‘É incrível que ele esteja vivo’, diz brasileiro que entrevistou Assange
Lino Bocchini foi o único brasileiro a ter acesso ao fundador do Wikileaks enquanto este se encontrava sob liberdade condicional em 2011
Internacional|Ana Luísa Vieira, do R7
Lino Bocchini foi o único jornalista brasileiro a ter acesso ao fundador do Wikileaks, Julian Assange, enquanto este se encontrava sob liberdade condicional em uma propriedade rural nos arredores de Londres entre dezembro de 2010 e junho de 2012.
A conversa se deu em março de 2011 e rendeu uma reportagem publicada na edição do mês seguinte na revista Trip, com direito a uma foto de capa em que o ciberativista aparece vestindo uma camiseta vintage da Seleção Brasileira de Futebol.
Para Bocchini, é incrível que Assange — preso nesta quinta-feira (11) após ter seu asilo político revogado pelo Equador — continue vivo mesmo depois de toda a perseguição empreendida pelas autoridades internacionais nos últimos anos.
“É quase um milagre que ele tenha conseguido sobreviver por esse tempo apesar de toda a ameaça que ele representa para grandes governos. Ele ousou desafiar os Estados Unidos, que são o maior poder do mundo, e inspirou muita gente porque não tem um discurso vazio, da boca para fora. Ele coloca aquilo em que acredita em prática”, diz o jornalista em entrevista ao R7.
Bocchini conseguiu contato com Julian Assange depois que o próprio citou o brasileiro em um pronunciamento sobre restrições à liberdade de expressão — à época, o jornalista havia tido seu blog censurado em decorrência de uma ação judicial movida por um grande jornal de circulação em território nacional.
“Ele encontrou a nossa equipe — eu estava com a jornalista Natalia Viana e a fotógrava fotógrafa Eliza Capai — na estação de trem mais próxima ao local onde vivia e estava usando uma tornozeleira eletrônica. O mais curioso é que o próprio Assange nos recebeu com uma câmera nas mãos — naquele período, ele documentava tudo o que acontecia em sua vida”, detalha o brasileiro.
A primeira impressão de Bocchini foi a de que o fundador do Wikileaks era uma pessoa tranquila e bem-humorada. “Eu diria até que ele parecia alguém tranquilo — o que é praticamente um contrassenso, dado o momento de restrição que vivia. Pouquíssima gente tinha acesso a ele pela preocupação com sua segurança”, relata.
Julian Assange entrou na mira das autoridades no início de 2010, quando o Wikileaks divulgou um vídeo militar dos Estados Unidos mostrando um ataque de helicópteros a Bagdá que matou 12 pessoas no ano de 2007.
Em agosto de 2010, passou a ser investigado pela Suécia por denúncias de estupro e abuso sexual e se tornou alvo de um mandado de prisão internacional. Ao fim do ano, se entregou à polícia de Londres, no Reino Unido — mas conseguiu liberdade condicional graças ao pagamento de uma fiança de 240.000 libras (aproximadamente R$ 1.202.472, em valores atualizados), financiada por seus apoiadores.
Durante a entrevista, Lino Bocchini e Assange conversaram sobre a situação do ciberativista e sua trajetória: “Também falamos sobre questões conceituais e aquilo em que ele acredita. O Assange é alguém que defende privacidade máxima para indivíduos e cidadãos comuns e transparência irrestrita para governos e grandes corporações”, pondera.
Leia também
“Uma ideia que, para mim, faz todo o sentido — porque só vai contra quem tem algo a esconder”, completa o jornalista brasileiro.
Pouco mais de um ano após a conversa, o fundador do Wikileaks foi acusado de violar as condições de sua condicional e acabou por pedir proteção à embaixada do Equador em Londres, onde permaneceu asilado por 2.429 dias até ser detido.
Em comunicado após a ação policial, promotores norte-americanos declararam que Assange é denunciado pelo crime de conspiração por tentativa de acessar um computador secreto do governo dos Estados Unidos junto à ex-analista de inteligência do Exército Chelsea Manning no ano de 2010.
“A prisão dele me entristece. Eu acredito que, a médio prazo, ele vai ser extraditado para os Estados Unidos ou o governo norte-americano vai ter um controle muito grande do que vai ser feito em relação a ele. As autoridades vão querer mostrar algum tipo de punição exemplar”, avalia Bocchini.
Para o jornalista brasileiro — que se preparava para uma reunião quando soube da prisão de Assange nesta quinta-feira —, o saldo que fica é o da necessidade de enfrentamento para quem não deseja “estar no mundo a passeio”. “Me tornei uma pessoa muito mais consciente disso depois de conhecer Assange. Mas ele não foi perdoado e não será”, finaliza.