As mil vidas de 'El Chapo', o traficante mais famoso do México
O chefão do cartel de Sinaloa, que será julgado nos EUA a partir desta segunda-feira (5), tem uma trajetória digna de cinema; conheça mais
Internacional|Fábio Fleury, do R7
Na próxima segunda-feira (5), o mexicano Joaquín Archivaldo Guzmán Loera, conhecido em todo mundo pelo apelido de ‘El Chapo’, um dos principais narcotraficantes do mundo, sentará no banco dos réus em uma corte federal em Nova York (EUA).
O juiz federal Mark Cogan vai selecionar os jurados que decidirão o destino do homem que substituiu Osama Bin Laden como criminoso mais procurado pelo FBI, depois que o criador da al-Qaeda foi morto por fuzileiros navais norte-americanos em 2011.
Guzmán é acusado de 17 crimes neste julgamento, mas no México se estima que ele seja responsável, direta ou indiretamente, por 2 a 3 mil mortes nos últimos 30 anos, desde que ele se tornou uma figura de destaque no cartel de Sinaloa.
Quem é El Chapo?
Joaquín Guzmán nasceu em 4 de abril de 1957 (ou 25 de dezembro de 1954, dependendo da fonte), na pequena cidade de La Tuna de Badiraguato, no estado de Sinaloa, no México. Filho de um fazendeiro e de uma dona de casa.
Não existem muitas informações consistentes sobre o início da vida dele, mas suspeita-se que seu pai tenha trabalhado em plantações de papoula. Na adolescência, por sua vez, Joaquín teria começado uma plantação de maconha junto com os primos. Por causa disso, foi expulso de casa pelo pai.
Nessa época, Guzmán ganhou o apelido de El Chapo, pelo qual se tornaria conhecido em seu país e em todo o mundo. ‘Chapo’ é como se chamam os chapéus de toureiro, baixos e largos. Joaquín foi chamado assim por ser baixo (1,68m) e ter um tipo físico atarracado.
Início no cartel
Entre o fim dos anos 1970 e o início dos 1980, o cartel de Guadalajara dominava o tráfico no México. Levado por um tio, Chapo começou a trabalhar coordenando transporte de drogas na Sierra Madre, onde fica La Tuna, para os EUA. Desde o início, ele se mostrava implacável: se alguém atrasasse uma entrega, podia ser morto ali mesmo.
Logo, ele começou a subir na hierarquia do cartel. Se tornou motorista de Félix Gallardo, líder da organização, depois auxiliar, e logo já era responsável pela logística de drogas. Na época, os traficantes mexicanos atuavam principalmente no transporte dos tóxicos enviados pelos cartéis colombianos para os EUA.
Em 1985, depois que um agente infiltrado dos EUA, Enrique Camarena, foi descoberto, sequestrado, torturado e assassinado pelo cartel, os governos mexicano e norte-americano intensificaram as operações na fronteira. Com a prisão de vários líderes da cúpula da organização, Guzmán aproveitou para ampliar seu poder.
Ascensão e guerra de cartéis
Depois que Félix Gallardo foi preso em 1989, El Chapo se tornou o líder de fato do cartel de Sinaloa. Usando laranjas, comprou dezenas de propriedades no Estado, para guardar armas, drogas e para abrigar seus homens. Foi quando ele começou a aparecer no radar das agências de combate ao tráfico, tanto no México quanto nos EUA.
Após a prisão de Gallardo, explodiu uma guerra entre seu cartel, o de Tijuana, e o de Sinaloa, chefiado por Guzmán. Dezenas de homens de ambos os lados foram mortos em episódios cada vez mais graves de violência. Corpos e mais corpos eram abandonados em lixões e terrenos baldios. Até que um episódio mudou tudo.
Tiroteio no aeroporto
Em 1993, dezenas de pistoleiros do cartel de Tijuana passaram meses em Guadalajara caçando El Chapo, sem nenhum sucesso. No dia 24 de maio, o chefe do cartel, Francisco Arellano, e seus homens tinham desistido e estavam no aeroporto, comprando passagens para voltar à sua cidade, quando receberam uma informação: Guzmán estava ali perto, esperando um voo.
Cerca de 20 pistoleiros foram ao estacionamento, cercaram o carro onde estaria o rival e abriram fogo. A dica, no entanto, estava errada. No carro, um Mercury branco, estava na verdade o cardeal Jorge Jesús Posada, arcebispo de Guadalajara. Ele morreu com 14 tiros, assim como seu motorista e seis outras pessoas.
Guzmán estava em outro carro, também no estacionamento, e mais uma vez conseguiu escapar. O governo mexicano reagiu convocando uma caçada contra os envolvidos no atentado e, pela primeira vez, fotos de El Chapo foram publicadas na imprensa local.
Primeira prisão
Fugindo de esconderijo em esconderijo, Guzmán conseguiu chegar à fronteira com a Guatemala. Com um passaporte falso, ele conseguiu entrar no país vizinho. Sua ideia era atravessar o território guatemalteca para se estabelecer ainda mais ao sul, em El Salvador. Mas ele jamais conseguiu colocar o plano em prática.
El Chapo pagou US$ 1,2 milhão a um militar da Guatemala para poder atravessar a fronteira. O mesmo militar entregou o paradeiro do traficante à polícia local e, em 9 de junho de 1993, Guzmán foi preso pela primeira vez, em um hotel na cidade de Tapachula, próximo à divisa entre os dois países. Dois dias depois, foi extraditado de volta ao México.
