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As violações dos direitos humanos na voz de quem as sofreu

Nos 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, pessoas que vieram ao Brasil para sobreviver contam como suas vidas mudaram

Internacional|Fábio Fleury e Beatriz Sanz, do R7

Milhões de venezuelanos fugiram da crise e da violação de seus direitos
Milhões de venezuelanos fugiram da crise e da violação de seus direitos

No dia 10 de dezembro de 1948, a Organização das Nações Unidas (ONU) adotou como a Declaração Universal dos Direitos Humanos como "o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações", uma carta de princípios para delinear os direitos básicos de cada cidadão.

Mas afinal, para que servem os direitos humanos?

Nos 70 anos da Declaração, o R7 conversou com pessoas que precisaram vir ao Brasil para ter seus direitos mais básicos respeitados ou simplesmente para sobreviver. 

Histórias que na Venezuela, no Congo, na Mauritânia ou na Síria não teriam nem mesmo a chance de terem um final digno e que agora, mesmo enfrentando condições adversas, podem seguir em frente com esperança.


Todos eles conseguiram superar essas violações porque a própria Declaração, em seu artigo 13º, parágrafo 2, prevê a todos "o direito de abandonar o país em que se encontravam, incluindo o seu, e o direito de regressar ao seu país".

"Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão"

Dieu Merci Toko vê no Brasil a chance de viver tendo seus direitos respeitados
Dieu Merci Toko vê no Brasil a chance de viver tendo seus direitos respeitados

Ativismo perigoso


Dieu Merci Toko tem a experiência de ter crescido vendo violações constantes dos direitos humanos tanto em Angola, terra de sua mãe, quanto na República Democrática do Congo, país natal de seu pai e onde viveu a maior parte da vida.

"O Congo foi onde eu cresci e me tornei ativista. E ser ativista pelos direitos humanos lá é muito difícil, porque eles são violados o tempo inteiro. Se você luta por eles, pode desaparecer rapidamente. A alternativa foi sair, por isso estou no Brasil", afirma ele.


Para ele, a mudança de país foi fundamental e libertadora. Viver em um lugar onde é possível discordar e criticar o governo foi uma experiência nova, segundo Toko.

"Acho incrível que o brasileiro pode se manifestar democraticamente, defender suas ideias e seus candidatos como foi na eleição. Na África, em muitos países isso não acontece. Você não pode falar sobre determinadas coisas", lamenta o congolês.

A RDC atualmente é palco de uma guerra civil que já matou milhares de pessoas. Além da paz, outro motivo que faz Toko se sentir em casa no Brasil é ver uma maior tolerância. "No Congo, meus amigos foram perseguidos por diversos motivos. Por política, por religião, por sexualidade", explica.

"Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar"

Robert Díaz, chegou a São Paulo em abril com a esposa, Saray, e a filha, Isabela
Robert Díaz, chegou a São Paulo em abril com a esposa, Saray, e a filha, Isabela

Em nome da filha

O venezuelano Robert Díaz chegou a São Paulo no início de abril. Veio com a mulher Saray Belandria e a filha Isabela, que está com 1 ano, e hoje trabalha aos finais de semana em um bufê. Saray conseguiu emprego em uma creche.

"Estava difícil demais viver na Venezuela, por isso precisamos sair de lá. Agora, se preciso comprar um remédio, só vou à farmácia. Consigo comprar comida. Se tivesse ficado lá, minha filha não teria fralda, leite", relembra Díaz.

Em sua terra natal, ele tentava driblar a crise trabalhando como motorista, mas teve seu carro roubado e estava prarticamente passando fome. Sem dinheiro ou perspectivas, a família juntou o pouco que tinha e entrou no Brasil pela fronteira com Roraima.

"Aqui pelo menos é uma democracia, as pessoas têm direitos. Meu país era muito bom antigamente, agora tudo lá ficou ruim. Vi minha mãe chorar de fome antes de sair", conta.

"Todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal."

Após fugir da guerra na Síria, Oula vive com os filhos e o marido em São Paulo
Após fugir da guerra na Síria, Oula vive com os filhos e o marido em São Paulo

"Não queremos ser refugiados para sempre"

Oula al-Saghir vive há mais de três anos no Brasil, após fugir da guerra que devasta a Síria desde 2011. Em seu país, ela temia diariamente por sua vida e pelas de seus filhos.

A cidade de Homs, onde ela vivia, foi palco de um cerco que durou mais de três anos. Metade da cidade ficou destruída e milhares de pessoas morreram.

"Eu tento não pensar muito na Síria, agora estou aqui. A gente tem o direito de viver, de fazer as coisas simples. Ser visto apenas como uma pessoa. Parece pequeno, mas não é", garante Oula.

A artista, que vive fazendo shows cantando em árabe, persa e outras línguas, diz que tem apenas uma reclamação: ser constantemente lembrada de que foi uma refugiada.

"A cada momento a gente é obrigado a lembrar disso. Falo isso para chamar a atenção, é a única coisa que tem de diferente. No resto, podemos viver como todos os brasileiros vivem, mas não queremos ser refugiados para sempre", afirma.

"Ninguém será mantido em escravatura ou em servidão; a escravatura e o trato dos escravos, sob todas as formas, são proibidos"

A fuga é a solução para a muitos negros na Mauritânia
A fuga é a solução para a muitos negros na Mauritânia

Racismo e escravidão

Em outubro deste ano, o mauritano M.T. encerrou uma palestra em São Paulo pedindo desculpas aos presentes por ter relatado como é a cultura do racismo em seu país natal, onde a escravidão ainda é uma realidade.

Para ele, o fato de não existirem filas de banco ou bancos de ônibus para pessoas de cores diferentes, como acontece na Mauritânia, seria uma prova de que o racismo não faz parte da sociedade brasileira. Ter a chance de conseguir trabalho, também.

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"A escravidão e a discriminação me trouxeram para cá. Minha esposa é senegalesa e, por causa disso, meus filhos não têm direito ao passaporte da Mauritânia, até hoje eles não têm documentos além da certidão de nascimento", relembrou Traoré.

A esposa precisou voltar para o Senegal por não ter permissão para viver na Mauritânia. Mauritanos brancos podem viver tranquilamente, mesmo sem cartão de identidade. Os negros precisam do documento para fazer qualquer coisa.

"Um negro com carro no meu país, mesmo que esteja com a documentação em dia, não tem sossego com a polícia, é parado o tempo todo. Os mauritanos se consideram brancos, árabes, mas não sabem direito quem eles são", disse.

Na Mauritânia, apenas quem fala árabe (na maioria, os brancos) tem condição de pleitear bons empregos, como em grandes empresas ou no governo. Os negros, que falam francês, não podem nem se candidatar.

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