança e migrou para o mar para vencer o medo. “Quando vinha onda grande, eu gritava dentro da água para espantar qualquer peixe que viesse junto, sabe?”

Acabou superando também os adversários e passou a dar aula: abriu sua própria assessoria, hoje com mais de 300 alunos, com o lema “somos todos capazes”.


Mas deixa bem claro que treinar duro é fundamental.

“Sem disciplina, planejamento e dedicação, não adianta, né?”, disse ele, em conversa com o R7, na qual falou das provas mais desafiadoras, do pânico de ter ficado frente a frente com um tubarão e das suas motivações para continuar nadando.


Confira a entrevista:

Samir Barel, em prova na Grécia Arquivo Pessoal

R7 — Como foi o processo de trocar a natação na piscina pela maratona aquática?

Comecei a nadar com 4 anos e a competir com 6. Quando fiz 17, foi como acontece normalmente no Brasil: precisava trabalhar e me formei em educação física. No final do curso, estava dando aula em uma academia e um aluno comentou das águas abertas. Eu tinha um preconceito, achava que era história de aposentado. Mas comecei em 2006 e gostei, porque vi um mercado legal. Como uma corrida de rua, só que dentro da água.


R7 — E quando que você percebeu que você era realmente bom nisso?

Ah, bom, bom não, né? [modesto] Era um mercado novo ainda. Não tinha nem nas Olimpíadas. E aí consegui me destacar porque tive alguns bons resultados na piscina e tinha facilidade com a natação. Em 2006 e em 2007, fiz várias provas. E me destacava, né? O principal é que gostava de trabalhar com aquilo, porque era uma coisa que fugia um pouco da competição. É mais democrático. E, por isso, fui me especializando.

Quando vinha onda grande, eu gritava dentro da água para espantar qualquer peixe que viesse junto, sabe?

R7 — Você foi o primeiro brasileiro a fazer a Tríplice Coroa, né? Que inclui a volta à ilha de Manhattan (45 km), o Canal da Mancha (36 km) e o Canal da Catalina (também de 36 km). De quanto tempo de preparo você precisou? Teve patrocínio ou colocou dinheiro do bolso?

Meu sonho era nadar o Canal da Mancha. Para isso, antes, nadei a volta da ilha de Manhattan [2014], como preparação. E aí fiz o Canal da Catalina [2016]. Meu preparo, na verdade, não foi tão específico, porque eu já treinava muito na vida. Eu sempre gostei de treinar. Então, estou sempre preparado para alguma prova.

Em geral, o treinamento para uma prova dessas é de pelo menos nove meses. O volume para um amador é de 50 quilômetros por semana, nadando seis vezes por semana, fazendo preparação física duas vezes por semana. Esse é o básico.

R7 — E a grana para isso?

Em 2014 e em 2015, consegui via Lei de Incentivo ao Esporte [que permite que empresas apoiem atletas por meio de isenção fiscal]. Em 2016, eu fiz um crowdfunding [plataforma de financiamento coletivo]. O pessoal doava o dinheiro e eu dava camiseta, boné, touca…

R7 — O Canal da Mancha foi o mais difícil mesmo?

Fisicamente foi, por conta do frio [a temperatura da água não costuma passar dos 20ºC]. Mas, mentalmente, o Canal da Catalina foi mais desgastante, porque é noturno [para evitar a aproximação de tubarões e outros peixes]. E o Pacífico tem uma vida abundante. Então, nadei com medo o tempo inteiro. Quando estava com quatro horas e meia de prova, passou um tubarão debaixo de mim. E tive que nadar mais quatro horas depois disso [Barel dá detalhes do episódio mais abaixo].

Nadei com medo o tempo inteiro. Quando estava com quatro horas e meia de prova, passou um tubarão debaixo de mim

R7 — E hoje você treina pessoas para isso.

Sim. Tenho uma assessoria online, são 300 alunos pelo Brasil. Minha planilha custa R$ 150 por mês.

