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Conheça o lugar na Colômbia onde é possível observar baleias e até cantar para elas

Moradores mais antigos da baía de Málaga compartilham histórias sobre os animais em festival que acontece nesta semana

Internacional|Jennie Erin Smith, do The New York Times


Monumento na cidade colombiana de Buenaventura recebe turistas atrás de baleias jubarte ao longo da remota baía de Málaga Jaír Coll/The New York Times

Todo mês de julho, dezenas de milhares de visitantes chegam à costa do Pacífico da Colômbia, lotando os frenéticos cais de passageiros no porto marítimo de Buenaventura, enquanto esperam por lanchas que os levarão às pequenas comunidades ao longo da remota baía de Málaga. Eles vêm para ver as baleias jubarte.

As baleias, que somam milhares, estão se deslocando em massa, migrando de suas áreas de alimentação perto do Chile para suas áreas de reprodução perto da Colômbia, onde permanecem até outubro.

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Durante a temporada de observação de baleias, que começa em meados de julho, barcos com capitães e guias licenciados levam os visitantes para ver as criaturas irrompendo, explodindo e batendo na água com suas nadadeiras e sua cauda. A maioria é de colombianos, embora um número crescente de estrangeiros também apareça nessa época do ano.

Em terra, os visitantes também podem testemunhar um espetáculo menos conhecido, porque os moradores da área se reúnem para um festival anual que celebra as baleias e revive uma cultura em declínio.


‘Eu tinha medo delas’

Em uma noite de fim de junho, o sol se pôs e um delicioso frescor se espalhou pela praia de La Barra, vila de cerca de 400 moradores na orla da baía de Málaga.

O festival, que recebe um público composto principalmente por moradores locais, estava prestes a começar. Além do fotógrafo que me acompanhava, os únicos outros participantes eram membros de um grande contingente de médicos e veterinários voluntários que tinham vindo para ajudar os moradores da cidade. Gatos e cães enfaixados vagavam por todo lugar.


Os moradores mais antigos foram um por um até o microfone para compartilhar histórias sobre as baleias.

Amable Rivas, pescador e guia da natureza, lembrou como, antes que os barcos a motor se tornassem comuns, as baleias jubarte brincavam ao lado dos veleiros que transportavam passageiros na rota de ida e volta a Buenaventura. As pessoas marcavam as estações de acordo com a chegada e a partida desses animais. Até as cadeiras eram moldadas com vértebras gigantes de baleias que a correnteza levava até a praia.


Rivas contou que só na década de 1990 os pescadores começaram a notar que iates cheios de pessoas vinham de outros lugares para ver as jubartes. Antes disso, não lhes tinha ocorrido que pudessem ser uma atração turística.

“Eu tinha medo delas”, disse ele, graças às histórias que ouvira sobre uma baleia “que engoliu um tal de Jonas”, o profeta da narrativa bíblica. Acrescentou que agora as vê como “um presente”. Às vezes, quando está na água, ele as ouve cantando e canta de volta para elas.

Depois que os mais velhos terminaram de contar suas histórias, um grupo de jovens mulheres se revezou recitando poemas, incluindo uma balada sobre um “peixe gordo, gordo, gordo”. Uma banda de marimba começou a tocar, e as crianças executaram danças folclóricas inspiradas nas baleias com certa ousadia e bastante habilidade. Copos de viche, licor de cana-de-açúcar caseiro e cortante, começaram a circular.

O Festival Mundial Ballenas y Cantaoras, evento apoiado pelo governo regional, que já está em seu sétimo ano, divide-se em duas datas: no fim de junho, para dar as boas-vindas às baleias, e no período de 20 a 22 de setembro, para se despedir delas.

Em setembro, as multidões são maiores, com membros das comunidades indígenas wounaan do interior se juntando aos moradores afro-colombianos das cidades litorâneas. Haverá apresentações musicais de toda a região em um palco que os moradores de La Barra em breve começarão a construir. No momento, eles se apresentam no chão descoberto.

As festividades começaram bem. Conforme a noite avançava, a marimba e os tambores ficavam mais altos, e o viche corria solto. Os moradores de La Barra celebravam as baleias, e também a si mesmos.

