Crise econômica na Turquia está ligada a interesses políticos dos EUA
Tensão atual decorre de divergência diplomática entre os países que, na verdade, é um pretexto para os EUA não perderem influência na região
Internacional|Eugenio Goussinsky, do R7
A crise econômina na Turquia, que ontem afetou os mercados internacionais e fez o dólar subir até mesmo no Brasil, envolve diretamente a relação do país com os Estados Unidos e tem raízes políticas e diplomáticas.
Foi um anúncio do presidente Donald Trump de que os Estados Unidos vão aumentar as taxas sobre a importação de aço e alumínio turcos o estopim para a desvalorização da lira, a moeda turca.
A sanção é consequência de uma tensão diplomática entre os dois países que ganhou corpo desde que o governo russo se aproximou do turco, principalmente durante alguns momentos na guerra da Síria.
Divergência diplomática
O ponto de partida para o tenso momento atual é uma divergência diplomática entre os países.
Os Estados Unidos exigem a libertação do pastor Andrew Brunson, preso e julgado na Turquia, em abril de 2018, acusado de “terrorismo” e de cooperar com o golpe militar contra o presidente turco Recep Tayyip Erdogan em julho de 2016.
A Turquia, por sua vez, tem uma queixa semelhante. Reclama que os Estados Unidos mantém em seu território o pregador turco Fethullag Gülen que, segundo o governo turco, comandou a tal tentativa de golpe em 2016.
A queixa de ambos os lados é a ponta de um iceberg, um pretexto que envolve toda a geopolítica da região.
Triângulo turco
O fato de a Turquia se comportar como um pêndulo, ora ao lado dos Estados Unidos, ora ao lado da Rússia, reflete também a complexidade geográfica da região.
O país está situado na Europa e na Ásia. Possui estreitos que interessam à Rússia, cujo objetivo também é ter um corredor marítimo para a Europa.
No fim da Segunda Guerra Mundial, tornou-se aliado dos Estados Unidos, fazendo parte da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte). Justamente para se contrapor à União Soviética e sua ambição regional.
Quando a União Soviética se desmembrou, Turquia e Rússia voltaram a se aproximar. Formou-se aí um "triângulo" entre a Turquia e as duas principais potências, explicado também pela dualidade - e por que não dizer riqueza - da cultural local.
De um lado o governo atual é fortemente ligado ao islamismo, mas boa parte da população admira o modo de vida ocidental.
Guerra da Síria
A Guerra da Síria, iniciada em 2011, veio para expor e mobilizar na prática todos esses interesses.
O desentendimento diplomático entre Turquia e Estados Unidos foi potencializado pelo apoio americano ao grupo curdo YPG (Unidades de Proteção Popular), que busca a independência em relação à Turquia.
Ao invadir inclusive o território sírio para combater os curdos, os turcos combatiam também forças dos Estados Unidos. E, combatendo os curdos — aliados de grupos rebeldes como o Exército Livre da Síria —, estava na prática se aliando ao governo russo, principal suporte do ditador Bashar al-Assad.
Percebendo o risco de se distanciar ainda mais da Turquia, a partir da derrota do Daesh com a ajuda do grupo curdo, os Estados Unidos teriam deixado de apoiar as milícias curdas, para também não se contrapor formalmente ao (apesar de tudo) aliado.
Rússia tem interesses na Turquia
Enquanto isso, a Rússia também exibia suas contradições nesse relacionamento.
Mesmo entre atritos diplomáticos, como após a derrubada de um avião russo pelo exército turco e o assassinato de seu embaixador no país em dezembro de 2016, uma ruptura com a Turquia não interessa. Por outros motivos além da guerra síria.
O governo de Vladimir Putin, afinal, tem total interesse em manter a passagem de gasodutos na região. E o país também é um potencial comprador de armas russas.
A Rússia ainda é parceira na construção da usina nuclear Akkuyuo, em território turco, prevista para ficar pronta daqui alguns anos.
Tudo isso, para desgosto dos Estados Unidos que, sem alternativa, usam o poderio econômico para sufocar o governo Erdogan e tentar trazer a Turquia novamente para o seu círculo de aliados permanentes.