Brasileiras em Hong Kong relatam tensão em semana de protestos
Projeto de lei prevê que suspeitos sejam deportados para julgamento na China ocidental. Manifestantes temem que território perca autonomia judicial
Internacional|Ana Luísa Vieira, do R7
“Eu espero que isso passe logo e Hong Kong volte a ser uma cidade normal, tranquila e segura para todo mundo.”
Depois de uma semana tensa de protestos contra um projeto de lei sobre extradições na região administrativa da China, este é o único desejo da brasileira Carolinne Cavalcanti — que mora em Lantau, a maior ilha de Hong Kong, há quase três anos.
As manifestações registradas no último domingo (9) e na quarta-feira (12) tiveram participação recorde da população — que teme que, se a legislação for aprovada pela líder Carrie Lam, Hong Kong perderá sua autonomia judicial para Pequim. A polícia repreendeu os manifestantes com bombas de gás, spray de pimenta e balas de borracha. Na quinta (13) e na sexta-feira (14), escritórios do governo e estações de metrô permaneceram fechadas.
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“Eu moro em um bairro perto do aeroporto e aqui não houve manifestação, mas eu vi muitas pessoas vestidas de branco se dirigindo para a área dos protestos. É o assunto do momento, obviamente, e existe um clima de tensão”, diz Carolinne, que tem 34 anos e se mudou para Hong Kong por questões do trabalho do marido.
Lei de extradições
Pela nova lei — cujo debate, marcado para a última quarta-feira, foi adiado — estariam sujeitos à extradição os acusados de crimes como estupro e assassinato e seriam considerados os pedidos feitos por autoridades de China continental, Taiwan e Macau. A brasileira de Recife relata que o maior medo dos naturais de Hong Kong é a pouca transparência dos julgamentos feitos em Pequim.
“Quem não conhece não pode falar, mas eu sei que Hong Kong é diferente da China continental porque aqui há advogados de todas as partes do mundo. Eu diria que o sistema judiciário daqui de Hong Kong é mais parecido com o do Brasil”, aponta Carolinne.
Em Pequim, os advogados são obrigados a trabalhar sob as regras do Partido Comunista chinês, que também é responsável por todos os julgamentos e guarda um histórico de torturas, confissões forçadas e detenções arbitrárias.
Na opinião da brasileira, o recente debate em torno das extradições — que começou com o caso de um jovem nascido em Hong Kong que é suspeito de ter assassinado a namorada grávida enquanto os dois estavam de férias em Taiwan — tem ainda a ver com a guerra comercial entre China e Estados Unidos.
“Desde que começou esse atrito com o presidente americano, Donald Trump, a China tem tentado se resguardar e mostrar onde manda. E Hong Kong sempre foi conhecido como um território muito internacional. Querendo ou não, aqui se faz muito dinheiro — e o governo chinês quer reforçar seu domínio”, analisa.
Liberdade de expressão
A paulista Barbara Tavernard, que mora em Hong Kong há 14 anos e trabalha como assessora de comunicação, compareceu aos dois principais protestos marcados na última semana. “No domingo, o clima era muito pacífico e os participantes eram diversos — havia pessoas de mais idade, cadeirantes, famílias. Na quarta-feira, foi diferente. O público era mais jovem e organizado. Os estudantes se colocaram de forma muito assertiva”, relata.
Para Barbara, de 53 anos, foi surpreendente o uso de tamanha força por parte da polícia, especialmente na manifestação do dia 12 de junho — que terminou com mais de 70 feridos nos hospitais. O receio da brasileira é de que, caso a lei seja aprovada, a população de Hong Kong fique “à mercê da China”.
“Eu, por exemplo, se fizer a comunicação de um artista que tem um posicionamento mais político, posso ser afetada. Qualquer um que disser algo que desagrade a China estará sujeito à deportação. Uma das grandes preocupações é com a liberdade de expressão em Hong Kong. Além disso, muitas companhias internacionais preferem ter negócios aqui e não no restante da China — isso tudo vai acabar”, avalia.
Possibilidade de aprovação
Por ora, os manifestantes podem contar com uma pequena vitória uma vez que o projeto foi suspenso.
Enquanto a recifense Carolinne acredita que a legislação será aprovada em breve, a despeito de todos os protestos, Barbara pondera que a votação pelos parlamentares ainda pode ser postergada por um maior período de tempo.
“Acho que, se houver muita pressão, a aprovação será adiada por alguns anos. Vão aprovar, mas só daqui um tempo”, diz.