Covid-19 mudou mercado mundial de drogas, alerta ONU
Devido às restrições da pandemia, traficantes têm novas rotas e métodos para distribuição. Atividades na 'deep web' e envios por correio aumentaram
Internacional|Da EFE
Novas rotas, métodos de tráfico de drogas e substâncias proibidas. As restrições impostas mundialmente devido à pandemia do novo coronavírus alteraram não apenas a economia global, mas também o mercado internacional de drogas, segundo a ONU (Organização das Nações Unidas).
Este é um dos aspectos principais do Relatório Mundial sobre Drogas, divulgado na quinta-feira (25), em Viena (Áustria), que mostra uma situação cada vez mais complexa, com drogas tradicionais - como cocaína, heroína e maconha - em níveis recorde, além da proliferação de substâncias sintéticas.
"Há mais pessoas usando drogas, mais substâncias e mais tipos de narcóticos do que nunca", resumiu a situação a nova diretora executiva do UNODCE (Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime), a egípcia Ghada Waly.
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"O mercado de drogas está se tornando cada vez mais complexo. Substâncias de origem vegetal como cannabis, cocaína e heroína estão se juntando a centenas de drogas sintéticas, muitas sem controle internacional", afirma o relatório.
O uso de medicamentos farmacêuticos - em alguns casos falsificados - para fins recreativos ou sem supervisão médica também está aumentando, algo que tem causado dezenas de milhares de mortes nos Estados Unidos nos últimos anos.
Mais consumidores
A ONU calcula que em 2018 havia cerca de 269 milhões de usuários de drogas no mundo, o equivalente a 5,4% da população adulta mundial. Uma em cada 19 pessoas no planeta, o que representa 30% a mais do que em 2009. Além disso, mais de 35 milhões de pessoas sofriam de grave dependência de drogas na época, de acordo com a estimativa.
O relatório repete as estimativas de 585 mil mortes em 2017 devido ao uso de drogas, que já havia divulgado no relatório do ano passado.
A maconha continua como droga mais popular do mundo, com 192 milhões de usuários, e os opiáceos como a heroína são os mais letais, pois estão por trás de dois terços das mortes.
Mais em países em desenvolvimento
Na última década, o uso de drogas cresceu muito mais rapidamente no mundo em desenvolvimento do que no mundo industrializado, em parte devido ao crescimento da população mais jovem, que tem maior probabilidade de usar drogas.
A ONU também aponta para as diferenças sociais: enquanto a maior prevalência do consumo se encontra entre os mais favorecidos, os problemas mais graves de dependência química são encontrados principalmente entre os mais pobres.
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"Dados de vários países sugerem uma associação entre padrões nocivos de uso de drogas e baixa renda", diz o relatório o UNODC.
Covid altera o mercado
Devido às restrições para conter a pandemia de covid-19, os traficantes estão procurando novas rotas e métodos, e as atividades na "deep web" da internet e os envios por correio aumentaram, segundo o relatório.
As rotas aéreas - importantes para o tráfico de anfetaminas e drogas sintéticas - e as rotas terrestres - essenciais para a heroína - tiveram que ser alteradas devido aos cancelamentos de voos e ao fechamento de fronteiras.
O aumento das apreensões de cocaína nos portos europeus ou as apreensões de heroína feitas em navios no oceano Índico, como alternativa à rota terrestre nos Balcãs, são indícios dessas mudanças.
A paralisação do comércio internacional também foi observada na escassez de matérias primas para a fabricação de heroína e cocaína, o que se refletiu na queda da produção.
A ONU apontou que o aumento do controle nas fronteiras está levando a menos tráfico de heroína do México para os Estados Unidos, e uma queda no fornecimento também foi detectada na Europa.
Outra indicação de escassez de oferta é o aumento dos preços das drogas em diversos países.
As restrições aos deslocamentos e reuniões podem ter levado a uma queda momentânea no consumo, especialmente daquelas drogas - como estimulantes - que aparecem frequentemente em festivais de música ou casas noturnas.
Padrões de risco
No lado negativo, a ausência de opiáceos devido a restrições pode ter levado à busca de um substituto para o álcool, benzodiazepinas ou drogas sintéticas, adverte a ONU.
Também foi possível substituir a heroína por substâncias mais nocivas produzidas localmente, como o fentanil, um analgésico sintético que é 50 vezes mais potente.
Além disso, há o temor de que tenham surgido padrões mais nocivos de consumo com substâncias injetadas através de seringas, e o consequente risco de transmissão de doenças como Aids e hepatite C.
Crise e pobreza
A ONU também adverte que a atual crise econômica afetará particularmente aqueles que já são os mais vulneráveis.
O aumento do desemprego e da pobreza como resultado da crise pode levar ao aumento do consumo de drogas, assim como ao aumento do número de pessoas que veem o cultivo ilícito ou o tráfico de drogas como opções de sobrevivência, adverte o relatório.
"A crise da covid-19 e a recessão econômica ameaçam agravar ainda mais os perigos das drogas quando nossos sistemas de saúde e sociais tiverem atingido seus limites", alertou Ghada Waly.
Por fim, a ONU critica o fato de 90% dos opiáceos para tratamento da dor e cuidados paliativos serem utilizados em países ricos, que representam apenas 12% da população mundial.
O outro lado da moeda é que 88% da população restante - todos nos países em desenvolvimento - usam menos de 10% desses analgésicos, como a morfina, para o alívio da dor.