Após ser julgado e condenado a 20 anos e 9 meses de prisão por tráfico de drogas, formação de quadrilha e extorsão, passou a cumprir a pena na penitenciária de segurança máxima de Puente Grande, em Jalisco.
Crescimento do cartel
Mesmo com El Chapo na prisão, o cartel de Sinaloa não parou de crescer. Administrada pelo irmão dele, Arturo Guzmán, conhecido como El Pollo, a organização se tornou a maior do México, traficando toneladas de maconha, cocaína e metanfetamina por terra, ar e mar.
Na virada do século, a fortuna dos Guzmán era estimada em mais de US$ 1 bilhão pela revista Forbes. Em parte, isso aconteceu porque os traficantes diversificaram as rotas de distribuição. El Chapo foi o primeiro a usar túneis por baixo da fronteira do México com os EUA para transportar sua mercadoria.
Fuga pela porta da frente
Em 19 de janeiro de 2001, depois de quase oito anos de prisão, El Chapo conseguiu escapar. Um guarda abriu, por “acidente”, a porta da cela do chefão. Ele entrou em um carrinho de roupas sujas e, empurrado por outro guarda, foi levado até um carro. Dentro do porta-malas, ele saiu da cadeia pela porta da frente.
Investigações no México apontaram o envolvimento de 78 pessoas na fuga. Guzmán voltou a ser o homem mais procurado do país, mas passaria mais de uma década em liberdade, fugindo da polícia, das Forças Armadas, de autoridades norte-americanas e ampliando seu império.
Guerra por Juárez
Após sair da cadeia, El Chapo se dedicou a aumentar sua área de influência. Seu primeiro e maior alvo foi Ciudad Juárez, na fronteira com o Texas. O chefe do cartel de Juárez, que dominava a região, Rodolfo Fuentes, foi morto, junto com sua família, no meio da rua por ordem de Guzmán, em setembro de 2004.
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A guerra entre os cartéis estava declarada e a violência só aumentou. Quando o presidente Felipe Calderón foi eleito em 2006 e colocou o Exército para combater o narcotráfico, o número de assassinatos, tiroteios e outros crimes disparou.
Caçado por todos os lados, El Chapo se mostrou pragmático, mantendo um estilo de vida sem luxos, mudando de esconderijo sempre que necessário. Ao mesmo tempo, foi ganhando influência e destruindo cartéis rivais.
Em 2011, após a morte de Osama Bin Laden, Guzmán subiu ao topo da lista de criminosos mais procurados pelo FBI.
Ele foi ganhando um status de ‘lenda’ entre os mexicanos. Começaram a circular histórias contando que Guzmán entrava em restaurantes sem aviso, cercado de seguranças armados. Eles tomavam os celulares dos presentes e não deixavam ninguém sair. O chefão jantava tranquilamente e depois ia embora, depois de pagar as contas de todos.
A segunda prisão
Depois de escapar de diversas operações de captura, em 22 de fevereiro de 2014, El Chapo voltou a ser preso. Um esquadrão de 65 fuzileiros navais mexicanos tomou conta de um hotel na cidade litorânea de Mazatlán e prendeu Guzmán, que estava na cama com a esposa.
Foi levado para a penitenciária El Altiplano, nas proximidades da Cidade do México, e colocado em uma cela aparentemente sem fuga. Não havia janela, ele permanecia em isolamento 23 horas por dia e não podia receber visitas de parentes.
Enquanto os EUA pediam a extradição de Guzmán, o governo resistia e pretendia que ele cumprisse toda sua sentença no México. Mas manter o chefão preso em seu próprio país não seria algo fácil.
A segunda fuga
Em 11 de julho de 2015, pouco mais de um ano depois de ser preso, El Chapo simplesmente desapareceu. Por volta das 20h52, os guardas viram pelo circuito interno que ele foi para o chuveiro da cela, único ponto do confinamento que não era visível pela câmera de segurança. Quase vinte minutos depois, como não o viram mais, pediram para alguém checar a cela.
Segundo as autoridades, Guzmán entrou por um buraco no chão, um túnel que saía exatamente na área do chuveiro e se estendia por mais de um quilômetro, com luzes e ventilação, até a saída, em uma construção num bairro próximo. Como nunca se viu o túnel, há pessoas que duvidam da veracidade dessa versão.
Em 2016, ainda fugindo das autoridades, ele deu uma polêmica entrevista ao ator norte-americano Sean Penn, na qual se vangloriava de ser o maior traficante do mundo. A liberdade, no entanto, não duraria muito.
A terceira prisão
Um grupo formado por fuzileiros navais, soldados do exército e policiais invadiu uma casa na cidade litorânea de Los Mochis, em Sinaloa, em 8 de janeiro de 2016. Enquanto eles trocavam tiros com os seguranças do traficante, Guzmán conseguiu escapar com um comparsa, supostamente por outro túnel.
Eles conseguiram roubar um carro e fugir por 20 quilômetros, mas foram detidos pela polícia. El Chapo tentou subornar os policiais, mas eles não aceitaram. Passaram a noite escondidos com o detido em um hotel, esperando a chegada de reforços e, por fim, entregaram o chefão à polícia federal.
Dias depois, o México reabriu o processo de extradição de Guzmán aos EUA. Pelo acordo, ele não poderá receber a pena de morte como sentença. Procurado em seis Estados, por centenas de crimes diferentes, ele foi transferido para território norte-americano em 19 de janeiro de 2017.
Desde então, aguarda o julgamento em uma prisão em Nova York. Para a audiência, que começa nesta segunda-feira, ele fez uma promessa no mínimo curiosa: jurou que não irá ordenar a morte de nenhuma das testemunhas.