Entenda a relação da guerra na Geórgia e da anexação da Crimeia com a invasão da Ucrânia
No poder há mais de 20 anos, presidente Vladimir Putin usa as tropas russas para defender os interesses do país na região
Internacional|Lucas Ferreira, do R7
O presidente da Rússia, Vladimir Putin, assumiu pela primeira vez o cargo em 2000. Nos últimos 22 anos, em que atuou também como primeiro-ministro, o líder colocou as tropas do país em conflitos para defender interesses russos em três oportunidades: Geórgia (2008), Crimeia (2014) e Ucrânia (2022).
As três operações militares têm em comum a oportunidade. Putin se aproveitou de movimentos ou fraquezas da democracia da Geórgia e da Crimeia para agir, conquistando seus objetivos tanto em 2008 quanto em 2014.
O historiador Rodrigo Ianhez, especialista em Rússia, explica que há paralelos no discurso de Putin nos três conflitos. Na Geórgia e na Ucrânia, por exemplo, o presidente russo citou uma suposta missão de paz para justificar as ações militares.
“Os russos falaram em operação de paz, com a grande diferença de que na época, de fato, havia um mandato de paz russo na Geórgia. Obviamente, depois da entrada das forças armadas da Rússia, a história mudou. [...] O que não há na Ucrânia, apesar de os russos usarem termos semelhantes”, afirma Ianhez.
Na visão do historiador, a anexação da Crimeia, em 2014, e a invasão da Ucrânia, neste ano, na verdade, são faces do mesmo conflito, que perdura há oito anos.
“Em 2014, mais que um paralelo com a situação atual, é o início desta guerra. A gente não pode falar que esta guerra [na Ucrânia] começou em fevereiro, ela começou oito anos atrás, lá em 2014, com a declaração separatista de Donetsk e Lugansk. Parte disto, sem dúvida nenhuma, é a questão da Crimeia.”
Guerra com a Geórgia
Em 2008, tropas russas realizaram operações na Ossétia do Sul e Abecásia, regiões separatistas da Geórgia que compõem cerca de 25% do território total do país.
Diferentemente da relação com a Ucrânia, a Rússia tinha tratados que autorizavam a Geórgia a colaborar na manutenção de paz nessas regiões, que buscam a separação do país desde a dissolução da União Soviética, em 1991. As tensões entre o governo central georgiano e os povos de Ossétia do Sul e Abecásia levaram a inúmeros massacres contra essas minorias.
O governo do ex-presidente georgiano Mikheil Saakashvili aproveitou a aproximação com o Ocidente no início do século para tentar eliminar de vez os dois núcleos separatistas no país, conta Ianhez.
“O governo georgiano já vinha há anos se aproximando do Ocidente com o governo de Saakashvili, e o Ocidente havia criado algumas expectativas, dado sinais de aproximação, inclusive sinalizando uma possível entrada na Otan. Saakashvili se sentiu confiante para resolver a questão desses territórios.”
Nesse cenário, os georgianos decidiram atacar, mas não contaram com a ajuda do Ocidente, enquanto as regiões separatistas tiveram o apoio das forças russas para se protegerem. O resultado foi a vitória das áreas de Abecásia e Ossétia do Sul, que reafirmaram seu status de autonomia, ainda que a comunidade internacional não as reconheça como país.
“Os russos aproveitaram a oportunidade para efetivar o quadro que já estava se desenhando, uma separação dessas duas regiões. Apesar de não serem reconhecidas, gozam de uma independência sob a asa dos russos”, completa Ianhez.
Anexação da Crimeia
Diferentemente da Geórgia, onde os militares russos precisaram usar armas, na Crimeia nem sequer a população foi contra a chegada de Moscou. Em 2014, 70% do povo que habitava a península era formado por russos, ante apenas 10% de ucranianos e outros 20% de etnia tártara.
Historicamente, a ligação da Crimeia é com a Rússia, não com a Ucrânia, que fica ao norte da península. O território se tornou um braço de Kiev em 1954, quando a União Soviética concedeu a região aos ucranianos, em uma época em que não se pensava em uma dissolução da grande república.
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“A Crimeia, historicamente, tem relações muito frágeis com a Ucrânia, enquanto com a Rússia, desde o governo de Catarina, a Grande (1762-1796), muitos russos foram habitar a Crimeia.”
Em 2014, quando a Ucrânia passava por uma enorme instabilidade política causada pelos protestos do Euromaidan, Putin entrou na Crimeia, onde foi recebido com festa pelos cidadãos da península.
“Os russos entram na Crimeia de maneira pacífica, não há nenhum derramamento de sangue, e por isso acho que não dá para dizer que foi um ensaio para uma ofensiva maior”, explica Ianhez, em paralelo com o conflito que ocorre atualmente na Ucrânia.
Extermínio de minorias russas é o combustível de Putin?
Na atual invasão da Ucrânia, o presidente da Rússia afirmou que os russos que vivem em território ucraniano, em especial em Donetsk e Lugansk, estavam sendo exterminados por forças de Kiev. Desde 2014, pelo menos 14 mil pessoas morreram no conflito separatista no leste do país.
Entretanto, Ianhez destaca que esse discurso é usado por Putin apenas quando convém. O historiador cita outras regiões nos quais russos são minorias e sofrem com abusos, mas sem a intervenção do presidente da Rússia.
“Putin utiliza a questão das minorias russas nesses países, mas não é uma questão de fato. Há minorias russas que têm seus direitos violados nos países bálticos, mas isso só é levantado quando é do interesse da Rússia. A questão não é levantada em todos os momentos."
"Enfim, não acredito que seria motivo para iniciar um conflito, ainda mais esses países sendo parte da Otan”, conclui Ianhez.