Em meio à crise, comunidade ucraniana no Brasil teme invasão e envia carta a Bolsonaro
No país, há cerca de 600 mil descendentes de ucranianos, que se encontram entre a região Sul e São Paulo
Internacional|Letícia Sepúlveda, do R7
Para além das questões econômicas e diplomáticas, a atual crise que ocorre na fronteira entre a Rússia e a Ucrânia atinge o Brasil de maneira afetiva, já que uma parcela da população do país tem origem ucraniana.
De acordo com a Representação Central Ucraniano-Brasileira, há cerca de 600 mil descendentes de ucranianos no país. Do total, 81% residem no estado do Paraná e os demais se encontram no norte do estado de Santa Catarina, em Porto Alegre e na cidade de São Caetano do Sul, em São Paulo.
Entre as regiões com presença ucraniana, destaca-se a cidade de Prudentópolis, a 212 km de Curitiba, que recebeu a colônia no fim do século 19 e onde 75% dos habitantes são descendentes de imigrantes ucranianos.
Angela Zapotoczny, bisneta de ucranianos, é natural de Porto União, em Santa Catarina. O idioma, a cultura e a religião do país sempre foram preservados em sua família, e desde a infância ela teve contato próximo com suas raízes.
A catarinense tem acompanhado a movimentação dos mais de110 mil soldados russos na fronteira ucraniana e a ameaça de mais uma invasão do país.
“A Rússia sempre exerceu essa opressão na Ucrânia, não querendo que o país cresça. O povo ucraniano tem uma história muito sofrida, e essa iminência de um novo conflito armado deixa toda a comunidade aflita”, conta.
Ela ainda ressalta que, apesar de não conseguir ajudar de forma direta, a comunidade mobiliza grupos de orações para que a atual crise seja solucionada de forma pacífica.
Membro do Núcleo dos Artesãos de Pêssankas, ela foi além da preservação de suas raízes e transformou o artesanato ucraniano em sua fonte de renda principal. As pêssankas, ovos coloridos à mão, que simbolizam vida, saúde e prosperidade, são peças muito importantes na arte tradicional da Ucrânia.
Vanessa Jerba, natural de Ponta Grossa, no Paraná, e radicada em Campo Grande, também é bisneta de ucranianos e tem grande participação no artesanato tradicional.
Diferentemente de Angela, ela não teve contato próximo com a cultura do país durante a infância, aproximou-se das tradições ucranianas apenas na adolescência por causa de um grupo folclórico e, há cinco anos, motivada por um livro didático de sua filha, retomou a produção de bordados e artesanatos.
Vanessa faz parte de um grupo de artesãs que participou de uma exposição de mótankas (bonecas ucranianas) que vestiam trajes inspirados nos países em que a comunidade ucraniana está presente.
A mostra contou com uma boneca brasileira feita por Vanessa e começou virtualmente devido à pandemia da Covid-19. Recentemente, a exposição esteve em muitos países da União Europeia e agora passa por museus em cidades ucranianas.
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Em meio ao aumento do conflito no Leste Europeu, a comunidade ucraniana no Brasil luta para preservar a cultura do país.
“Compartilhamos o sentimento de que a Ucrânia é um país livre, soberano e reconhecido mundialmente, portanto precisa ter suas fronteiras preservadas”, ressalta Vanessa.
A artesã começou a ficar mais receosa à medida que tropas russas e de Belarus foram cercando as fronteiras ucranianas. Vanessa tem parentes e amigos na região. "Vejo que os ucranianos convivem com essa tensão desde a tomada da Crimeia pelos russos, em 2014, então para eles o aumento da crise representa mais um passo que foi dado nesse conflito”, conclui
Diplomacia
O presidente da Representação Central da Comunidade Ucraniana no Brasil, Vitório Sorotiuk, é neto de ucranianos, nasceu em Prudentópolis e teve o ucraniano como primeiro idioma.
Diante do atual conflito e às vésperas da visita do presidente Jair Bolsonaro à Rússia, a representação protocolou uma carta em que pede que ele também viaje para a Ucrânia.
“É natural que o Brasil tenha relações econômicas com outros países, mas, tendo em vista esse momento crítico, seria necessário que o presidente fizesse uma visita ao presidente ucraniano, para que essa visita ao Putin não seja confundida com um apoio do Brasil à Rússia.”
Na iminência de uma nova invasão do país de seus avós, Sorotiuk ressalta as dificuldades que a região já enfrentou: “A Revolução Russa de 1917, a Primeira e a Segunda Guerra Mundial ocorreram no território da Ucrânia e a população também enfrentou a ‘fome artificial’ imposta por Stálin".
“Agora, a nova geração que viveu sem guerra desde 1945 até 2014 passa a enfrentar essa dura realidade."