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Cansaço, fome e barricadas: ‘Tive que largar tudo para sobreviver’

Após intensificação dos bombardeios em Kiev, capital da Ucrânia, brasileiro relata apreensão, congestionamento e alívio em trajeto

Internacional|Fabíola Perez, do R7

Após percorrer mais de 400 quilômetros em 13 horas para deixar a capital ucraniana, Kiev, com destino à cidade de Ternopil, em busca de segurança, o brasileiro Rony de Moura dos Reis, de 34 anos, relata que, apesar do cansaço e da exaustão, a sensação ao ter escapado da guerra é de alívio. Contudo, a felicidade por poder repousar por algumas horas em um hotel é permeada de angústia por ter deixado quase tudo para trás. A invasão russa da Ucrânia chega, nesta quarta-feira, ao sétimo dia.

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“Primeiramente, senti um alívio em sair da principal zona dos ataques. Ao mesmo tempo, fica um pouco de preocupação porque tive que deixar tudo para trás em nome da minha sobrevivência. É um conflito de sentimentos”, diz o brasileiro, que agora está instalado em um hotel em Ternopil.

“Deixar tudo de uma hora para outra é inaceitável, inimaginável.” No trajeto, segundo ele, marcado por cansaço, exaustão e congestionamento, o estudante de medicina pensava em como recuperar um pouco do que foi perdido. “Só faltava eu fazer uma prova para obter meu diploma, agora não sei quando vou conseguir resolver isso.”

A saga para deixar Kiev começou oficialmente na terça-feira (1º). Mas, antes disso, Rony conta que passou alguns dias tentando encontrar meios de deixar a capital. Segundo ele, a Embaixada do Brasil na Ucrânia cuidou da logística para que ele e mais três brasileiros saíssem da cidade. “Viemos de carro em uma viagem que durou 13 horas. A cada 20 quilômetros tinha uma barricada de controle policial ucraniano.”


Primeiramente%2C senti um alívio em sair da principal zona dos ataques. Ao mesmo tempo%2C fica um pouco de preocupação porque tive de deixar tudo para trás em nome da minha sobrevivência.

(Rony dos Reis, 34 anos)

Rony afirma que não foi possível percorrer o trajeto pelos caminhos que normalmente seriam feitos. “Viemos cortando, não viemos pelas vias principais para evitar incidentes. Fizemos um ziguezague pelas pistas, passamos perto do Corpo de Bombeiros e próximo dos destroços”, disse. “Nesse momento, fiquei mais observando o caminho, estava concentrado para ver se daria certo.” Rony disse ainda que havia congestionamento intenso, sobretudo próximo da entrada dos povoados da estrada.

O estudante de medicina relatou também que não chegou a sentir medo durante a travessia por estar acompanhado do embaixador Norton de Andrade Mello Rapesta. Ele confirmou na noite da terça-feira (1º) que deixou Kiev após as condições de segurança se deteriorarem com a aproximação das tropas russas.


Os funcionários da embaixada seguiram para Lviv, onde está montado um posto de auxílio aos brasileiros que desejam deixar a Ucrânia. A cidade fica a cerca 70 quilômetros da fronteira com a Polônia. O embaixador disse que, embora tenha saído da capital, não deixará o país até retirar todos os brasileiros que procurarem por ajuda.

Forças russas destroem ponte na capital ucraniana, Kiev
Forças russas destroem ponte na capital ucraniana, Kiev ARIS MESSINIS/AFP

Assim como o embaixador, Rony seguirá para Lviv na quinta-feira (3) e depois para a Romênia, onde pretende permanecer algum tempo para trabalhar. Países como Polônia, Hungria, Moldova e Romênia são os principais receptores desse fluxo de pessoas até o momento. “Estou tentando sair pela Romênia porque uma das filiais da empresa em que trabalho está localizada lá.”


Momentaneamente afastado do medo que enfrentou nos últimos dias, Rony afirma que superou o cansaço físico na medida em que passou a se sentir mais seguro. “Estava focado em me afastar ao máximo de Kiev. Quando chegamos no hotel, por volta das 23h, e me deitei na cama, conversei com a minha família”, lembra. “Eles ficaram felizes, mas não totalmente aliviados porque eu ainda estou na Ucrânia.”

Antes de deixar o país invadido por tropas russas, Rony morava em um apartamento no bairro de Darnytskyi, no lado direito da cidade. “Saímos às 7h20. Levei uma mala com o máximo possível de roupas que pude colocar, uma mochila com computador, água e alimentos”, diz.

Segundo ele, todo o trajeto foi feito de carro. O veículo acompanhou outros três que transportavam brasileiros para outras cidades. No veículo, Rony foi acompanhado de uma família ucraniana. “Assim que saímos de Kiev, encontramos os demais brasileiros para seguir o comboio em três carros. Paramos em Ternopil para descansar e vou passar o dia aqui para seguir para a Romênia.”

Na Ucrânia há três meses, ele diz que trabalha em uma empresa de investimentos, saiu do estado de Goiás para buscar na Rússia a possibilidade de estudar medicina por um preço mais acessível. Sem se adaptar à cultura e à rotina russas, Rony se mudou para a Ucrânia. Mas, com a pandemia de Covid-19, ele voltou ao Brasil para ficar mais próximo da família. Finalmente no fim do ano passado, Rony pôde retornar à Ucrânia para continuar os estudos. Com os conflitos, porém, todas as expectativas do estudante foram interrompidas.”

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