Desaparecidos na América Latina: 7 pontos para entender o problema
Em entrevista ao R7, assessora da Cruz Vermelha fala sobre influência dos conflitos armados nos desaparecimentos e drama das famílias
Internacional|Ana Luísa Vieira, do R7
O desaparecimento de pessoas é um problema humanitário que se arrasta há décadas nos países da América Latina. Quem garante é Susana López, assessora Regional do Programa Pessoas Desaparecidas e seus Familiares, do CICV (Comitê Internacional da Cruz Vermelha).
No último mês, a entidade lançou uma campanha para conscientizar a população local sobre o tema — cuja realidade envolve famílias desesperadas em buscas de respostas, falta de dados confiáveis, descaso do poder público e o enfrentamento da violência armada.
Em entrevista ao R7, Susana analisa os principais pontos para que se possa entender a dimensão do problema.
1. Os conflitos armados
A especialista lembra que, na América Latina, vários países tiveram sua história marcada pelos conflitos armados. Alguns, inclusive, continuam enfrentando este drama.
Na Colômbia, grupos guerrilheiros que lutavam pela implantação do socialismo estiveram em confronto com o governo ao longo de cinco décadas no século 20. O período foi marcado por sequestros, extorsões, torturas e atentados. “Estima-se que mais de 80 mil pessoas tenham desaparecido no país”, comenta a analista.
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“O mesmo aconteceu em países como Guatemala, com mais de 45 mil desaparecidos; no Peru, com mais de 20 mil desaparecidos pela violência terrorista; e em El Salvador, com mais de 5 mil desaparecidos”, resume Susana.
2. A violência das organizações criminosas
A violência promovida por grupos criminosos e organizações do tráfico de drogas, por sua vez, contribui constantemente para o desaparecimento de pessoas em países como Brasil e México.
“Para se ter uma ideia da dimensão do desafio no México: entre 2006 e 2009, foram reportados mais de 40 mil desaparecimentos. No Brasil, só no ano de 2017, foram 80 mil desaparecidos”, diz a porta-voz do CICV.
3. Falta de números e dados confiáveis
Embora os números já reportados sobre os desaparecidos na América Latina sejam alarmantes, é possível que eles sequer retratem o verdadeiro drama na região. “Os índices estão sempre crescendo, mas não são completamente confiáveis”, aponta Susana.
“Faltam esforços e principalmente o desenvolvimento de sistemas de gestão eficazes para o registro de pessoas desaparecidas. Quando os sistemas existem em diferentes países, eles não se comunicam entre si — e tudo isso dificulta a implantação de políticas públicas que possam amenizar o problema e o sofrimento das famílias”, ressalta a assessora.
De sua parte, o CICV contabilizou que, só no ano de 2018, 3.515 pedidos de busca de pessoas desaparecidas ainda não foram resolvidos em 11 países da América Latina e 1.165 novos pedidos foram registrados em nove países.
4. A questão da Venezuela
Em colapso econômico e vivendo a maior crise humanitária de sua história, com escassez de alimentos e remédios para a população, a Venezuela viu o êxodo de 4 milhões de pessoas nos últimos anos. Até o fim de 2019, A ONU prevê que 5,3 milhões de venezuelanos tenham fugido da pobreza em seu país e, neste contexto, a questão das migrações agrava o problema dos desaparecidos.
“Os migrantes — não só da Venezuela — estão constantemente expostos não somente às condições degradantes dos trajetos quando saem de seus países, mas também à ação de grupos — muitas vezes armados — que atuam nas rotas. Tudo isso contribui para o desaparecimento de pessoas”, avalia Susana López.
5. Desastres naturais
A assessora do CICV ressalta ainda que a América Latina é uma região suscetível a desastres naturais: “Temos terremotos em países como Equador e no México, vulcões em erupção em países como a Guatemala, inundações no Peru e na Colômbia”.
Um dos fenômenos mais devastadores a atingir a região nos últimos anos foi o tremor de magnitude 7,1 que sacodiu o México em setembro de 2017. Foram contabilizados 292 mortos e dezenas de desaparecidos sob os escombros das construções destruídas pelo terremoto.
6. A incerteza das famílias
Para as famílias de pessoas desaparecidas, os sentimentos de dúvida e esperança são constantes. “Elas vivem em permanente estado de incerteza: não sabem se os parentes estão vivos ou mortos, se um dia irão regressar. Algumas se deslocam em busca de informações e isso implica gastos não só com a viagem, mas com a obtenção de documentos. Há o esforço de bater de porta em porta”, detalha a especialista.
Todo esse trabalho, muitas vezes, se dá sem nenhum apoio institucional ou do poder público. “As famílias acabam esquecidas pela sociedade e passam a enfrentar problemas de saúde física e mental após tantos anos à procura por respostas. O desgaste psicológico é tão grande que, muitas vezes, evolui para doenças físicas bastante sérias.”
7. Avanços em legislações
Nos anos recentes, alguns países já aprovaram leis que contribuem para o debate em torno do desaparecimento de pessoas e fornecem auxílio às famílias afetadas. O Peru, por exemplo, já conta com a Lei de Busca de Pessoas Desaparecidas, aprovada em junho de 2016. Em 2018, um decreto presidencial garantiu a criação de um banco de dados para a busca de pessoas desaparecidas no país entre 1980 e 2000.
Já no México, desde 2018 está em vigor a Lei Geral sobre Desaparecimento de Pessoas — redigida com o apoio de familiares de mexicanos desaparecidosque garantiu a implementação de um sistema nacional de busca.