A origem dos mercenários acusados de matar o presidente do Haiti
Ex-militares e paramilitares da Colômbia têm um histórico de atuação violenta em países da América Latina
Internacional|Fábio Fleury, do R7
A prisão de 17 ex-militares colombianos por suposto envolvimento no assassinato do presidente do Haiti, Jovenel Moise, na madrugada do último dia 7, mostrou como a atuação de membros e ex-membros das forças de segurança da Colômbia como mercenários se estende muito além das fronteiras do país, especialmente após o início dos processos de paz em 2016.
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"A questão da violência na Colômbia é de longa data, nós temos antecedentes para esses grupos mercenários que são notícia no Haiti", afirma o historiador Fernando Gabriel Romero, professor do curso de Relações Internacionais da Unila (Universidade Federal da Integração Latino-Americana).
Os mercenários, de maneira geral, são pessoas com treinamento militar que são contratadas para atuar de forma violenta em outros países sem nenhum tipo de ligação ideológica ou nacionalista. Esses profissionais são recrutados por empresas de segurança internacionais que podem colocá-los em grupos de escolta de empresários ou até planos de desestabilização regional.
Nesse cenário, os colombianos têm destaque por terem uma preparação de elite, muitas vezes proporcionada por especialistas das forças armadas e agências internacionais dos EUA, um dos principais aliados de seu país há décadas.
O número de pessoas nessa condição é grande no país pelo histórico de conflitos internos que vão muito além do combate ao narcotráfico. "Não são todos que conseguem se reinserir na sociedade, esses acabam virando mão-de-obra relativamente barata e bem treinada", diz Romero.
Um exemplo dessa atuação é a Operação Gedeón, uma tentativa de sequestrar o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, e deportá-lo para Miami, frustrada em maio do ano passado. Apesar de ter sido executado por uma empresa sediada nos EUA, o plano teve a Colômbia como base e apoio logístico de grupos locais.
A origem
A origem de tudo está em um episódio que ocorreu em abril de 1948, o Bogotazo, a violência que tomou conta do país após o assassinato do então candidato à presidência pelo Partido Liberal, Jorge Eliécer Gaitán, onde surgiu o conflito de mais de 50 anos que resultou na formação de guerrilhas como as FARCs e dos grupos paramilitares criados para combatê-las.
"Após o Bogotazo se abre o período da violência entre liberais e conservadores, tem vários registros de grupos paramilitares no enfrentamento político. Na década de 60, esses grupos participam do conflito armado apoiando o exército e a polícia, e eles têm um financiamento por grandes empresários, narcotraficantes, industriais, da indústria da mineração, para combater as guerrilhas comunistas", explica Fernando Gabriel.
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Segundo o professor, é possível encontrar decretos do próprio governo colombiano legalizando a criação e manutenção de forças paramilitares, em 1965 e 1968 e registros de que esses grupos foram fortemente influenciados pelo governo dos EUA, que colaborou com treinamento e equipamentos.
"Em 1989, essas medidas foram canceladas por serem consideradas inconstitucionais, mas essas forças acabaram se agrupando nas Autodefesas Unidas da Colômbia (grupo paramilitar que agiu no país de 1997 a 2006, apontado como responsável por milhares de assassinatos e outros crimes). A atuação desses grupos no processo político é muito grave", detalha Romero.
Apesar de se conhecer as origens dos acusados pela morte de Moise, ainda faltam detalhes importantes sobre a contratação do grupo e a motivação do assassinato, além de como eles agiram na noite do crime. A utilização desses soldados profissionais em conflitos pelo continente é um problema que, como a situação interna da Colômbia, não será solucionado tão rapidamente.
"A atuação desses grupos paramilitares tem a ver com o processo de violência social e política de várias décadas. Ainda tem que ver como foi o recrutamento dessas pessoas, a fidelidade dos contratantes com esse grupo que executou a ação. Quando a coisa começa a complicar, os chefes desaparecem e sobram os que agiram em campo" finaliza o historiador.