R7 — E quanto uma pessoa que quer atravessar o Canal da Mancha paga?

Para essa prova, treino uma ou duas pessoas por ano, pois faço todo o acompanhamento. O investimento hoje é em torno de R$ 70 mil, R$ 80 mil. Mas não é todo esse dinheiro que vem para mim, não, viu? É para pagar a estrutura toda. Essa pessoa vai nadar uns 50 km por semana, uma média de 7 km por dia. Então, são duas horas e meia, três horas, de dedicação diária.

R7 — Em 2022, você nadou 100 quilômetros em quatro dias [somando quatro travessias, realizadas no litoral do Rio e em São Paulo], em uma ação beneficente. Como é a alimentação de alguém que faz uma ultramaratona dessa? Comeu? Bebeu? Tomou banho? Dormiu? Como foi isso?

No final de 2019, eu nadei 24 horas na piscina, deu 84 quilômetros. Aí a hidratação é mais fácil, porque fica na borda. Como não gosto muito de suplementação, tomava eletrólitos para repor sais minerais, gel [de carboidrato] e suco de uva. Durante a prova, é a mesma coisa, mas vai um barco acompanhando, embora eu não possa tocar nele. Me davam hidratação em uma vara de pesca.

R7 — Acha que o filme sobre a Nyad [americana que fez a travessia entre Cuba e Flórida aos 64 anos], concorrente ao Oscar neste ano [Annette Bening, tentou melhor atriz, mas não levou], ajudou a popularizar o esporte? Como que você vê isso?

Ajudou principalmente a encorajar as pessoas, né? Não é que elas vão começar a nadar por conta disso, mas podem se sentir motivadas a fazer uma atividade física. Ela mostra ali que a idade não é uma coisa que te impede de continuar. Então, com certeza incentivou bastante.

R7 — Você tem esse lema, de que todos somos capazes. Teve algum aluno que você achou que não fosse ser capaz e te surpreendeu?

Vários. Se a pessoa chega para mim e fala ‘Quero nadar tal prova, acho que consigo’. Se já está na cabeça dela, eu digo primeiro ‘sim’. Mais aí vou colocar tudo o que ela precisa fazer, né? Então, o lema de que somos todos capazes é um lema em que eu realmente acredito e coloco em prática. Mas deixo bem claro que, sem disciplina, planejamento e dedicação, não adianta, né?

Já teve gente que estava com sobrepeso e completou uma travessia de 16 quilômetros, teve outra pessoa que morria de medo do mar e um ano depois foi lá e nadou de 16 quilômetros. Teve uma senhora de 73 anos que não passava de 2.000 metros e nadou uma prova de 10 quilômetros. Então, várias. E é isso que me motiva, sabe? É o que me faz acreditar que somos todos capazes.

R7 — A Ana Marcela Cunha, apesar de ser um mito, acabou saindo sem medalha de Paris. Você acha que a Olimpíada pode rotular um atleta de uma maneira injusta?

Principalmente nessa Olimpíada, foi uma questão de estratégia, não de capacidade. As meninas que chegaram na frente dela usaram uma estratégia melhor do que a dela. Ela saiu do pelotão, ficou para trás e não conseguiu alcançar. Numa situação dessa, vacilou, caiu a medalha, né?

R7 — E sobre a poluição no Sena, que prejudicou os atletas do triathlon: já nadou em algum lugar assim?

Nadei em vários lugares assim. O problema maior é fazer isso na frente do mundo inteiro, né? Mostra a incapacidade do ser humano de preservar a natureza. A prova que sai de Bertioga e chega no Guarujá, por exemplo, a ultramaratona mais popular do Brasil, tem um trecho extremamente poluído. E acontece todos os anos. Todos os anos tem algum aluno com dor de barriga, que vai parar no hospital. Dois dias antes de uma prova em Santa Fé, na Argentina, fiz uma apresentação na cidade e peguei uma bactéria. Então, nadei com diarreia a prova inteira. Quando saí, fui direto para o hospital. Acontece bastante.