Docas repletas de turistas para avistar baleias no litoral da cidade colombiana de Buenaventura Jaír Coll/The New York Times

Redescobrindo o ‘peixe gordo, gordo, gordo’

A área ao redor da baía de Málaga, parte de um parque marinho nacional de aproximadamente 47 mil hectares, é um importante local de nascimento de baleias jubarte. As fêmeas e seus filhotes buscam abrigo nas águas mornas da baía, longe de barcos de pesca, rotas de navegação e machos agressivos.

Há alguns anos, um organizador comunitário chamado Fabian Bueno, de 42 anos, começou a se perguntar que tipo de significado as baleias jubarte tinham para as culturas tradicionais que vivem perto da baía. “Você já ouviu canções de baleias?”, Bueno começou a perguntar às pessoas. “Seus avós contavam histórias sobre baleias?”

A princípio, parecia que a comunidade não tinha muita conexão com as baleias e que os moradores locais as temiam. “Mas então investigamos um pouco mais”, Bueno disse.

Uma “cantaora” afro-colombiana (termo usado pelos moradores locais para designar as mulheres guardiãs das tradições orais) ensinou a Bueno o poema sobre o “peixe gordo, gordo, gordo”. Ele aprendeu que os wounaan têm uma palavra para baleia que significa, na verdade, “golfinho grande”. Nenhuma das culturas locais caçava as baleias, cuja chegada anual era associada à abundância, tanto de peixes quanto de alimentos básicos.

Foi quando Bueno teve a ideia de organizar um festival com foco nas baleias. “Queríamos que as pessoas tivessem um fórum para suas tradições, seus talentos e que, com isso, criassem um senso de identidade e pertencimento”, comentou ele.

Um novo tipo de turismo

As baleias não são a única atração ao redor da baía de Málaga, que fica a meio caminho ao longo da costa do Pacífico da Colômbia. Os visitantes também vêm para andar de caiaque, surfar e passear pela vasta rede de canais de manguezais no interior das praias. As balsas de Buenaventura atracam em uma cidade chamada Juanchaco. De lá, as vilas de Ladrilleros e La Barra podem ser alcançadas em uma hora ou mais a pé, ou mais depressa ainda de mototáxi.

As acomodações em Ladrilleros variam de cabanas de bambu a pequenos e confortáveis resorts com piscinas. La Barra, onde o festival das baleias está sendo promovido este ano, tem restaurantes familiares, barracas de aluguel de pranchas de surfe e albergues de madeira como a Casa Majagua, onde quartos privados começam em 40 mil pesos colombianos, ou cerca de US$ 10, por noite.

Na manhã seguinte à abertura do festival, enquanto a maioria de La Barra dormia, caminhei para o norte na ampla praia de areia cinza da Casa Majagua em direção à foz do rio San Juan, cuja extensa rede de afluentes conecta as comunidades da praia com o interior. A placa de pano esfarrapada do Hola-Ola, lugar que ouvi ser descrito como o melhor restaurante de La Barra, balançava ao vento.

A cozinheira-chefe e proprietária, Odalia Rivas, conhecida como Ola, já estava trabalhando. Ela observou que a temporada de baleias é uma época de abundância de frutos do mar. Isso inclui os caranguejos azuis no prato que leva sua assinatura, o “encocado de cangrejo”.

Rivas salteia os caranguejos em leite de coco, cebola, tomate e ervas, envolve-os em folhas de bananeira e os serve com uma pedra que se usa para quebrar a casca. Em vários dos seus outros pratos deliciosos a protagonista é a piangua, molusco de polpa negra colhido nos manguezais cuja textura faz lembrar uma concha.

Muitas mulheres locais, incluindo a filha de Ola, Sari Rentería, saem todo dia para os manguezais na maré baixa e colhem pianguas. “Você se sente unido à terra”, Rentería me disse mais tarde naquela manhã, com seus longos antebraços enterrados na lama.

Rentería preparava uma nova experiência para os turistas, algo para fazerem quando não estão observando baleias, surfando ou deitados na praia. Seu tio Amable Rivas, o pescador que havia falado na noite anterior, já oferecia passeios de barco para descobrir as muitas cachoeiras e piscinas naturais escondidas da área. Enquanto isso, Rentería leva os visitantes para cavar pianguas que, depois, podem cozinhar juntos.