R7 — Uma surfista morreu recentemente após ser perfurada no peito por um peixe-espada, na Sumatra Ocidental. Você tem medo? Qual foi o bicho mais assustador que já viu no mar?

Um dos motivos pelos quais comecei a nadar ultramaratona foi para perder o medo, porque fui criado sem entrar na água acima da cintura. Quando vinha onda grande, eu gritava dentro da água para espantar qualquer peixe que viesse junto, sabe? Sempre tive medo e ainda tenho. Não nado sozinho no mar. Quando nado, saio sempre margeando a costa, com boia de segurança. O pior foi quando estava atravessando o Canal da Catalina [na costa oeste dos Estados Unidos] e vi um tubarão embaixo de mim. Eu gritei, achando que era uma cobra.

Quando estava atravessando o Canal da Catalina [na costa oeste dos Estados Unidos] e vi um tubarão embaixo de mim. Eu gritei, achando que era uma cobra

R7 — E aí você continuou na água? Foi para o barco? O que você fez? Passou? Tudo bem, passou? [entrevistadora em desespero]

Continuei nadando, porque, se toco no barco, acaba a travessia [desclassifica]. Foi um momento de pânico, confesso, mas eu tinha que colocar minha cabeça no lugar e falar: ‘Cara, isso faz parte do desafio. Vamos continuar’. Estava com uma pulseira que é repelente de tubarão. E aí veio na minha cabeça: ‘Pô, 300, 310 pessoas apoiaram, né? [por meio da plataforma de financiamento coletivo] Me deram dinheiro. E vou voltar com a história de que parei porque vi um tubarão no mar?’.

R7 — Como é a sua estrutura familiar? Todos giram em torno da natação?

Sou casado desde 2013. Eu e a Larissa nos conhecemos na natação, quando ela tinha 8 anos, e eu, 11. Começamos a namorar em 2009, que foi quando fundamos juntos a assessoria online. Ela é minha maior apoiadora. Entende minha rotina, porque acabo viajando bastante aos finais de semana, para acompanhar os atletas. E temos dois filhos: o Timothy, de 4 anos e meio, e o Benício, de 6 anos e meio. Eles nadam duas vezes por semana. Minha estrutura familiar é o que dá o suporte para que eu possa crescer dentro da minha profissão.

Meu ídolo é minha mulher, é raro encontrar alguém que apoie tanto e dê tanto suporte quanto ela

R7 — Qual foi a decisão mais importante que você tomou nadando?

Bom, a do Canal da Catalina foi uma, né? Outra decisão difícil que tomei, duas semanas antes de fazer o Canal da Mancha, foi de abandonar uma prova do circuito mundial no Canadá. A água estava com 17ºC e desisti por causa do frio. Pensei: ‘Se estou abandonando aqui com frio, como é que vai ser no canal?’. Mas pensei muito antes de parar e decidi guardar energia. Isso me fortaleceu.

R7 — Quem que é o seu ídolo?

Meu ídolo? Não tenho ídolo assim… Meu ídolo é todo mundo que apoia. Meu ídolo é minha mulher, é raro encontrar alguém que apoie tanto e dê tanto suporte quanto ela. Mas, como desportista em geral, não tenho um ídolo para ser sincero.

R7 — Mas com certeza você deve ser o ídolo de várias pessoas, porque é um precursor da modalidade, né?

Fico feliz de ser, mas faço no sentido de incentivar o esporte. Se for deixar um legado, não quero deixar meu nome, quero deixar o que eu fiz.

R7 — E qual prova ainda falta para você fazer? Qual é o seu próximo objetivo?

Fui convidado para fazer a travessia do rio da Prata, no Uruguai, no final de janeiro. Então, agora, esse é o meu foco, não tenho mais objetivo como nadador. O que aparecer, eu vejo a possibilidade e faço, mais para incentivar os atletas a fazerem também. Esse é meu objetivo principal. E fazer meus filhos crescerem com saúde, educação e segurança.

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