Santiago Ortiz, funcionário eleito de La Barra, nos acompanhou até os manguezais. Como Bueno, ele é um grande conhecedor das tradições orais. “É em situações como essa, com as mulheres colhendo pianguas, por exemplo, que tais tradições são sustentadas. Não é seu avô sentado com você contando uma história. É seu avô lhe contando uma história enquanto você está fazendo algo verdadeiro, como pescar”, ele explicou.

Ortiz é um político improvável: um estudante de biologia de 19 anos na cidade de Cali que só pode ir a La Barra nos fins de semana e feriados. Ele espera promover uma forma diferente de turismo na cidade, que enfatize a natureza e a cultura local. Sediar o festival das baleias já é uma grande ajuda ao projeto dele. “Acho que este é o momento certo para nos apresentarmos ao mundo”, afirmou.

‘O espírito da baleia’

Parte do projeto de Bueno para o festival da baleia é criar um espaço cultural compartilhado para afro-colombianos e wounaan, que se reúnem principalmente por meio do comércio. Quando perguntei a Odalia Rivas quais receitas eram comuns entre os wounaan, ela não tinha ideia. “Vivemos bem separados”, disse.

Embora nenhum wounaan tenha ido à noite de abertura do festival, alguns planejam participar da festa em setembro com apresentações musicais, mostra de artesanato e contação de histórias. Por esse motivo, os moradores de uma comunidade wounaan chamada Jooin Jeb convidaram a equipe de Bueno para visitar sua casa, localizada em um afluente do Rio San Juan.

No início da manhã, em meio a uma chuva leve, mas constante, o fotógrafo e eu partimos com Bueno e sua delegação do festival de Ladrilleros em barcos pilotados por capitães wounaan através dos manguezais mais espessos e antigos que já vi.

Fomos em direção a Jooin Jeb. Depois de duas horas, as teias escuras de manguezais deram lugar à visão de palmeiras de açaí rendadas. Um tucano voou baixo sobre o rio. Atracamos em escadas de terra esculpidas na margem íngreme do afluente.

Os cerca de 130 moradores de Jooin Jeb falam o idioma wounaan, o woun meu, e o espanhol. Muitas mulheres wounaan são tecelãs experientes que usam fibras finas de palmeira e corantes naturais para criar cestos elegantes, brilhantes e de formas rígidas. Aquele dia era um feriado importante para a comunidade, um festival de colheita. Muitos dos jovens adultos, que trabalham ou estudam em outros lugares, haviam retornado. Todos, de bebês a idosos, usavam desenhos de pele recém-pintados com tinta azul-escura feita da fruta jagua.

Otoniel Chamarra, de 39 anos, pintou a parte superior do corpo com um padrão em zigue-zague duplo cujas quatro linhas se cruzavam sobre o coração. De acordo com ele, o desenho foi feito para representar estradas, porque ele estava pensando em qual caminho seguir com seus estudos e sua vida.

Chamarra estava trabalhando em um curso de administração de empresas em Cali, e também atuou como diretor cultural em Jooin Jeb. Em setembro, pretendia falar no festival em La Barra sobre as perspectivas dos wounaan, sobre ecologia e, claro, sobre baleias.

Durante a maior parte de sua trajetória, os wounaan foram marinheiros, habitando praias como a de La Barra, contou Chamarra. Embora nos últimos séculos tenham vivido mais no interior, “sempre estivemos no rio e no mar”, ele disse. “A baleia protege aqueles perdidos no mar, e transmite a energia que tem tudo a ver com nossa colheita.”

Chamarra explicou que é no mês de junho, quando as baleias jubarte estão a caminho da baía de Málaga, que os wounaan se preparam para essa festa, reunindo todas as famílias para celebrar um ano próspero à frente. “O espírito da baleia é a alma dos produtos que colhemos”, acrescentou.

Depois de compartilhar com nossos anfitriões um generoso almoço de peixe de rio, cozido no vapor, e suco de açaí fresco, nos despedimos de Jooin Jeb. Borboletas azuis coloridas flutuavam ao redor de nossos barcos alegrando nossa jornada pela floresta e pelos manguezais. O grande rio se alargou conforme nos aproximamos do mar, atraídos, como tantos outros, em direção às baleias.

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